Bruno Elias: Reforma Política – prioridade em 2015

A reforma política foi um dos principais compromissos do programa que reelegeu Dilma Rousseff presidenta. Democratizar o poder, ampliar a participação popular e enfrentar o domínio do poder econômico sobre…

A reforma política foi um dos principais compromissos do programa que reelegeu Dilma Rousseff presidenta. Democratizar o poder, ampliar a participação popular e enfrentar o domínio do poder econômico sobre o sistema político são tarefas fundamentais para um segundo mandato superior, voltado para as reformas democráticas e populares.

Desde as manifestações de junho de 2013, quando a presidenta Dilma propôs uma Constituinte Exclusiva para a reforma política, a disputa sobre os rumos e o conteúdo destas mudanças foi retomada com novo vigor.

Ao longo de toda a campanha eleitoral, a candidata do PT defendeu a reforma política como parte do enfrentamento à corrupção e a realização de um plebiscito tratando das principais mudanças a serem realizadas no sistema político.

Ao mesmo tempo, a sociedade rompeu o cerco que limitava as discussões sobre a reforma política ao parlamento, à mídia, ao judiciário e aos governos. A realização do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do sistema político, impulsionado por movimentos sociais, partidos de esquerda e organizações populares, mobilizou – a despeito do silêncio dos grandes meios de comunicação – centenas de comitês, milhares de ativistas e o apoio de quase oito milhões de pessoas em todo País.

Congresso conservador: mais dinheiro, menos povo
Embora o campo democrático e popular tenha vencido as eleições presidenciais, prevaleceu no resultado eleitoral da maioria dos estados e do Congresso Nacional o poder econômico, a redução da representação dos setores populares e a ampliação das bancadas conservadoras.

Com um custo estimado em quase R$ 5 bilhões, as eleições de 2014 foram as mais caras da nossa história, de acordo com levantamento do jornal “Folha de S. Paulo”, feito com base nas prestações de contas enviadas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

As empresas foram responsáveis pela maior parte deste financiamento. Nas eleições da Câmara dos Deputados, por exemplo, um pequeno número de corporações que foram as maiores financiadoras – como a JBS, o Bradesco, o grupo Vale, o Itaú, a OAS, a Ambev, a Andrade Gutierrez, a Odebrecth, a UTC Engenharia e a Queiroz Galvão – fizeram doações para 70% dos deputados eleitos em 2014.

Outra marca das eleições e do próximo Congresso é a acentuada pulverização partidária, com a representação na Câmara dos Deputados passando de 22 para 28 partidos. A permissividade com as coligações nas eleições proporcionais, possibilitando alianças sem coerência ideológica e programática, acentuaram esta dispersão e a distorção entre os candidatos e partidos escolhidos pela população e os que de fato são eleitos.

A combinação de vários desses fatores resultou, de acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), na eleição do Congresso Nacional mais conservador desde a redemocratização.

Por um lado, aumentou o número de deputados eleitos ligados aos ruralistas (257), aos empresários (190), aos militares/policiais (55) e à bancada evangélica (52). De outro, caiu o número de parlamentares ligados aos trabalhadores e aos temas sociais. Apenas na Câmara, a bancada sindical deve cair de 83 para 46 deputados. Partidos de esquerda também tiveram suas bancadas reduzidas em relação à 2010, como a do PT, que caiu de 88 para 70 deputados e a do PCdoB, que passou de 15 para 10 parlamentares.

Além disso, persiste a sub-representação das maiorias populares. Passados 80 anos desde a eleição da primeira mulher ao cargo de deputada federal no Brasil e com as mulheres correspondendo a mais da metade da população brasileira, a bancada de deputadas cresceu apenas 10% em relação a 2010, passando de 46 para 51 deputadas (9,9%). No Senado, dos 27 eleitos, somente cinco são mulheres, totalizando 11 senadoras (13,6%). Para o Executivo, Dilma foi reeleita presidenta, mas apenas o estado de Roraima elegeu uma mulher governadora.

Esta desigualdade também é percebida em relação à presença de negros, índios e jovens nos espaços de representação política. De acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50,7% da população brasileira se declara preta ou parda, mas apenas 20% dos deputados eleitos (103) para a legislatura que se inicia em 2015 se autodeclarou da mesma forma.

Além disso, dos 513 deputados eleitos, nenhum se declarou como índio ou amarelo. No caso da juventude, embora represente 26% da população, foram eleitos apenas 23 deputados com idade até 29 anos, correspondendo a 4,5% da Câmara dos Deputados.

Contribui ainda para esta composição conservadora o papel jogado pelos grandes meios de comunicação. A manipulação do poder econômico sobre a mídia e o sistema político, o controle de políticos sobre concessões públicas de rádios e tevês, a falta de lisura de institutos de pesquisa eleitoral a estes meios associados e a própria criminalização cotidiana da ação política são apenas algumas das evidências de que a reforma política deve caminhar lado a lado com a necessária luta por uma lei da mídia democrática.

As propostas em curso
Dada a centralidade da pauta, existem hoje várias ações, campanhas e propostas que tratam da reforma política na sociedade, no Congresso Nacional e no poder judiciário.

Em relação ao Plebiscito da Constituinte, a campanha entrou em uma nova fase após a coleta de votos em setembro de 2014. Dois projetos de decreto-legislativo tramitam na Câmara dos Deputados (PDC 1508/14) e no Senado Federal (PDS 150/14), prevendo a convocação de um plebiscito oficial com a mesma pergunta do plebiscito popular: “Você é a favor de uma Constituinte Exclusiva e Soberana sobre o sistema político?”.

Com a maioria do Congresso Nacional se opondo à realização de uma reforma política popular, a luta pela constituinte seguirá como prioridade na pauta da esquerda e dos movimentos sociais, que realizarão uma grande jornada de lutas no primeiro semestre de 2015 e a reativarão os comitês populares em todo o país.

O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, impulsiona desde os seus últimos congressos um projeto de lei de iniciativa popular a partir de quatro pontos prioritários: 1) financiamento público exclusivo de campanhas; 2) voto em lista pré-ordenada; 3) paridade de gênero e 4) convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre a Reforma Política. A coleta de assinaturas para o projeto foi retomada em 2014 e a mobilização partidária tende a ganhar novo impulso nos próximos meses com a realização da segunda etapa do 5º Congresso do PT.

Outra articulação de entidades, como a CNBB, a OAB e a Plataforma dos Movimentos Sociais, lançou a Coalizão democrática para a reforma política e eleições limpas. A iniciativa também articula a coleta de assinaturas de um PL de iniciativa popular que contempla pontos como 1) a proibição do financiamento empresarial de campanha e doações limitadas por pessoas físicas; 2) eleições proporcionais em dois turnos (no 1º turno vota no partido e no 2º turno vota no candidato); 3) a paridade de gênero; 4) o fortalecimento dos mecanismos da democracia direta. Entretanto, existem pontos negativos na proposta, como as que permitem certa judicialização e interferência na autonomia e organização dos partidos políticos.

No Congresso Nacional, tramita ainda a Proposta de Emenda Constitucional 352/13, elaborada por um Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados, que é fundamentalmente uma contra-reforma política. A PEC Vaccarezza/Henrique Alves inclui na Constituição Federal diversas alterações conservadoras, como o voto facultativo, o fim da reeleição para cargos no Executivo, a coincidência das eleições em todos os níveis, uma modalidade de voto distrital e a constitucionalização do financiamento privado.

Ao mesmo tempo, a proibição do financiamento empresarial de campanha está sendo julgada pelo Supremo Tribunal Federal. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4650 já recebeu o voto de 7 dos 11 ministros do STF, sendo que a maioria da corte já votou pela proibição das doações empresariais a candidatos e partidos. Atualmente, a votação está suspensa por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes que dura quase um ano, motivo pelo qual foi lançada nas redes sociais a campanha #DevolveGilmar, cobrando a conclusão do voto e a consolidação do resultado.

Frente Popular pelas mudanças do sistema político
Diante dessa correlação de forças no parlamento e das propostas em curso, o campo democrático e popular precisará ampliar o enfrentamento aos setores conservadores e a capacidade de luta por mudanças estruturais como a reforma política, que tenham no diálogo com a sociedade e na mobilização popular eixos fundamentais de uma governabilidade de novo tipo.

Para tanto, são fundamentais as iniciativas de constituição de uma ampla frente política de movimentos sociais, partidos, centrais sindicais, juventudes e intelectuais, como têm defendido o PT, a CUT e outras organizações. A construção de uma frente ou um fórum nacional de lutas, que reúna o grande movimento político e social que venceu as eleições de outubro poderá ser decisiva para articular uma ação comum em relação à reforma política e outras reformas democráticas e populares.

Um primeiro ponto de unidade é cerrar fileiras contra a reforma política que não queremos, em particular a PEC 352/13, que aprofunda os problemas do sistema político atual. O PT e sua bancada já fecharam posição contrária ao projeto, mas é preciso que sigamos vigilantes contra iniciativas com este conteúdo, como as que admitem o voto distrital e a manutenção do financiamento privado.

Um segundo ponto a ser considerado é a defesa da participação popular na definição dos principais pontos da reforma política. Portanto, não é uma polêmica menor a discussão sobre a realização de um plebiscito ou referendo.

Para garantirmos uma reforma política que dê voz ao povo, a participação das pessoas não pode ser reduzida a concordância ou não com uma proposta do Congresso Nacional.

Nesse sentido, é fundamental que a presidenta Dilma deflagre uma consulta, por meio de um plebiscito oficial, sobre os principais temas da reforma política que foram assumidos pelo programa vitorioso das urnas. Temos o desafio de construir uma ampla unidade sobre o conteúdo da reforma política. A partir das campanhas e iniciativas em curso na sociedade, será preciso priorizar mudanças imediatas, que incidam já nas eleições de 2016, e outras estruturantes de um novo sistema político, para além da alteração das regras eleitorais.

Uma plataforma com este caráter, a ser sustentada por uma ampla frente popular, deveria contemplar a proibição das doações empresariais e o financiamento público de campanha, o fim das coligações nas eleições proporcionais, a votação em listas partidárias, a paridade de gênero e a simplificação dos canais de participação popular, num processo que acumule forças em torno da convocação de uma Assembléia Constituinte.

A direita, como sempre, não nos faltará e seguirá atacando em todas as frentes, inclusive nas ruas. Com o poder econômico, a grande mídia e setores do Congresso e do judiciário a serviço do campo conservador, a reforma política deve deixar o campo das boas intenções e ser encarada como uma necessidade democrática. E que só será realidade com ampla mobilização popular.

Bruno Elias, secretário nacional de Movimentos Populares do PT

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