Collor cometeu crime, Dilma não, diz autor de impeachment de 1992

Para Marcello Lavenère, estão aplicando um ato não contra a presidenta Dilma, mas “a pena de morte de um projeto de país menos desigual”

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A diferença principal que separa o processo de impeachment movido contra o ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, e o atual processo contra a presidenta Dilma Rousseff é que, no caso de Collor, houve crime. A afirmação é do jurista Marcello Lavenère, que elaborou a peça de acusação contra Collor e presta esclarecimentos nesta terça-feira (3) na comissão especial do Senado com o intuito de demonstrar aos senadores que o processo contra Dilma não se sustenta juridicamente.

“Sei que essa Casa já tem sua consciência formada”, afirmou Lavenere. “Mas vale repetir: a diferença fundamental é que no caso Collor tinha crime cometido por suas próprias mãos. E, no caso da presidenta Dilma, não há crime nenhum.”

Lavenère usou sua exposição para diferenciar os dois processos. Ele lembrou que, no caso Collor, o pedido de impeachment foi assinado por um conjunto de 20 advogados, apoiado na sociedade e unificou o país. Hoje, faltam nomes de peso a apoiar o impeachment contra Dilma e, inclusive, as referências do direito internacional têm se posicionado contra o golpe.

“O país estava unido no impachment de Collor, diferentemente de hoje. Havia uma alegria patriótica e cívica. Não havia ninguém que não aplaudiu o pedido de impeachment”, afirmou o jurista, que citou os nomes dos juristas Evandro Lins e Silva, Raymmundo Faoro e José Carlos Dias como mostras do peso que o pedido contra Collor possuía. “Quais os juristas que estão dizendo que as pedaladas são crime de responsabiliade?”, questionou.

Para Lavenere, o resultado do atual processo será uma “pena de morte” para um projeto de país. “Estão aplicando a pena de morte de um projeto de país menos desigual. Não é a morte política de uma presidente, mas de um projeto de futuro que, pela primeira vez, se volta para os mais pobres e para o combate à desigualdade”, disse. “Não se abre uma manhã radiosa de luz no dia seguinte do impeachment. As nuvens que pesam no horizonte vão prosseguir.”

Além de Lavenère, falam à comissão do senado os juristas Geraldo Prado, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e de Ricardo Lodi Ribeiro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Lavenere ainda comparou o caso ao uso médico de tratamento quimioterápico para um caso de corte na mão. “Pode matar o paciente”, afirmou.

Irretroatividade
Os juristas Geraldo Prado e Ricardo Ribeiro revelaram não haver base jurídica para sustentar o pedido de impeachment contra Dilma. Eles reforçaram a necessidade de demonstração de um ato de ofício da presidenta, a necessidade de dolo (culpa consciente) e a impossibilidade de se aplicar sanções para infrações cometidas antes de serem consideradas infrações, a chamada irretroatividade dos crimes.

Prado reforçou que não se admite no direito acusar alguém sem uma acusação definida. Por isso, ao contrário do que disse a advogada Janaína Paschoal, os senadores devem seguir o que determinou o Supremo Tribunal Federal (STF) e analisar apenas as acusações de crime de responsabilidade na edição de seis créditos suplementares e no repasse de verbas do Banco do Brasil para o Plano Safra da agricultura. “Qualquer coisa fora disso, é cerceamento do direito de defesa”, reforçou.

Comissão Especial do Impeachment 2016

O professor da UFRJ destacou que um dos créditos suplementares foi solicitado pela Justiça Militar para atualizar o sistema de controle de dados. A solicitação teve parecer favorável da área técnica da Justiça Militar, além de outros técnicos do governo federal consultados pela presidenta Dilma. “Vou exlicar para os meus netos: a presidenta da República foi destituída por ter seguido um parecer da área técnica do Conselho Nacional de Justiça para concessão de crédito para Justiça Miliar. Mas ela deve ter roubado, não é? Não roubou”, afirmou.

O Art. 395 do Código Penal foi usado como referência por Prado para demonstrar que não se pode imputar crime a “fato criminoso anterior à existência do crime”, ou seja, o novo entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) só poderia ter efeitos futuros, não para atos do passado. Por isso, outros presidentes pedalaram e não foram punidos.

“Isso sempre foi autorizado pelo TCU até 2015, a partir de então não foi mais utilizado”, argumentou o professor Ricardo Ribeiro. “Se o TCU, se o Congresso Nacional, se as assessorias jurídicas recomendaram, seria possível o mesmo Congresso Nacional que aprovou a meta aprove o impeachment por crime de responsabilidade? É pegadinha com a presidenta?”, provocou.

“Uma denúncia como essa tem que ser rejeitada liminarmente. De denúncia entendo bem, sou professor há 30 anos. E essa é inepta”, concretizou Prado. “Meta fiscal virou cláusula pétrea e direito de defesa deixou de ser. Recebi telefonemas de juristas mexicanos, de Portugal, dos EUA, me perguntando se era possível isso”, completou.

Lavenère

O professor Ricardo Lodi Ribeiro explicou que a utilização do conceito de operação de crédito irregular não se aplica no caso do Plano Safra. “Operação de crédito é um contrato onde se transfere para o credor parte do patrimônio em troca de um empréstimo com juros”, disse. “A Lei de Responsabilidade Fiscal se aproveita de 200 anos de conhecimento do direito, não cria conceito de operação de crédito e não há um conceito de operação de crédito diferente para se aprovar o impeachment da presidenta da República. Se a gente considera que relatório bimestral impede a emissão de créditos suplementares, então, a partir de março o governo já está imobilizado.”

Ribeiro chamou a atenção para a inexistência de demonstração de ato da presidenta Dilma nas acusações que estão sendo feita contra ela. “Não há um ato da presidenta da República, os autores não apontaram, nem Miguel Reale Jr., nem Janaína Paschoal, nem o presidente da Câmara apontou”, disse.

OAB
Marcello Lavenère também criticou o posicionamento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que classificou de “vexame histórico” por apresentar um pedido de impeachment sem base jurídica e depois de o presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) receber um dos pedidos. “OAB se precipitou para substituir um pedido de impeachment que já estava colocado”, afirmou. “Praticou um vexame histórico, que Cunha considerou uma petição que chegou de forma tardia e está na lixeira de Cunha.”

Por Camilo Toscano, da Redação da Agência PT de Notícias

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