Cardozo: Se Dilma for condenada, História deverá pedir desculpas

Advogado de defesa mostra que processo não tem provas de crime de responsabilidade e critica caráter machista do Golpe

Foto Lula Marques/ Agência PT

Depois de cumprimentar a todos no Senado e aos espectadores, o advogado de defesa José Eduardo Cardozo abriu sua fala nesta terça-feira (30) dizendo: “Não é a primeira vez que Dilma Rousseff senta no banco dos réus. Na época da ditadura, Dilma sentou no banco dos réus por três vezes, em SP, Minas e Rio. Qual a acusação que era dirigida aquela jovem? Lutar contra a ditadura. E no que se falava? Do ‘conjunto da obra’. O ‘conjunto da obra’ que justificava a prisão e tortura de militantes políticos”.

“Dilma passou 3 anos presa, teve seus direitos políticos suspensos, foi brutalmente torturada, foi atingida na sua dignidade de Ser Humano. Naquele momento, alguns de seus acusadores, tomado por sentimentalismo, disseram: ‘Nós estamos te prendendo e torturando pelo bem do seu país, estamos pensando nos seus filhos e seus netos”, disse, em uma analogia à frase final do discurso de acusação da advogada Janaína Paschoal, que chegou a pedir desculpas à presidenta Dilma, mas disse estar agindo para o bem de “seus netos”. “Às vezes acontece assim com os acusadores, subitamente têm uma crise de consciência. Mas não conseguem com ela eliminar a injustiça do seu golpe.”

“Hoje Dilma Roussef senta novamente no banco dos réus. Após a consolidação do Estado de Direito, hoje ela não é mais uma menina. É mãe e avó; uma grande mulher eleita Presidenta da República. “Hoje nós sabemos do que ela é acusada, mas daqui há um tempo talvez não lembremos das acusações sobre ela.

“Os pretextos que citarão nos autos, no pó do tempo, ficam hoje as afirmações formais.  Quais são as reais acusações contra Dilma Rousseff? São tão técnicas, tão confusas, que a maior parte da população sequer sabe qual é a acusação”.

Resultado das urnas

“Dilma Rousseff foi eleita em uma eleição legítima. No minuto seguinte que se anunciou o resultado, começou o ataque”, lembrou. “Primeiro falavam que o povo vota mal, que foi por causa do ‘povo comprado pelo bolsa família’ que ela ganhou. Depois falaram que era uma fraude e pediram uma auditoria nas máquinas eleitorais. Depois impugnaram as contas – ainda hoje há uma investigação, como há contra o candidato derrotado – e depois, começou-se a se buscar um fato para o impeachment”.

“No período pós-eleitoral a oposição sozinha não tinha força para promover nada. Mas, passado um tempo, o Procurador da República divulga a lista de pessoas citadas em delações premiadas e começou-se a cobrar da Presidenta que parasse com aquilo. Que, se continuassem as investigações, haveria uma sangria da classe política brasileira”.

Chantagens de Eduardo Cunha

“A encarnação desse primeiro problema tem nome e sobrenome, chama-se Eduardo Cunha. Ele foi eleito presidente da Câmara contra o Planalto, apoiado pela oposição. Tenho certeza que os senhores da oposição já conheciam Eduardo cunha, mas o apoiaram porque sabiam que naquele nome teriam força para derrubar a presidenta”.

“Cunha assume a presidência da câmara e imediatamente inicia o processo de desestabilização do governo Dilma Rousseff”, relembra.  Sobre as tentativas de chantagem feitas pelo então Presidente da Câmara, Cardozo enfatiza que “Dilma encarou Cunha da mesma forma que encarou seus algozes no momento que foi julgada e disse ‘não aceito ameaças, me enfrente'”. E o que aconteceu a seguir é que esse fato se tornou um vértice “dos ressentidos com a derrota de 2014 e os que queriam parar a Operação Lava Jato”.

“Dilma encarou Cunha da mesma forma que encarou seus algozes no momento que foi julgada e disse: ‘não aceito ameaças”

Para Cardozo, é partir daí que o Governo Dilma começa a amargar os seus piores dias. “Era necessário tomar medidas que decorriam da crise internacional e de um conjunto de situações pelas quais vários países passavam. O governo fez o possível para acertar, dentro da mais boa-fé. Mas em 2015, o então Presidente Eduardo Cunha paralisou a Câmara”, deixando de votar medidas necessárias para sair da crise econômica. Para ele, o clímax da situação foi quando o Procurador Geral da república determinou busca na casa de Cunha e ele rompeu com governo. “Cunha mandou um ultimato: Ou a bancada do PT vota para encerrar o processo ou eu abro o impeachment”.

“Cunha mandou um ultimato: Ou a bancada do PT vota para encerrar o processo ou eu abro o impeachment”

“Os denunciadores primeiro entraram com uma denúncia que dizia respeito a 2014 – e o artigo que trata do impeachment diz que o Presidente da República não pode ser acusado de atos anteriores ao seu mandato”, lembrou Cardozo. Ele explicou que os denunciantes retiraram o pedido original e apresentaram um novo, idêntico ao anterior, mas com uma diferença, duas denúncias de 2015. “Esse foi o tempo que Cunha deu para que fosse apresentado o novo pedido”, explica.

“No momento que sai nota do PT falando que não apoiaria o Eduardo Cunha, ele abre o impeachment da Presidenta da República”. E aponta para a falta de lógica do despacho de Cunha: “Ficará para História porque é fantástico. Ele diz que não poderia apreciar os despachos de 2014, porque aquilo não havia sido apreciado pelo Congresso, mas que poderia aprovar os de 2015, que nem haviam sido apreciados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Quer maior prova de desvio de poder e conluio entre as formas políticas que queriam destituir Dilma Rousseff?”, indaga.

Golpe parlamentar e midiático

“Hoje golpes não se fazem mais com tanques ou com armas”, disse, sobre a destituição ilegítima da Presidenta da República”. “Iniciou-se esse processo, criaram-se pretextos jurídicos, da mesma forma que a Ditadura Militar condenou Dilma Rousseff”, explicou, sobre a falta de crime que justificasse o pedido de impeachment. “Pretextos que logo ninguém mais lembrará, que a população não entende, mas sob a justificativa do ‘conjunto da obra’”.

“Os fatos prosseguem. A posteriori surgem provas de que líderes políticos afirmam que Dilma Roussef precisava sair do poder ‘para estancar a sangria na política brasileira’. Isso é público e notório”,  relembra Cardozo, referindo-se ao vazamento de áudios de Romero Jucá (PMDB-RR) e Sérgio Machado.

“Os acusadores de Dilma Roussef vão à tribuna e colocam seu partido (PT) no banco dos réus. Se focam no ‘conjunto da obra’ e parecem ignorar os fatos que são usados na acusação”, afirmou, concluíndo: “São pretextos para retirar uma presidenta que incomoda”.

Caráter machista do Golpe

José Eduardo Cardozo fez uma longa explicação do porque o golpe é machista “Não é justo o que falaram aqui de Dilma Rousseff. Querem condenar, condenem. Mas não enxovalhem a honra de uma mulher digna”, pediu. E fez uma provocação: “Desafio a todos a dizer se um dia receberam uma proposta indecente de Dilma Rousseff. Criaram situações, disseram que tomava remédio para tentar desqualifica-la” e adiantou que a resposta seria que não. “É indigno esse assassinato de reputação que fazem nesse processo. Indigno para todos que conviveram com Dilma, indigno para os parlamentares que conviveram com ela”, defendeu.

E reafirmou sua convicção na honestidade de Dilma. “Mulheres quando são corretas e íntegras, são ‘duras’. Mulheres, quando se equiparam em suas disputas com os homens, são ‘autoritárias’, critica. Cardozo diz que Dilma era enérgica em qualquer situação, não autoritária.

Foto Lula Marques/ Agência PT

Foto Lula Marques/ Agência PT

Decretos suplementares

Para cassar Dilma Roussef, por falta de crime usam de pretextos, acusa Cardozo: “São atos jurídicos, baixados por todos os outros governos anteriores. FHC baixou decretos idênticos a esses, Lula baixou. Vão criando pretextos, incompreensíveis para o cidadão, mas que servem para justificar”.

“São decretos de crédito suplementar. Falam que houve maquiagem nas contas, mas sejamos corretos. A Câmara dos Deputados analisou essa questão e a denúncia foi arquivada, pois isso não é da alçada da Presidência da República”.

José Eduardo Cardozo pediu licença e leu um parecer onde diz que dívida restringia-se à competência do BACEM. “A acusação faz referencia a isso, mesmo que a Câmara tenha dito que não poderia ir para o Senado”‘. “É tão pobre a acusação de provas que precisam pegar aquelas a nosso favor para distorcê-las. Quem precisa distorcer provas é porque não tem provas a seu favor”, afirmou.

Quem precisa distorcer provas é porque não tem provas a seu favor”

José Eduardo passou a explicar “A Constituição autoriza expressamente a possibilidade de que leis autorizem decretos que façam suplementação de crédito”, alega. “Por isso a lei orçamentária de cada ano autoriza a abertura de créditos excepcionalmente em certos casos. Se houver a compatibilização com a meta fiscal, pode ser feito, através de decretos de contingenciamento. Para viabilizar tudo isso foi feito um procedimento técnico adotado a mais de 10 anos, feitos com base em um parecer técnico.”

“A perícia disse que a Presidenta não foi avisada de que seria ferida a meta. Mas ‘subitamente’ se constrói uma meta. Um procurador do MP constrói uma tese, com ajuda de um auditor do TCU, e depois o próprio auditor analisa a tese, fora das regras da União, denunciou Cardozo.

“Constrói-se a tese, mas ela vem sendo construída ao longo do tempo. Primeiro ele diz que o excesso de arrecadação poderia ser usado como fonte. Passa três meses e Júlio Marcelo (procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União) diz que excesso de arrecadação não pode mais. Depois a tese evolui, e ele muda mais uma vez de opinião baseado na questão da meta orçamentária. Não basta não gasta, mas pedem que o orçamento esteja adequado no momento. Isso é impossível, porque a própria constituição diz que é preciso colocar créditos a pagar no orçamento”.

“O pretexto quando está errado na origem vai se transfigurando mais tarde para chegar a acusação que se deseja. A tese é uma ofensa formal ao orçamento. Uma tese construída a posteriori por um procurador suspeito e um auditor mais suspeito ainda”.

Cardozo compara com a criação de fatos na Santa Inquisição, e disse que processo de impeachment foi um escândalo: “o mundo inteiro viu, diversos jornais chamaram de farsa”.

Prazo ‘anastasiano’

Ainda assim a meta não foi ferida, explica Cardozo, porque a meta é anual. “Meta anual é a que se chega ao final do ano. A lei fala de relatórios de acompanhamento. Júlio Marcelo disse então que a meta anual teria que ser vista a cada dois meses. A verdade é que meta anual é anual e acompanhamento é acompanhamento”.  E criticou o que chamou de “prazo anastasiano”, em referência ao prazo atribuído a posteriori pelo relator do processo na Comissão Especial do Impeachment, Antonio Anastasia (PSDB-MG), às supostas “operações de crédito” do Pano Safra.

Sobre essa acusação, o advogado de defesa explica: “Nunca, no Direito brasileiro, um jurista disse que era operação de crédito a figura da subvenção. Porque operação de crédito envolve um contrato. Contrato é qualquer vínculo de comum acordo de ambas as partes. Se um empregador atrasa o pagamento de um empregado, não há contrato, não é empréstimo. A mudança de entendimento muda o passado, não o presente”.

Abertura de créditos adicionais

José Eduardo Cardozo critica o uso da retroatividade da lei. “Nunca na minha vida imaginei que fosse ver tanta retroatividade. Criar um prazo para aplicar ao passado?”.

“A tese não existia, foi criada pelo doutor Júlio Marcelo, encantou o Tribunal de Contas da União e pune-se retroativamente uma Presidenta honesta”

Para ele, como não tem atos contra a  Presidenta, criou-se uma nova prerrogativa. “’Ela se omitiu’, disseram. Não existe isso no Direito”. E cita tese de advogado de acusação: “Miguel Reale Júnior ensina em seu livro que não há possibilidade de omissão quando alguém não possui o dever específico. É um absurdo. Cuidado, senhores, que foram governadores, prefeitos, porque daqui pra frente, ao abrir a porta para esta tese, qualquer despesa em plano inferior, ao realizar ato menor, poderá levar a perda de mandato”, alerta. Onde está o dolo da Presidência da República, pergunta-se. “Quem disser contra o indubio pro reu está voltando ao século XVII, quando, na dúvida, se acusava”, afirma.

Encaminhando-se para as considerações finais, Cardozo questiona: “É correto, justo, uma punição? Alguns jornais já assumem que é pelo ‘conjunto da obra’. E conjunto da obra se julga nas urnas. No presidencialismo não se condena alguém sem crime de responsabilidade, sem ilícito, sem dolo”. Para ele, condenação é uma pena de morte política, ‘uma execração que se faz a uma pessoa digna’.

Julgamento da História

Em uma das partes mais tocantes do discurso, o advogado de defesa de Dilma Roussef relembra dos atos da Lei de Anistia: “Uma das coisas que mais me emocionou, ao longo do período em que fui Ministro da Justiça, era dar cumprimento à Lei de Anistia. Por essa lei, quando se faz julgamento dizendo que alguém foi injustiçado pelo Estado, o Ministro da Justiça, diante de seus familiares, pede desculpas em nome do Povo Brasileiro”.

“Aquilo me emocionava, pois peguei o final da Ditadura. O que mais me doía era quando tinha que pedir desculpas e a pessoa já havia morrido”.

“Peço que, se Dilma Roussef for condenada, algum dia um Ministro da Justiça peça desculpas a Dilma Rousseff. Que a história absolva Dilma Rouseff se Vossas Excelências quiserem condená-la” apela Cardozo. “Julguem pela Justiça, pelo Estado de Direito, pela Democracia. Não aceitem que o país sofra um golpe parlamentar”, concluiu a defesa.

Assista na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=S750q7ACSr4&feature=youtu.be

https://www.youtube.com/watch?v=i6x8mvxwK_w

Da Redação da Agência PT de Notícias

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