Bruno Roger Ribeiro: A política nos tempos de cólera

Dilemas tácitos da Juventude do PT

  1. Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada

Ultimamente temos enfrentado muitas dificuldades para encontrar símbolos, canções, frases e demais elementos capazes de impulsionar e encantar os espoliados do sistema capitalista: o povo mais pobre e sofrido. Há quem pense que nosso problema neste quesito é apenas de forma, mas a questão fundamental é eminentemente de conteúdo e de política.

Tomados pelas ondas da arrogância, somos levados a pensar que os donos do poder temem algum partido, temem a esquerda, temem um grupo de dirigentes muito brilhantes, um comitê que conduzirá o proletariado até a vitória final, ou mesmo uma grande liderança popular, mas na realidade os donos do poder temem a possibilidade de organização e unidade dos desvalidos, das gentes mais exploradas e oprimidas. Ciente do potencial transformador da unidade política dos “de baixo”, a classe dominante trabalha firmemente em prol da alienação dos oprimidos, a fim de que introjetem e reproduzam a visão de mundo e os valores dos “de cima”.

O PT afirma em seu manifesto de fundação ter nascido da vontade de independência dos trabalhadores e da emancipação das massas populares; se coloca como Partido dos Trabalhadores, não como um partido para iludi-los; e ressalta que a política deve ser atividade própria das massas que desejam participar[1]. O PT é um partido que chegando ao governo colocou em prática seu programa de inversão das prioridades e dessa forma tirou milhões da miséria. Em razão disso e de outros fatores, nos últimos anos e, agora de forma mais acentuada, os petistas estão sendo alvos contumazes de insultos, perseguições e de uma forte campanha que destila ódio.

Se por um prisma tais atitudes significam uma reação da direita brasileira e dos setores mais conservadores, articulados em uma complexa aliança de classes que, por sua vez, envolve desde a grande mídia nacional até o capital financeiro internacional. Por outro, é preciso compreendermos que a fonte da munição apontada diretamente para nós não são meras invencionices como muitos querem que acreditemos, mas equívocos cometidos, e contradições presentes em uma organização que quando oposição, por vezes, se rendeu ao estilo udenista, e quando situação cedeu aos “encantos” do Estado burguês.

2. O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada

Os interesses de tal ofensiva reacionária e conservadora são nítidos e claros: não admitem que a riqueza produzida em nosso país seja canalizada para um projeto de desenvolvimento nacional em beneficio do povo brasileiro; não admitem uma relação fraterna, de parceria e cooperação com povos de outras nações do cone sul; não admitem a possibilidade de que os mais pobres escrevam sua própria história, que se afastem da subalternidade que lhes foi reservada.

Assim, difundem uma idéia de que somos como eles, confundindo, dessa maneira, a população. Alguns petistas de fato cometeram erros, mas não podemos permitir que digam que somos todos corruptos ou ladrões. Há que se fazer diferenciações. Há que se punir aqueles que cometeram desvios éticos e ideológicos. A juventude petista deve ser a primeira a se levantar e defender a expulsão daqueles que enveredaram pelos tortuosos labirintos do jogo do poder.

Não é correto, portanto, que paguemos todos pelos erros de indivíduos que abandonaram princípios, perderam escrúpulos e, acima de tudo, romperam com o projeto histórico do partido. Nenhuma pessoa tem o direito de rasgar e jogar no lixo a historia do maior partido de esquerda e de massas desse país. São muitas vidas dedicadas à construção do PT enquanto instrumento de luta da classe trabalhadora. Há que se respeitar e defender nossa história, no entanto, apontando caminhos de superação das intermináveis e profundas contradições que estão dilacerando a essência petista.

Sendo assim, a juventude petista deve ir além das tramas burocráticas em que estão amarradas suas instâncias, mandando um firme recado aos de fora, que nos atacam, insultam, ofendem, difamam, e aos de dentro, que buscam nos manipular: tenham a certeza de que somos diferentes e não nos renderemos jamais às suas pressões, negociatas e chantagens. Seguiremos adiante na construção de um partido forte, de massas e enraizado na base, pois existe uma nova geração de petistas que não compactua com os descaminhos do partido e se organiza para fazer a disputa de seus rumos estratégicos. Aos que pensam que estão próximos da ruína e destruição do PT, dizemos que não nos rendemos ao sistema capitalista e continuamos firmes na defesa do socialismo, portanto, estejam certos de que perturbaremos seus sonos e suas noites de avareza durante muito tempo.

3. E é tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda d errada

O III Congresso Nacional da JPT será decisivo e divisor de águas para toda uma geração de petistas. Ou seremos capazes de fazer uma inflexão à esquerda apontando saídas para a superação dessa crise que nos atinge, ou seremos a geração responsável pela decretação do triste e melancólico fim do PT enquanto projeto político, enquanto déia. Não podemos permitir que esse congresso seja apenas mais uma agenda da torpe burocracia partidária, que reafirme o domínio de uma casta substancialmente oligárquica de dirigentes velhos e envelhecidos completamente descolados da vida real. É nossa tarefa fazer deste fórum, um espaço de debates, acúmulo político e disputa dos rumos do partido. Não há possibilidade, quanto menos espaço para um pacto entre gerações, pois se o PT está em disputa, trata-se de uma disputa, antes de tudo, geracional. Ou fazemos a ruptura necessária ou não haverá transição nem tampouco renovação partidária real.

A situação colocada é de muitas incertezas e profundas turbulências. Neste sentido, algumas tarefas se fazem necessárias caso queiramos reacender a chama revolucionária que impulsiona o espírito de muitos militantes verdadeiramente comprometidos com um projeto de transformação da sociedade.

Precisamos, em primeira instância, abolir o pessimismo que assombra as fileiras do nosso partido e também de outras organizações de esquerda. Em muitos casos, lançamos mão da ciência e de um vasto acumulo teórico para explicarmos e fundamentarmos uma postura de resignação e acomodação. Usamos frases do tipo: não há condições objetivas; a situação não está suficientemente madura; não há consciência de classe suficiente em nosso país, pois a grande mídia converte o pensamento dos mais pobres e manipula suas escolhas. Assim, precisamos urgentemente recuperar a ilusão e a utopia revolucionária como meio de superação do pessimismo.

Não precisamos relembrar Gramsci para dizermos que um partido político de esquerda deve ser uma maquina de pensar e produzir déias para alimentar a disputa da hegemonia cultural. Não construímos o PT apenas para participarmos das eleições ou sermos parte de uma coletividade, nossa tarefa é disputar juntos os rumos da história, empurrando as contradições do capitalismo e conquistando mais e mais pessoas para nossas lutas. Talvez um dos principais desvios do PT ao longo de sua história seja precisamente ter se transformado em uma máquina eleitoral que negligenciou a centralidade da disputa da sociedade e do acumulo de forças para a disputa do poder real.

Por outro lado, uma esquerda vocacionada para a disputa da sociedade não pode ser encarada como uma religião, com suas curas, seus rituais, seus símbolos, seu evangelho, suas tradições. Temos que ser menos dogmáticos e entender que nem todas as respostas são encontradas nas páginas dos livros de grandes pensadores. Nem sempre a solução concreta para os problemas concretos está dada, quanto menos todas as dúvidas são sanadas pelos nossos documentos organizativos e boletins de conjuntura. A política sobrevém quando uma déia ganha força material, e uma déia ganha força material quando atinge as massas que, para tanto, exigem a utilização de uma linguagem mais próxima, compreensível.

4. A história se repete, mas a força deixa a história mal contada

Estamos diante de uma situação histórica muito particular, onde há uma forte polarização ideológica colocada no mundo. A crise financeira que eclodiu o sistema capitalista global a partir do estouro das bolhas imobiliárias nos EUA, espraiou-se pela Europa e agora atinge praticamente todos os países do centro e da periferia do capitalismo. Essa crise na economia provoca crises políticas que, por sua vez, exigem saídas audaciosas. Em tais momentos de acirramento da luta de classes e aprofundamento das contradições, faz-se necessário que tenhamos capacidade de identificar aqueles que são os verdadeiros inimigos do povo, a fim de combatê-los. Não insistir solenemente em um processo de aliança de classes que, ao fim e ao cabo, acaba sempre servindo para explorar ainda mais o povo.

Ao longo dos quase treze anos a frente do governo, o PT e os demais partidos da base aliada se dedicaram à construção de consensos sociais baseados na lógica de que todos poderiam ganhar. Banqueiros e bancários, usineiros e cortadores de cana, etc., As medidas que advieram destes consensos permitiram certa mobilidade social e ampliação da capacidade de consumo das camadas mais populares. Pode-se dizer que realizamos um grande processo de inclusão social pela via do consumo que, por ora, possibilita a emergência e o florescimento de um conservadorismo popular. Pode-se dizer também que chegamos ao limite desta política de conciliação, e que as medidas adotadas recentemente sob a cunha do ajuste fiscal fazem parte de um pacote de austeridade nocivo à classe trabalhadora que, como tal, já começa a incidir negativamente na qualidade de vida e nas expectativas das classes médias e dos assalariados.

Aumento do desemprego, queda no consumo, fome, crise de abastecimento e, em última instancia, a perda de direitos sociais, são conseqüências eminentes e em curso. A mera possibilidade, ainda não concretizada, de que as pessoas que haviam superado a pobreza retornem a sua condição de origem, leva a dissolução da avaliação positiva do governo e da presidenta. O potencial para revoltas sociais e desencadeamento de um vertiginoso processo de manifestações é alto, não nos enganemos, a indiferença popular com relação à política cada vez mais se transforma em repúdio, e em toda parte, quando isso ocorreu, veio ancorado pela ascensão da extrema direita e dos pretensos salvadores da pátria.

Como em toda crise, neste momento temos riscos, mas também oportunidades. Ou adiantamos no acirramento das contradições, e impulsionamos um processo mais amplo de transformações, ou seremos obrigados a ceder programaticamente à instabilidade e ao golpismo. Se há polarização é preciso que façamos uma opção. Se de um lado está os trabalhadores e do outro o capital financeiro, qual será mesmo o lado de um partido de esquerda?

Antes de seguirmos qualquer debate, faz-se necessário que tenhamos essa clareza ideológica que, para tanto, é básica e basilar.

5. Se tudo passa…

Há que se buscar a superação do tabuleiro político tradicional, de natureza elitista, inclusive na tradição de esquerda, e profundamente patrimonialista. Não faz sentido ficarmos afirmando que somos mais de esquerda que os outros ou vice-versa. Pois, há sempre aqueles que dominam e aqueles que são dominados, opressores e oprimidos, exploradores e explorados, aqueles que estão em cima e aqueles que estão em baixo.

Assim, pode-se dizer que a disputa política fica mais nítida e mais propensa a uma unidade entre as várias expressões da esquerda, em momentos de polarização, quando fazemos a seguinte separação: aqueles que estão do lado da democracia real e aqueles que estão do lado das elites. Defender a democracia significa defender mais direitos sociais, mais participação popular, mais soberania nacional. Defender os interesses das elites significa defender os interesses dos bancos, do capital internacional e do totalitarismo de mercado.

Tornando as coisas mais objetivas, a mudança será possível se tivermos a capacidade de compormos uma grande e ampla frente popular, envolvendo as diversas organizações de esquerda e setores mais progressistas, mas, para tal, a argamassa precisa ser de propostas claras, sem espaço para vacilações, muito menos defesas acríticas e governistas. Enquanto fugimos de nossa tarefa histórica, os rumos do governo continuam em disputa e os vencedores seguem sendo os mesmos dos últimos quinhentos e poucos anos.

Portanto, não podemos fazer política para reivindicar nossa própria identidade, temos que fazer política para que as pessoas consigam uma vida melhor, com mais dignidade. Precisamos encarar a política como uma espécie de posicionamento moral diante das injustiças e das iniqüidades sociais geradas pelo capitalismo. A maioria está basicamente de acordo que há uma elite minoritária que vive à custa do suor e do trabalho do povo. Sendo assim, fazer política significa empurrar as contradições do inimigo e não reivindicar nossas próprias camisetas. Fazer política é visualizar a possibilidade de vitória. Somos obrigados a cumprir nossas tarefas históricas e impulsionar mais transformações em nosso país, não somos obrigados a ocupar um espaço mais à esquerda de ninguém no velho tabuleiro da política.

6. E me faça esquecer tudo que eu vi

A empatia também se apresenta como um elemento fundamental no processo de reaproximação da sociedade e de construção de uma organização de massas. A tradicional classe política é feia e no mínimo desagradável. Com seus trejeitos, sua linguagem, suas roupas, suas gravatas, seus protocolos, sua pele branca. As pessoas não lhes gostam, não se identificam com seus supostos representantes. Se perguntarmos a maioria das pessoas qual opinião possuem sobre os políticos, de modo geral, dirão que são arrogantes, não escutam e não dialogam.

De outro lado, nós, jovens de esquerda, também vivemos em uma circunstância de gueto. Além disso, somos tristes e chatos. Falamos uma linguagem estranha. Quando estamos reunidos conversamos sobre assuntos próprios de nosso mundo, distantes da realidade concreta das pessoas. Discutimos temas congressuais, burocráticos, estatutários, disputas internas. Distinguimo-nos enquanto trotskistas, maoístas, stalinistas, guevaristas, marxistas-leninistas, coisas que certamente a maioria das pessoas e, especialmente os mais jovens, não compreende. Fica uma sensação de que vivemos em uma bolha que paira sobre os problemas da sociedade. Precisamos conversar mais com as pessoas e nos aproximar da vida prática dos trabalhadores, a fim de compreendermos a realidade e construirmos dialeticamente uma síntese política consubstanciada em um sentimento autenticamente popular.

Já diriam alguns que situações difíceis são situações ideais. Um dos principais problemas de várias organizações de esquerda ao longo da história, diz respeito ao comportamento e as escolhas políticas dos seus dirigentes. Viraram conservadores. Conservadores de esquerda. Defensores intransigentes de seus cargos, seus espaços, seus símbolos, suas linguagens, seus livros, sua tradição, sua bíblia. O que pensamos? Que com nossas déias de sempre, nossos métodos de sempre, nossas canções de sempre, vamos conseguir encantar a nova sociedade brasileira e, especialmente, a nova geração de jovens deste país?

O que podemos dizer é que fazer política nos tempos de cólera da sociedade capitalista exige criatividade, coragem, senso de oportunidade histórica, audácia e a sublime capacidade de desobedecer, transgredir e subverter. Além, é claro, das nossas duas velhas companheiras de guerra: estratégia e tática. Esperamos que nossa geração desperte de seu profundo e acalentado sono, buscando compreender a afabilidade e especificidade do atual momento. E, ao invés de impulsionar uma saída à esquerda, não empurre ainda mais nosso partido e nossos sonhos para um poço de insatisfações, desilusões e desesperança.

A Juventude do PT precisa ser mais petista e mais comprometida com o partido em detrimento de suas tendências internas. É chegada a hora de muitos e muitas se questionarem acerca daquilo que é mais importante: nossa tendência e nossos interesses particulares, ou nosso partido e nosso projeto? Corrijamos nossos vícios antes que seja tarde. Há muitos que dizem que somos incendiários aos 20 anos idade e bombeiros aos 40. O que será que será de uma juventude que cumpre com orgulho, convicção, disciplina e satisfação a tarefa de bombeiro aos 20? Certamente, nossos futuros adversários na luta de classes!

[1] Trechos do manifesto de fundação aprovado pelo Movimento Pró-PT, em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP).

Bruno Roger Ribeiro é militante da JPT

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