Claudete Mittmann: Fracasso educacional brasileiro como fator histórico

Governo golpista impõe reforma do Ensino Médio com viés tecnocrático apontando para modelo de escola que atenda necessidades diferenciadas do mercado

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Claudete Mittmann é professora aposentada, presidenta do Instituto Paulo Stuart Wright e militante histórica do PT/SC

“Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar vêm as pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas”. (Eric Hobsbawm)

Os conceitos de caráter positivista que impregnavam as teorias do final do século passado e inicio deste, influenciaram a formação dos conceitos de indivíduos delineando a psicologia e a sociologia dos burgueses liberais. Estes conceitos buscavam mensurar as diferenças da capacidade de aprendizagem dos indivíduos de diferentes camadas sociais, viabilizando o surgimento das teorias racistas, que por sua vez referendaram as desigualdades raciais, sociais e culturais no mundo e especialmente no Brasil. Para Darcy Ribeiro, “esta estrutura de classe, engloba e organiza todo o povo, operando como um sistema autoperpetuante da ordem social sob o comando da classe dominante”. Após o golpe, este sistema se fortalece e ressurge de forma mais agressiva e excludente, especialmente pela ação MBL braço da extrema direita conservadora.

A instituição escolar influenciada por estes grupos de extrema direita e fundamentalistas religiosos estão impondo à sociedade um retrocesso histórico sem precedentes, seu intuito é impedir que as escolas possam discutir questões como sexualidade e gênero, mantendo-as como veículos de convalidação das diferenças sociais, e a priori os julgamentos do preconceito social, principalmente pela ação do Escola Sem Partido. Assim, a seleção em função da cor da pele ou opção sexual vai continuar correspondendo quase que pontualmente com a seleção por prontidão. Em síntese, pune e exclui os que não se encaixam no status quo estabelecido pela classe dominante.

Para entendermos a influência destas ações na sociedade vamos verificar os números de alunos que frequentam as escolas públicas, observando os dados do ultimo censo escolar incluindo escolas estaduais e municipais de áreas urbanas e rurais. Como podemos observar, estão matriculadas em creches 1.925.644 de crianças; na pré-escola, 3.651.786; no ensino fundamental, 22.756.164; no médio, 6.811.005 e 2.792.758, na educação presencial de jovens e adultos, o que totaliza 37.937.357.- Fonte IBGE.

Estes dados divulgados pelo IBGE em novembro de 2010, apontaram que a população brasileira é formada por 190.732.694 de indivíduos e uma grande parcela desta população tem menos de 18 anos. Isto quer dizer que temos um número muito elevado de crianças e adolescentes em idade escolar. Os dados informam também que quase 38 milhões de alunos estão matriculados no ensino público.

Se somarmos os profissionais envolvidos com a educação, este número será ainda maior. Esta prodigiosa máquina consegue produzir um número aproximado de 500 mil analfabetos adultos por ano, ou seja: meio milhão de jovens brasileiros chegam anualmente aos 18 anos analfabetos. Então levando em conta o número de alunos matriculados e os resultados pouco satisfatórios, alguma coisa está muito errada neste processo.

“Um dado importante do Censo Escolar de 2015 mostra que as matrículas diminuíram em todas as etapas de ensino, menos na creche, que atende as crianças até os 3 anos de idade”. As idade mais críticas são 4 anos, 690 mil de crianças não são atendidas, e 17 anos, em que 932 mil adolescentes deixaram os estudos. O censo mostrou que a pré-escola, voltada para crianças de 4 e 5 anos, teve uma redução de 1% de matrículas em relação a 2014, passando de 4,96 milhões para 4,92 milhões, aproximadamente. Foi a primeira queda desde 2011. O ensino médio, que já reduzia as matrículas pelo menos desde 2010, teve, desde então, a maior queda, entre 2014 e 2015, de 2,7%. O número de estudantes passou de 8,3 milhões para 8,1 milhões.

Os números refletem a queda da população, em geral, que tem reduzido entre criança e jovens, mas, de acordo com especialistas ouvidos pela Agência Brasil, refletem também desafios para o sistema educacional. São 3 milhões de crianças e jovens de 4 a 17 anos fora das salas de aula, e que, por lei, deverão ser incluídos”. Fonte – (MEC). Agência Brasil.

As orientações pedagógicas permissivas à homofobia também, são fatores que alimentam a alta taxa de evasão escolar brasileira. De acordo com levantamento divulgado no dia 5 de abril pelo movimento Todos Pela Educação, com base nos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad/IBGE), o Brasil tem 2,5 milhões de crianças e jovens fora da escola.

No entanto, tamanho fracasso educacional não se deve à falta de escolas, nem à falta de escolaridade. Anualmente vemos o número de vagas aumentado, sobretudo no 1º ano entanto de cada 1.000 crianças matriculadas apenas 486 conseguem alcançar os níveis desejáveis de aprendizado para esta faixa etária. Isto significa que um grande percentual deste contingente de alunos certamente não conseguirá alcançar o patamar de letramento que os considere alfabetizados, transformando-os em evadidos potenciais.

“Se entendermos a condição de analfabeto aquela do iletrado ou analfabeto funcional – aquele que desenha o nome e se declara alfabetizado, mas é incapaz de transmitir uma informação escrita – veremos que dobrará no Brasil o número de brasileiros que ingressam anualmente na vida adulta marginalizados da cultura de seu povo e de seu tempo por não estarem incorporados à civilização letrada”. Darci Ribeiro-Fonte: Livro dos CIEPS.

Outro fator que precisa ser levado em consideração para que possamos superar o estigma de uma educação de péssima qualidade é a dos profissionais da educação uma vez que os baixos salários a falta de progressão na carreira e reflexos de problemas sociais dentro da escola tornam pouco atrativa uma profissão essencial para o desenvolvimento do país: a de professor.

Estimativas do Ministério da Educação (MEC) dão conta de que faltam 170 mil docentes nos níveis fundamental e médio no país. Além disso, um grande número deles não tem a qualificação necessária e mesmo assim atuam em sala de aula, prejudicando sobremaneira a formação dos estudantes. Nas universidades federais e estaduais parte das vagas ociosas decorre do baixo interesse pelos cursos de licenciatura, que formam docentes, recuperar esse tempo perdido pode levar décadas.

Os neoliberais em seu objetivismo sociológico explicam copiosamente as causas do fracasso educacional brasileiro, tratando-o com naturalidade e até como necessário. Em sua concepção, “este fracasso decorre dos processos de urbanização e industrialização, que transladando a população trabalhadora do campo para a cidade”. Além disso, afirmam que devido aceleração do processo de industrialização e o avanço das tecnologias torna-se necessária uma mão de obra moderna, polivalente e disciplinada, um discurso recorrente que agora volta com força e tem como objetivo formar um exercito de reserva barateando e precarizando a mão de obra via Reforma Trabalhista.

Como sempre, a indústria reclama por uma nova escola ideológica e domesticadora, e culpa os trabalhadores pela sua incapacidade de assimilação e adaptação ao novo paradigma social. Em suma esta visão afirma que o atraso do país se deve a uma população com baixos índices de escolaridade e pouca ou nenhuma capacidade de aprendizado, punindo-os duplamente. Inicialmente negando-lhes o acesso e permanência a uma educação digna e cidadã, em seguida ao culpá-los pelo desastre econômico e social do país.

Acreditamos que se o processo de construção do ensino houvesse sido tratado com a seriedade necessária bem antes da urbanização caótica e da industrialização intensiva para que o país saísse da posição subalterna em que se encontra até hoje a situação diferente. Nem ao menos podemos compará-lo ao que fizeram em matéria de educação outros países da América Latina (Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai). “Nosso descalabro educacional tem raízes mais antigas. Vem da Colônia que nunca quis alfabetizar ninguém, com exceção de alguns poucos “homens” para exercerem funções governamentais. -Darci Ribeiro – Fonte, O Povo Brasileiro

Aos olhos de nossa classe dominante antigas e modernas o povo é o que há de mais reles, seus sonhos e aspirações não são levadas em consideração. “Uma classe dominante feita de senhores de escravos ou de descendentes deles é uma classe enferma que carrega em si, no mais recôndito de seus sentimentos, a herança hedionda dos gastadores de gente. Para eles os descendentes dos negros forros e ainda todo o povo são mera força de trabalho.” Darcy Ribeiro- Fonte, O Povo Brasileiro

No momento em que surge um governo que estabelece leis incluindo a parcela da população excluída e invisível à educação e a cidadania, a classe dominante, cujas raízes preconceituosas se perdem em sua ancestralidade se sente ameaçada. Não entendem ou aceitam que seus servos ousem sair do anonimato para adentrarem em espaços antes considerados apenas seus. Esta é a verdade que se esconde por trás do ódio latente que estamos vendo florescer em todo o país.

Mesmo com os avanços na educação durante os governos Lula e Dilma, com a criação de novas Universidades e Institutos Federais, a aprovação da Lei das Cotas com a obrigatoriedade de reserva de vagas para alunos oriundos das escolas públicas e projetos de inclusão como o PRONATEC e PROUNI a discussão e elaboração do PNE e a aprovação do PSPN (Piso Salarial Nacional Profissional) do magistério, não chegamos ao nível de qualidade na educação necessária a um país realmente desenvolvido. Em nosso entendimento são necessárias algumas gerações para que as mudanças no processo educacional possam ser sentidas.

Com o golpe de estado em curso no país os avanços conseguidos estão sendo destruído um a um, com cortes profundos nas verbas destinadas à educação na qualidade das escolas, penalizando especialmente os que dependem do sistema de ensino público. O governo golpista impõe a reforma do Ensino Médio com um viés tecnocrático apontando para um modelo de escola que atenda necessidades diferenciadas do mercado. Desta forma, o projeto de escola pública solidária se esfacela reforçada pelo mito da sua incompetência perde sua legitimidade como espaço formador de cidadãos “eficientes”.

Claudete Mittmann é professora aposentada, presidenta do Instituto Paulo Stuart Wright e militante histórica do PT/SC

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