Educação teria recebido R$ 321 bi a menos com proposta de Temer

Economista demonstra que se proposta de limitar gastos estivesse em vigor desde 2006, governo também teria deixado de gastar R$ 178,8 bi na saúde

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para “resolver a questão fiscal”, Michel Temer (PMDB) e seu ministro golpista da Fazenda Henrique Meirelles propuseram limitar gastos da União de acordo com a inflação do ano anterior, impondo um teto de gastos sem crescimentos reais. Se tivesse sido implantada entre 2006 e 2015, o governo teria deixado de gastar cerca de R$ 321 bilhões em educação e R$ 178,8 bi em saúde, de acordo com uma simulação feita pelo economista João Sicsú.

Nos cálculos de Sicsú, em 2015, teriam sido gastos apenas R$ 31, 5 bilhões em educação, e não os R$ 103,8 bilhões gastos por Dilma Rousseff (PT). Segundo os dados apresentados pelo economista, os investimentos em educação no período, sob as gestões de Dilma e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) cresceram mais de cinco vezes.

Desde 2001, o Brasil conseguiu reduzir a taxa de analfabetismo em 4,3 pontos percentuais, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD) feita pelo IBGE em 2014. Mesmo assim, 8,3% das pessoas ainda são analfabetas, o que demonstra a necessidade de se continuar investindo cada vez mais em educação.

Segundo Sicsú, as mudanças de Temer e Meirelles se baseiam em uma teoria que nunca teve nenhum exemplo empírico para sua comprovação de que, resolvendo o equilíbrio fiscal do Estado, libera-se o setor privado para garantir o bem estar da população. “Não há um resultado empírico de quanto menos governo mais bem estar, ao contrário”, diz ele.

Na realidade, explica o economista, a proposta de Temer deixa o orçamento livre para ser apropriado pelos empresários. No ano passado, enquanto o governo investiu cerca de R$ 200 bilhões em saúde e educação, gastou R$ 500 bi com o pagamento de juros da dívida pública – na prática, remuneração dos detentores de títulos da dívida pública.

A diferença é que R$ 1 gasto em educação, saúde ou previdência terá impacto na economia real, o que não ocorre com o gasto com juros. Para Sicsú, a proposta, que na prática acaba com o orçamento da União, anula uma estratégia de desenvolvimento do país, já que o orçamento é a principal ferramenta para isso.

 

O economista João Sicsú. Foto: Valter Campanato/Agência BRasil

O economista João Sicsú. Foto: Valter Campanato/Agência BRasil

Leia a entrevista na íntegra:

Qual o embasamento econômico para a proposta do teto dos gastos? A que ela está relacionada?
Não existe nenhuma experiência histórica que eu tenha conhecimento de uma proposta semelhante a essa. O que existe na verdade é uma teoria e experiências de redução de gastos primários, que são os gastos do governo em saúde, cultura, educação, etc, para deixar o orçamento livre para ser apropriado pelo setor empresarial.

A partir da ideia de quanto menos governo melhor, quanto menos Estado melhor. Teoricamente, liberaria o setor privado para garantir os direitos básicos, mas é uma proposta que existe apenas no campo das ideias. Não há um resultado empírico de quanto menos governo mais bem estar, ao contrário. E essa proposta feita pelo Meirelles e pelo Temer é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)  válida por 20 anos em que os gastos crescem de acordo com a Inflação anterior, que é medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA).

Esse índice é composto por uma cesta de produtos para quem ganha até 40 salários mínimos e não tem nada a ver com gastos de governo. O governo vai comprar vacinas, estradas. O que a diferença do chuchu e da cebola tem a ver? É um índice aleatório. É uma maneira de limitar o gasto público. Eles poderiam ter escolhido o índice pluviométrico do deserto do Saara do ano anterior que daria no mesmo.

Isso é sem sentido. O gasto governo tem que aumentar de acordo com as possibilidades do governo e das necessidades da sociedade. Não tem nada a ver com a inflação do ano anterior. Se no ano passado tivemos um choque inflacionário causado pelo chuchu… não tem nenhum sentido isso. Tinha que escolher um que fosse muito menor do que vinha acontecendo nos últimos anos e pegaram a inflação.

Qual será o impacto na educação? E o que isso significa não só em termos sociais, mas econômicos?
Eu fiz uma simulação dos últimos anos se tivesse sido aplicada, em 2015 o orçamento da saúde seria 30% menor e o da educação 70% menor. Fora a perda que houve nesses últimos dez anos, ou seja, considerando só a diferença no último ano. Eu fiz uma simulação para Previdência Social e o que aconteceria com essa regra é que o benefício médio que hoje está em torno de R$ 1.600, se tivesse vigorado seria de R$ 1000.

Para se chegar a R$ 1,6 mil tem uma trajetória. É uma perda ao longo do tempo. Estou falando apenas da perda final. Para isso, inclusive que eles tem que quebrar a regra de a Previdência ter o minimo de piso que é o salário mínimo porque dentro dessa regra não vale sem quebrar a quebra do piso mínimo.

Por que esse governo crê nessa proposta? Por que minar a educação de um país quando se é consenso de que é necessário melhorar a produtividade?
Eles querem minar tudo que é público. A ideia de que o privado funciona sempre melhor que o público, e que todos têm acesso a esses benefícios, o que não é verdade. É tão decidida a ideia de fragilizar a saúde e educação públicas que a proposta diz que é necessário não ter nenhuma vinculação de receita e nenhum nível obrigatório de investimento. Eles querem gastar e investir em educação menos que o mínimo. A ideia é ir fragilizando, e chegar ao limite de gastar menos que o mínimo constitucionalmente estabelecido no orçamento.

Só no ano passado, o pagamento de juros foi de R$ 500 bilhões, enquanto saúde e educação foi de R$ 200 bilhões. Juros é considerado algo sagrado, à parte, juros podem subir mais que a inflação, podem ter gastos absurdos, mas saúde, educação e previdência social não. Porque esses beneficiam milhões.

Os juros foram separados do orçamento com ideia de que tem gasto primário (saúde, educação, previdência, cultura, infraestrutura) e não primário quando o gasto é com juros. Enquanto isso, R$ 1 gasto em educação ou Previdência reverte em muitas coisas na economia real, enquanto gastar R$ 1 com juros não tem nenhum benefício para o lado real da economia.

A proposta justificada nessa PEC é uma argumentação completamente ideológica no campo da fantasia. Porque diz que se o governo diminuir grau de endividamento os empresários vão voltar a investir e vai ter geração de emprego, de renda e bem estar social. Chegamos ao paraíso. Essa é a ideia. O equilíbrio das contas públicas produziria esse paraíso, e isso não acontece. A gente tem que pensar o seguinte: nós temos que manter um orçamento em equilíbrio, mas isso não significa o paraíso. O paraíso do bem estar social, como ocorrem países do Norte, como Dinamarca, Holanda, etc, depende de uma política ativa do Estado, sem Estado presente não vem espontaneamente o emprego, a distribuição de renda, e até felicidade.

Em anos de crescimento de receitas, para onde irá o dinheiro que “sobrar”?
Essa proposta de 20 anos de regime fiscal supõe que daqui a 10 anos o índice possa ser mudado. Não fala nenhum índice, pode ser alterado proposto pelo Executivo. É uma regra muito problemática para uma estratégia do desenvolvimento porque o orçamento é o principal instrumento de desenvolvimento. É uma anulação da estratégia do desenvolvimento, não existe desenvolvimento sem uma ação organizada do governo. Se não temos orçamento, não temos Estado nem governo.

É uma anulação da estratégia do desenvolvimento, não existe desenvolvimento sem uma ação organizada do governo. Se não temos orçamento, não temos Estado nem governo.

É a ideia de que o desenvolvimento brota do setor privado, e a outra visão é de que somos países atrasados e subdesenvolvidos e devemos aceitar isso para sempre.


E existe também uma pressão internacional para essa proposta?
Existe porque faz parte da mesma arquitetura econômica financeira que é comprimir gastos primários e liberar recursos para rentistas e empresários. É uma proposta internacional, o Brasil incluído nisso, dentro dessa visão implementada no Brasil, Argentina, Espanha, Portugal, Grécia…

Um governo interino poderia fazer modificações tão bruscas?
O governo não se considera interino, agiu para fazer esse movimento na sociedade e no Congresso e chegou ao governo por uma via ilegítima. Na verdade, alcançou o resultado que pretendia. Por isso que eles faziam reformas profundas. Eles chegaram pela via do golpe. Eles jamais seriam eleitos por um programa como esse, mas agem assim.

Eles falam agora que o juros pode cair, se houver esse novo regime porque vai melhorar o grau de insolvência (risco de não pagamento da dívida), mas esse risco não existe de fato. Uma economia que está em recessão não pode ter 14% de juros, Não tem nenhum sentido em lugar nenhum. É para transferir rendas.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

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