130 anos após abolição, trabalho escravo ainda existe no Brasil

Após seis constituições, Brasil ainda convive com prática que não condiz com Estado Democrático de Direito como trabalho forçado e jornada exaustiva

Alessandro Dantas

Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) em audiência pública debate: "Os cento e trinta anos da Abolição da Escravatura e a Escravidão Moderna"

A Lei Áurea foi assinada em 13 de maio de 1888 durante o período monárquico do País. A data marca, pelo menos oficialmente, o fim da escravidão no Brasil. Mas, ainda há nos dias de hoje, práticas que mantêm a exploração do trabalho escravo como: trabalho forçado, condições degradantes, jornada exaustiva e servidão por dívida são registrados no Brasil, 130 anos após a abolição assinada por princesa Isabel.

Esse foi o panorama traçado por especialistas que participaram de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH) nesta terça-feira (15), presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), vice-presidente do colegiado.

“É lamentável que mesmo após seis constituições, o Brasil ainda tenha que se deparar com o enfrentamento de um problema que é incompatível com o conceito de Estado Democrático de Direito”, disse Helder Amorim, vice-presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), que citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), demonstrando que a população negra e parda representa a maioria das pessoas analfabetas, em situação de extrema pobreza e com as piores colocações no mercado de trabalho.

“São marcas perceptíveis no contexto político atual. O regime escravagista deixou na nossa mentalidade traços excludentes e de profunda desigualdade social. O Brasil tem ainda, na atualidade, a ferida aberta da prática do trabalho análogo à escravidão”, disse.

O representante da ANPT ainda teceu críticas ao governo Temer que, segundo ele, reduziu drasticamente as políticas públicas voltadas ao combate e fiscalização das atividades que exploram trabalho análogo ao escravo. Ele citou, como exemplo, portaria do Ministério do Trabalho do ano passado, que tentou reduzir o conceito de trabalho escravo afastando pontos fundamentais ao combate da escravidão contemporânea, como: jornada exaustiva e condição degradante.

Nos últimos 20 anos, aproximadamente 50 mil trabalhadores foram resgatados em condição análoga à escravidão. 95% são homens, jovens e de baixa escolaridade. 33% são analfabetos e 39% só estudaram até a 5ª série, segundo dados do Observatório do Trabalho Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Na avaliação da senadora Regina Sousa (PT-PI), presidenta da CDH, aqueles que exploram o trabalho escravo moderno vêm buscando ocupar espaços públicos para implantar projetos no Congresso Nacional em prol da continuidade da exploração da mão de obra.

“Não adianta ter conhecimento sem consciência. Não adianta ter verdade sem liberdade. As leis podem trazer retrocesso. As várias formas de exclusão não ficam claras na legislação. Por isso, é preciso haver uma reflexão de todos. Não basta entender, tem que compreender o contexto histórico”, concordou Vera Jatobá, diretora do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait).

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), Carlos Silva, alertou para o risco de as conquistas obtidas nas duas últimas décadas no avanço da legislação e garantias aos trabalhadores vir sofrendo constantemente com ataques do atual governo.

“A Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo está sendo esvaziada. O Grupo Especial de Fiscalização Móvel, que já foi composto por nove equipes, hoje tem quatro equipes, pois não tem orçamento suficiente. A Lista Suja vive uma batalha judicial. O governo só divulga porque tem que cumprir uma decisão judicial mediante ação civil do Ministério Público. O seguro desemprego do trabalhador resgatado é sempre objeto de contingenciamento“, elencou o auditor.

Violência contra a juventude negra

O senador Paulo Paim destacou dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública na qual foram registrados cerca de 61 mil assassinatos em 2016. Em 2012, segundo o Mapa da Violência, dos 56.337 mortos por homicídios no Brasil, 53% eram jovens. Destes, 77% eram negros (assim considerados a soma de pretos e pardos) e 93,3% eram homens. Para o senador, os dados mostram como o País marginaliza, extermina e subaproveita o trabalho da população negra e branca pobre.

“Não posso me omitir, não posso me calar diante da banalidade com que se desenrola o genocídio da população, principalmente, negra no Brasil. É um jogo de perdedores. Todo mundo perde. A violência só aumenta. É impossível dizer quantos músicos excepcionais, quantos cientistas brilhantes, quantos médicos inovadores, quantos intelectuais que poderiam ter mudado o mundo, quantos deles e delas o nosso racismo cotidiano não enterrou nesses sacos plásticos pretos, na vala de indigentes”, enfatizou.

Chacina de Unaí

Os debatedores também lembraram a chacina de Unaí (MG), que ocorreu em 2004, quando quatro fiscais do trabalho foram assassinados durante uma fiscalização de rotina em fazendas. Para o senador Paulo Rocha (PT-PA), o episódio serve para mostrar que a escravidão moderna não está presente apenas no estado do Pará.

“Para aqueles que acreditavam que o trabalho escravo acontecia apenas no interior da Amazônia, aqui, em plena vigilância da capital do País, aconteceu a eliminação daqueles que foram fazer cumprir a lei. É preciso resgatar a história daqueles que lutaram e continuar com a luta em defesa desses trabalhadores. A escravidão não chegou ao fim com a assinatura da Lei Áurea. Desde então, a abolição tem sido impedida, entre outras coisas, por um preconceito dissimulado”, disse.

Por Rafael Noronha, do PT no Senado

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