Um olhar para as eleições municipais de 2016

A Secretaria Setorial Nacional Agrária do PT divulga texto de subsídio a candidaturas. O documento foi elaborado pelo Núcleo Agrário e Indígena

A Secretaria Setorial Nacional Agrária do PT divulgou documento que é um subsídio a candidaturas com essa opção. O documento foi elaborado pelo Núcleo Agrário e Indígena constituído no âmbito do PT como estratégia de resistência ao golpe.

Leia abaixo na íntegra: 

Grupo Agrário e Indígena*

As eleições municipais de 2016 apresentam grandes desafios para o Partido dos Trabalhadores. O contexto político adverso que ganhou força nos últimos anos, com a crescente perseguição e criminalização dos movimentos sociais, do PT e da esquerda de um modo geral, atingiu este ano um patamar sem precedentes neste que é o maior ciclo democrático vivido na história deste país: a interrupção ilegítima do mandato popular de uma presidenta da república eleita nas urnas não apenas pelos 54,5 milhões de eleitores que nela votaram, mas por mais de 115 milhões de cidadãos brasileiros que foram as urnas em outubro de 2014 para escolher democraticamente o projeto político que melhor representa os anseios da sociedade brasileira.

No entanto, a crise política que culminou no golpe contra a presidenta Dilma em 2016 teve início antes mesmo do término das eleições de 2014, quando ainda no primeiro turno foi eleito o Congresso Nacional mais conservador dos últimos 50 anos. Como consequência, o mandato recém reeleito da presidenta sofre a primeira derrota no Congresso já no início do seu segundo mês de exercício, com a eleição de Eduardo Cunha para presidente da Câmara dos Deputados. Uma derrota que veio a pavimentar o caminho para o golpe parlamentar, jurídico e midiático que hoje solapa a vontade popular expressa nas urnas.

Este cenário expõe a fragilidade da estratégia eleitoral do campo progressista e das forças políticas que defendem os interesses da classe trabalhadora na disputa pela representação parlamentar. De acordo com o DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, as bancadas de deputados federais ligadas à bandeira sindical e aos movimentos sociais sofreram uma redução de 50% em número de parlamentares[2]. Da mesma forma, as mulheres, que representam mais de 50% da população, ocupam menos de 10% das cadeiras no parlamento, e se veem ameaçadas com os processos misóginos que perpassam e estruturam o golpe contra a primeira mulher eleita para a presidência da república no Brasil.

Presença da classe trabalhadora rural nos espaços legislativos

Esta fragilidade é ainda mais profunda no que se refere aos trabalhadores e trabalhadoras rurais. Na arena política nacional, a representatividade do rural brasileiro se concentra nos setores que representam os interesses dos grandes latifundiários e empresários do agronegócio, em detrimento da imensa maioria da população rural do campo e das florestas, formada pela agricultura familiar, os acampados/as e assentados/as da reforma agrária, as mulheres e jovens rurais, os assalariados/as do campo e os povos e comunidades tradicionais – ainda que seja importante observar que, nas câmaras municipais, as lideranças rurais da agricultura familiar e da reforma agrária transitem com maior reconhecimento entre seus semelhantes.

Diante deste cenário e da proximidade das eleições municipais deste ano, é importante refletir sobre alguns dos aspectos que demarcam estas fragilidades. São questão cruciais para as disputas que se avizinham porque são espaços que possibilitam maior interação entre candidaturas e eleitorado.

*Grupo criado no âmbito da Resistência do PT que envolve servidores exonerados pelo governo golpista oriundos do MDA, INCRA, FUNAI, SDH.

A Ruralidade no Brasil

Quando se fala no rural brasileiro, é necessário entender melhor sua configuração. De acordo com o censo realizado em 2010, apenas 16% da população brasileira vive na zona rural. Porém, segundo um estudo realizado pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério do Planejamento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), publicado em 2015, o rural brasileiro representa 36% da população, 89% do número de municípios e 90% da área geográfica do país[3].

O que demarca essas diferentes percepções é a leitura do rural enquanto forma territorial de vida social, abrangendo as dinâmicas dos espaços locais. Se considerarmos que a maioria dos municípios brasileiros possuem menos de 20 mil habitantes, e que a economia destes locais gira em torno das atividades rurais agrícolas e não agrícolas, a leitura fria dos dados da população segundo o local de moradia, não representa o verdadeiro tamanho do rural.

Tradicionalmente, o contexto político brasileiro tem enorme dificuldade em abordar as demandas advindas da vida no campo. Esta condição reflete as facilidades organizativas e de comunicação que concedem à população urbana larga vantagem na expressão de suas necessidades e na manifestação de lideranças. A realidade dos homens e mulheres da agricultura familiar, dos povos e comunidades tradicionais e da reforma agrária se depara com um conjunto de dificuldades que, sobrepostas, se tornam um obstáculo a uma abordagem global de suas especificidades culturais e territoriais. Soma-se a isso o fato de ainda ser forte a visão do rural como o lugar do atraso, em contraponto às cidades como expressão do progresso.

Organização político-partidária

Esta realidade se reproduz também na organização partidária. O modelo organizativo dos partidos políticos ainda favorece os setores mais organizados e melhores conectados em um mundo que mescla a realidade dos espaços públicos físicos e virtuais. As lideranças do rural que se destacam neste cenário são aquelas que conseguem manter uma posição diferenciada nesses espaços ou travar verdadeiras batalhas para superar um acesso limitado a estes recursos.

Em que pese termos galgado avanços no conjunto das políticas públicas para a agricultura familiar, sobretudo nos aportes estruturantes, técnicos e políticos para a produção de alimentos saudáveis[4] e termos demarcado a efetividade das políticas de desenvolvimento territorial, as estruturas partidárias do campo progressista permanecem frágeis no diálogo com a população rural.

É preciso reconhecer que mesmo com grandes esforços realizados por esse campo progressista da política brasileira, a histórica desigualdade econômica e política que favorece as oligarquias rurais no Brasil ainda é um obstáculo para o enfrentamento de uma estrutura fundiária secular, concentradora e injusta, que mantém as relações sociais e políticas opressoras com os camponeses e povos e comunidades tradicionais brasileiros.

Neste contexto, a descentralização política proposta pelo pacto federativo muitas vezes dá lugar a um processo desestruturado de ”prefeiturização”, onde uma apropriação personalista das políticas públicas pelos governantes locais inibe a percepção da comunidade sobre o caráter público destes instrumentos e a presença do Estado brasileiro nestas ações.

Neste sentido, no âmbito da organização partidária, é preciso fomentar debates que avancem na leitura da realidade local dos municípios brasileiros, com foco na percepção das especificidades culturais, sociais, territoriais e econômicas dos sujeitos diversificados do campo, bem como do significado da presença do estado e das políticas públicas em suas vidas. Um debate que busque reconectar o partido e nossos candidatos à nossa histórica base social no campo e nas florestas, evidenciando a importância de ocupar os espaços de representação política nos poderes legislativo e executivo para disputar a aplicação dos instrumentos e recursos públicos na implementação e gestão das políticas públicas e na conquista e ampliação dos direitos socais da classe trabalhadora.

A missão do militante petista, e assim dos mandatos petistas, é fazer o debate e a luta ideológica em cada tarefa realizada e assim fortalecer a identidade da classe trabalhadora na prática cotidiana, reafirmando a prática como critério da verdade.

Papel das eleições municipais para o projeto político do Partido

O projeto político que defendemos depende da institucionalidade e da luta social, e a tentativa de “impedimento” da Presidenta Dilma representa, na verdade, o esforço de impedimento desse projeto. Portanto, mais do que nunca qualificar nossas candidaturas é essencial tanto para garantir os direitos conquistados como para o necessário repensar permanente do nosso projeto.

As eleições municipais guardam em si maior proximidade entre candidatos e eleitorado. É no local onde as relações sociais se constroem, é onde a população se identifica com as propostas e com os postulantes. No entanto, os resultados das urnas raramente conseguem refletir a diversidade do campo, reforçando uma classe política centrada no poder econômico. Somente um enfrentamento desta realidade pelas lideranças socais do PT em uma conexão mais profunda com suas bases no partido e nos movimentos sociais pode dar sustentação à sua capilaridade e interiorização. Para tanto, é fundamental recuperar os instrumentos e propostas de organização participativa tanto da estrutura partidária como dos mandatos e gestões conquistadas nas urnas.

A defesa do projeto democrático e popular no campo

As conquistas realizadas nos últimos 13 anos prioritariamente pelas lutas dos movimentos sociais do campo, das florestas e das águas nos governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, foram importantes e significativas e trouxeram melhorias na vida da população rural. Nos governos petistas muito foi feito para impulsionar o desenvolvimento da agricultura familiar, muitas políticas públicas estruturantes foram implementadas, criando instrumentos de grande impacto para impulsionar o desenvolvimento e a melhoria de vida de todos os segmentos da agricultura familiar brasileira, a exemplo do PAA e do PNAE, onde o interesse social é incorporado como critério prioritário nos programas de compras governamentais.

As candidaturas rurais de prefeitos e vereadores do PT devem incorporar como pauta prioritária informar e orientar a sua base política a respeito destas conquistas. A começar pelas diretrizes da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais estabelecidas pela Lei 11.326 de 2006, de como acessar as políticas públicas desenvolvidas para sua melhoria de vida. Na realidade do campo, muitas famílias deixam de se beneficiar das políticas públicas a que têm direito por falta de informações ou dificuldade de acesso, como por exemplo a distância dos cartórios para regularização documental ou a falta de conexão com a internet nas comunidades para preenchimentos de documentos disponíveis online.

Em suma, os nossos mandatos legislativos e executivos precisam assumir como tarefa subsidiar a formação e informação de todos os segmentos da agricultura familiar, para o acesso as políticas públicas que foram desenvolvidas nos governos democráticos e populares do nosso campo.

Acima de tudo, os mandatos petistas rurais devem tratar as pautas de formação do povo do campo, das florestas e das águas de forma politizada e emancipatória, para que as transformações no mundo rural brasileiro possam se dar na sua estrutura social e não apenas no acesso a bens de consumo.

Consonante com os princípios partidários, a participação social precisa voltar a ser a essência do modo petista de governar e legislar através, inclusive, do resgate e da construção nos municípios, da Política Nacional de Participação Social (PNPS). Instituir reuniões comunitárias permanentes, fóruns, audiências públicas, espaços abertos de avaliação e proposição de agendas e monitoramento dos mandatos, fortalecer os conselhos municipais, fomentar a realização de conferencias e fortalecer os movimentos e organizações devem ser método permanente. Orientar nossas lideranças e núcleos partidários rurais a buscar a interação com as Escolas Famílias Agrícolas e Escolas Técnicas Agrícolas, buscando a inserção dos jovens rurais nos mandatos do legislativo e executivo, construindo a formação de uma cultura de educação política na sociedade rural de cada local. Em resumo, o partido precisa adotar uma linha de ação concreta para fortalecer e instrumentalizar a construção de candidaturas através de processos participativos, em sintonia com os espaços de participação já existentes e comprometidas com a construção e consolidação dos novos espaços de participação.

Pautas propostas para o fortalecimento das candidaturas petistas no meio rural

Do ponto de vista estratégico e programático, apresenta-se a seguir um conjunto de questões importantes para serem debatidas e aprofundadas nas disputas eleitorais nos municípios:

Estratégia Política e Eleitoral

  • Definir uma estratégia de atuação territorial do Partido nas eleições municipais para fortalecer as candidaturas em cada um dos municípios que compõem determinado território rural, estabelecendo uma pauta mínima para as propostas de interesse do público rural a serem defendidas por candidatos ao legislativo e executivo municipais.
  • Ampliar espaços de diálogos políticos nos territórios rurais envolvendo os movimentos sociais representativos das cidades e do campo nesses ambientes rurais.
  • Discutir programas de governo para as gestões municipais, considerando as potencialidades do território rural, a cooperação entre os municípios e a integração entre campo e cidade.
  • Discutir plataformas para ação legislativa com os públicos da agricultura familiar, visando assumir compromissos partidários pela superação da sub-representação.
  • Aprofundar os debates sobre os desafios do pacto federativo e as atribuições, responsabilidades e limites da esfera municipal e sua relação com os demais níveis da federação.
  • Apresentar propostas que visem ampliar a participação do público rural nas instâncias políticas do PT, bem como nas câmaras legislativas e nas prefeituras.
  • Abordar a questão do financiamento das campanhas, em particular o fim do financiamento empresarial e as implicações na estratégia eleitoral, além do novo calendário eleitoral.
  • Associar a construção das políticas públicas para a agricultura familiar ao projeto político do PT, evidenciando as formas de acesso e as mudanças nas vidas das pessoas beneficiadas[5].

Pauta Programática

  • Orientação para a obtenção de DAP de pessoas físicas e jurídicas. A universalização da DAP não é um fato, os futuros mandatos petistas podem ter como pauta a universalização da DAP nas suas áreas de atuação.
  • Controle Social e gestão participativa das políticas governamentais – propor monitoramento e democratização das políticas e recursos repassados aos municípios pelo governo federal[6].
  • PAA e PNAE na pauta dos mandatos rurais de vereadores/as do PT – batalhar junto à administração pública municipal para garantir, via PNAE, que 30% das compras públicas para merenda escolar sejam oriundas da produção da agricultura familiar, assim como lutar por recursos do PAA para o município.
  • Apoio para organização de cooperativas e associações da agricultura familiar e povos e comunidades tradicionais – orientação para a obtenção do SIPAF; Promover o acesso aos Planos Territoriais de Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS) como instrumento de consulta.
  • Informar os agricultores familiares sobre os procedimentos com relação a proteção de seus conhecimentos tradicionais associados a produção agroflorestal familiar.
  • Promover o debate e fomentar a formação e capacitação dos agricultores familiares em relação ao significado, importância e os benefícios da transição agroecológica, do controle e soberania sobre o patrimônio genético das sementes e dos perigos do uso desenfreado de agrotóxicos e transgênicos.
  • Orientação para a realização do Cadastro Ambiental Rural, para que as posses e propriedades da agricultura familiar estejam ambientalmente adequadas ao Novo Código Florestal.
  • Promover o debate sobre as políticas e instrumentos de democratização do acesso à terra e reorganização fundiária nos municípios e territórios rurais de atuação, como o Programa Nacional de Reforma Agrária, o Programa Nacional de Crédito Fundiário e o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural.

Promover debates e apoiar a organização de jovens, mulheres e povos e comunidades tradicionais, fortalecendo a visibilidade e a construção de políticas locais para estes segmentos na maioria das vezes excluídos das políticas publicas em âmbito local.

Para concluir, é indispensável atuar incisivamente no enfrentamento às pautas conservadoras recolocadas na atual conjuntura política do país. É importante continuar denunciando todos os retrocessos engendrados pela associação de segmentos golpistas presentes nos três poderes, e defender o legado dos governos democráticos e populares do PT na luta por um campo livre de todo tipo de opressão, do trabalho escravo à homofobia, o machismo e a violência de gênero.

“Digamos juntos, de coração: Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que o trabalho dá”, Papa Francisco

#ForaTemer, nenhum direito a menos.

[1] Texto debatido no Grupo Agrário, elaborado por Célia Watanabe, Samuel Carvalho, Severine Macedo, Adriana Margutti, Humberto Oliveira e Paulo Maldos.

[2] Sobre essa questão, vide “Com bancada sindical reduzida, trabalhadores temem retrocesso” In: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2015-01/com-bancada-sindical-reduzida-no-congresso-trabalhadores-temem-retrocesso.

[3] Sobre essa questão, vide “População rural do Brasil é maior que a apurada pelo IBGE, diz pesquisa” In: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-03/pesquisa-diz-que-populacao-rural-do-brasil-e-maior-que-apurada-pelo-ibge.

[4]   Essa condição permitiu que o relatório da FAO publicado em 2014, retirasse o Brasil da condição humilhante de compor Mapa da Fome.

[5] É importante destacar que esta é uma questão determinante para o conjunto de ações relacionadas à pauta programática e ao acesso das comunidades à recursos e políticas públicas desenvolvidas ao longo dos governos Lula e Dilma. Neste sentido, implica a compreensão do contexto e histórico de criação e desenvolvimento destas políticas, tais como o PNHR – Programa Nacional de Habitação Rural (Minha Casa Minha Vida Rural), o programa Luz para Todos, o Programa de Cisternas / Água para Todos, Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, além da PNATER, PNAPO, Pronaf, Mais Gestão, Mais Alimentos, PAA, PNAE entre tantos outros.

[6] Um exemplo neste sentido pode são as máquinas do PAC2-MDA. Estas máquinas foram destinadas aos pequenos municípios, via PAC 2 pelo antigo MDA, com o objetivo da conservação das estradas vicinais, importantes para o escoamento da produção e para a segurança do tráfego nos pequenos municípios. Neste caso, o mandato pode propor o acesso das comunidades rurais a estas máquinas, para realizar benfeitorias em áreas de comunidades rurais e projetos de assentamento de reforma agrária e concerto e manutenção das estradas vicinais do município.

PT Cast