Bolsonaro dinamita exportações contra “Mercosul ideológico”

Escorregão diplomático de Paulo Guedes acende a luz vermelha no maior parceiro do Brasil na América Latina

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Mercosul e a Argentina não serão prioridade para o Brasil no governo Bolsonaro

O Mercosul e a Argentina não serão prioridade para o Brasil no governo Bolsonaro. A orientação foi revelada pelo economista Paulo Guedes ao jornal argentino Clarín e causa preocupação não só entre os países integrantes do bloco, mas nos representantes da indústria nacional.

Guedes, praticamente sacramentado como ministro da Fazenda do futuro governo do capitão, precisou pedir desculpas pela declaração. Mas o estrago já estava feito — e corroborado por outras sinalizações feitas por Bolsonaro e sua hoste no campo da política externa.

O futuro governo não vê vantagem na união alfandegária assegurada pelo Mercosul (integrado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai —com Bolívia em processo de adesão e Venezuela suspensa), preferindo uma zona de livre comércio para poder “comerciar com todo mundo”, sem levar em conta que a integração sul-americana estimula os parceiros a comprarem mais do Brasil.

“Sócio ameaça”

“O sócio agora é uma ameaça”, reagiu o jornal argentino Página 12, para quem a animosidade de Bolsonaro e sua hoste à Argentina seria fruto de uma “antipatia” pelo país vizinho e pelo Mercosul, mas também expressão de um plano de “feroz abertura” comercial que não interessa nem aos argentinos nem à indústria brasileira e muito menos aos trabalhadores do Brasil.

O diário argentino ressalta que “no plano mais estrutural”, a política de Bolsonaro vai se basear em privatizações na precarização das condições de trabalho o Brasil para garantir “mão de obra muito barata e extremamente domesticada” para tentar atrair investimentos. Isso pressionaria a Argentina a adotar medidas semelhantes para competir na lógica da “nivelação por baixo” em termos de condições de trabalho e salários.

O Página12 cita o economista brasileiro Eduardo Crespo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para quem “a ideia de Guedes é bajar a intensidade da relação com a Argentina e alinhar-se aos Estados Unidos” o professor não descarta a tentativa de ressuscitar a ideia já derrotada da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).

“Argentina não é prioridade”

No último domingo (28), logo após a confirmação da vitória de Bolsonaro no segundo turno, Paulo Guedes foi indagado em entrevista coletiva pela enviada especial do Clarín, Eleonora Gosmann, sobre o futuro das relações do Brasil com o Mercosul.

Acusando o bloco de ser “ideológico”, Guedes tentava contornar o tema e ante a insistência da repórter, disparou: “Não, a Argentina não é prioridade. O Mercosul também não é prioridade. É isso o que a senhora queria ouvir? Conheço esse estilo. A Argentina não é prioridade. Para nós, a prioridade é negociar com o mundo todo”.

Após cair em si, Guedes se desculpou, nesta terça-feira (30), e botou a culpa do escorregão diplomático na jornalista Argentina, que o teria deixado “sufocado” (veja abaixo os links para as matérias do Clarín).

Parceiro de qualidade

Os parceiros do Mercosul, somados, representaram mais de US$ 292 bilhões em volume de exportações brasileiras, no período de 2007 a 2015. No período 2017/2018, o Brasil exportou um total de US$ 42,7 bilhões para os países do bloco.

Para se ter uma base de comparação, no mesmo período o maior importador de produtos brasileiros, a China (que compra soja, aço e óleo cru), principalmente, respondeu por US$ 311,9 bilhões das exportações do País. Os Estados Unidos (basicamente, importadores de petróleo bruto), compraram US$ 299,9 bilhões.

Mas, mais importante do que os valores vendidos ao Mercosul é a qualidade dessas exportações, onde predomina a produção industrial do setor automotivo e tratores.

Ou seja, a demanda do Mercosul contribui para a geração de empregos mais qualificados, formais e com melhor remuneração aqui no Brasil.

Números não explicam

O deslocamento do foco das relações diplomáticas e comerciais do Brasil na América Latina, privilegiando o Chile em detrimento da Argentina, não se explica pelos números registrados na balança comercial.

A Argentina é o terceiro maior importador de produtos brasileiros, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.

Entre 2003 e 2015, as vendas para o Chile, sétimo colocado entre os importadores de produtos brasileiros, somaram US$ 51 bilhões. No mesmo período, as exportações do Brasil para a Argentina totalizaram US$ 184,3 bilhões, volume 3,6 vezes maior.

No período 2017/2018, a Argentina importou um volume equivalente a US$ 29,89 bilhões, enquanto as compras feitas pelo Chile representaram US$ 9,67 bilhões, ou cerca de um terço.

Visitas

Outro ponto que está sendo tomado como sinalização de um esfriamento das relações do Brasil com a Argentina foi o anúncio da equipe de Bolsonaro sobre as primeiras viagens internacionais que ele faria, com a escolha de Chile, Estados Unidos e Israel.

Esse anúncio foi um dos temas da reunião desta terça-feira (30) do presidente argentino Maurício Macri com seu ministério.

Falando à imprensa, o chanceler argentino, Jorge Faure, tentou minimizar o desdém de Bolsonaro expresso nas declarações de Guedes e nas prioridades de sua agenda internacional. “São apenas manchetes de jornal”, disse ele ao Clarín, mas “os movimentos da próxima administração do Brasil causaram perplexidade na Casa Rosada”.

Nostalgia de Pinochet

Uma explicação para a preferência manifestada por Bolsonaro e sua hoste pelo Chile pode não ter nada a ver com o Chile real—uma democracia onde vale a Constituição, atualmente sob governo conservador.

Por várias vezes, o capitão/presidente já manifestou sua admiração pelo passado sombrio daquele país, os 17 anos da ditadura de Augusto Pinochet, responsável por pelo menos 40 mil assassinatos. Essa, sim, é uma escolha ideológica — além de nostálgica e descambando para o fetichismo.

Interlocutores próximos

Além disso, Jair Bolsonaro conta com entusiasmados interlocutores na extrema-direita chilena, como a presidenta do partido União Democrata Independente (UDI), Jacqueline van Rysselberghe, ligada à seita católica fundamentalista Opus Dei, e o ex-deputado José Antonio Kast, dissidente da UDI e hoje independente.

Tanto Rysselberghe quanto Kast fizeram questão de visitar Bolsonaro no Rio de Janeiro, em meados de outubro — os encontros foram realizados com menos de 24 horas de intervalo, nos dias 17 (com Rysselberghe) e 18 (com Kast).

O ex-deputado Kast representou a extrema-direita na última eleição presidencial no Chile.

Os temas dos encontros de Bolsonaro com Rysselberghe e Kast , informa o jornal chileno La Tercera, foram “a estratégia digital da campanha de Bolsonaro, suas propostas econômicas e as coincidências com o modelo de desenvolvimento chileno”.

Por PT no Senado

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