Acordo entre Mercosul e UE pode ser suspenso por causa de Temer

Carta entregue no Parlamento Europeu pede que sejam suspensas as negociações com o Mercosul por conta da crise política e violência no campo

Wikicommons/Claude Truong-Ngoc

Membros do parlamento europeu querem interromper negociação com Mercosul por causa de Temer

Um grupo de deputados do Parlamento Europeu pediu, na terça-feira (27), a suspensão das negociações de acordo comercial da União Europeia (UE) com o Mercado Comum do Sul (Mercosul) devido à crise política no Brasil. O pedido dos parlamentares, feito por meio de uma carta, foi encaminhado à Federica Mogherini, alta representante da UE para Assuntos Exteriores e Segurança. O acordo começou a ser negociado em 1999.

No documento, de iniciativa do deputado espanhol Xabier Benito (Podemos / Espanha), os eurodeputados citam o caso da delação do empresário da JBS, Joesley Batista, envolvendo o presidente golpista, Michel Temer (PMDB), na Operação Lava Jato.

Miguel Urbán, porta-voz do Podemos na Europa, afirmou que é “absolutamente inaceitável que a Comissão Europeia continue com as negociações de um acordo de comércio com o Mercosul sem considerar a grave situação de direitos humanos no Brasil e subordinando os direitos humanos aos interesses comerciais da Europa”.

Os parlamentares também citam as violações de direitos no campo e contra manifestantes no Brasil para argumentar que o acordo de comércio com o bloco econômico latino-americano torna-se “inaceitável”. Para eles, o prosseguimento do acordo subordina o Direito Internacional dos Direitos Humanos aos interesses econômicos e comerciais da União Europeia.

Os 22 deputados que assinam o documento pedem, ainda, que a Comissão Europeia exija das autoridades brasileiras a continuidade das investigações relacionadas aos atos de violência e violação dos Direitos Humanos contra camponeses sem terra, indígenas, quilombolas e assentados.

Leia abaixo a carta na íntegra:

“Parlamento Europeu Bruxelas,

26 de junho 2017

Os membros do Parlamento Europeu abaixo assinados, mostramos nossa profunda preocupação pela grave situação dos Direitos Humanos e pela nova crise política no Brasil que teve início no último 17 de maio, quando o jornal “O Globo” divulgou o conteúdo de uma confissão do empresário Joesley Batista, vinculado ao caso de corrupção conhecido como Lava Jato, na qual detalhou mecanismos de suborno a altos servidores públicos do Estado, entre eles o presidente em funções, Michel Temer.

Ante o aumento da violência no campo, do uso das Forças Armadas para reprimir os protestos sociais no país, bem como das investigações judiciais contra o governo de Temer, torna-se absolutamente inaceitável que a Comissão Europeia prossiga a negociação de um acordo de comércio com o Mercosul, sem considerar a grave situação dos Direitos Humanos no Brasil e subordinando o Direito Internacional dos Direitos Humanos aos interesses econômicos e comerciais da União Europeia.

  1. Um Governo investigado por corrupção. O Tribunal Superior de Justiça abriu inquérito contra o presidente Temer e o seu entorno político imediato por supostos crimes de corrupção passiva, suborno, obstrução da Justiça e organização criminosa. Por outro lado, o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil conta dois anos instruindo o caso por suposto financiamento ilegal da campanha eleitoral de Michel Temer de 2014.
  2. No Brasil, a democracia e o Estado de Direito estão fragilizados. A cidadania brasileira, movimentos sociais e partidos políticos de oposição se manifestaram em massa nas principais cidades do país para pedir eleições diretas.
  3. Aumenta a repressão policial e a violação aos Direitos Humanos. No decorrer dos protestos, documentaram-se graves casos de repressão das Forças de Segurança do Estado. Também se denunciou diferentes tipos de perseguição política, de criminalização dos protestos e de detenções arbitrárias. O Poder Legislativo aprovou várias iniciativas para limitar o direito de reunião e manifestação. Com respeito ao Poder Judiciário, observam-se dificuldades para o acesso à Justiça, além da falta de investigação com respeito aos abusos cometidos por parte das forças de segurança.
  4. Massacres e violência no campo. Expressamos nossa profunda preocupação pelo grave problema que enfrentam as comunidades indígenas e quilombolas bem como dezenas de milhares de famílias camponesas que ano a ano são deslocados forçadamente das terras que habitam. Somamo-nos ao repúdio e à preocupação expressada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no que diz respeito aos recentes massacres ocorridos no Brasil. Os dados sobre violência no campo e os recentes acontecimentos políticos indicam um agravamento dos conflitos pela terra em 2017. Segundo registro da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), teria havido mais de 90 assassinatos desde 2016, além de um aumento de 39% das ameaças de morte, um incremento de 205% das vítimas de violência física, e um crescimento de 232% do número de famílias expulsas de seus territórios.
  5. Com a crise política, cresceram as violações aos Direitos Humanos. Com a instabilidade política deflagrada em 2016, questões como a luta contra o trabalho escravo, a demarcação das terras e a defesa dos direitos indígenas, além da luta pela redução do conflito fundiário, foram suplantadas no interior de instituições governamentais. Segundo relatórios da ONG Global Witness, o Brasil é o país mais perigoso da região latino- americana para a vida de ativistas que atuam na defesa dos Direitos Humanos e do meio ambiente.
  6. Em vista da crise política em que se encontra o país, os abaixo assinados propomos:

– Solicitar à Comissão Europeia que interrompa imediatamente as negociações em curso relativas ao tratado comercial com o MERCOSUL.

– Pleiteamos à Comissão Europeia que elabore uma avaliação do impacto sobre os direitos humanos das relações de comércio e investimento existentes entre a União Européia e os países do MERCOSUL, na linha das recomendações do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e de numerosos relatores especiais de Nações Unidas que alertaram, em reiteradas ocasiões, aos Estados que as políticas de comércio e investimento incumprem ou fazem incumprir as obrigações em matéria de direitos humanos.

– Fazemos um chamado para que a Comissão Europeia exija das autoridades brasileiras a continuidade das investigações relacionadas aos atos de violência e violação dos Direitos Humanos, incluindo os que se cometerem contra camponeses sem terra, indígenas, quilombolas ou assentados, com a devida diligência, a fim de identificar e sancionar as pessoas responsáveis e, assim, combater a impunidade e evitar a repetição de fatos semelhantes.

– Dessa forma, demandamos que a Comissão Europeia solicite ao Estado brasileiro atenção às causas estruturais relacionadas aos conflitos vinculados à luta por reforma agrária.

– A União Europeia deve instar o Estado brasileiro a elaborar e a implementar medidas imediatas e duradouras para dar uma solução a este grave problema, aplicando os padrões internacionais sobre deslocamento interno.

– Neste sentido, a Comissão Europeia deve recordar ao Brasil que o país tem a obrigação de adotar medidas para prevenir o deslocamento, proteger e brindar assistência às pessoas desalojadas durante seu deslocamento, prestar e facilitar assistência humanitária e facilitar soluções duradouras no marco normativo baseado nos Princípios Reitores dos Deslocamentos Internos.

– Solicitamos à União Européia que realize reuniões nos Estados de Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul com os atores da sociedade civil que defendem aos Direitos Humanos, tais como a Comissão Permanente dos Direitos dos Povos Indígenas, os Quilombolas, os Povos e Comunidades Tradicionais, as Populações Afetadas por Grandes Empreendimentos e os Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais afetados pelos conflitos nas áreas rurais.”

 

*Do Brasil de Fato

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