Em Natal, Mineiro “ousa” e coloca segurança pública como prioridade

Candidato pelo PT à prefeitura de Natal quer que a Guarda Civil Municipal integre esforços com todas as secretarias para incentivar a cultura da paz

Foto: Vlademir Alexandre

Quando se fala em segurança pública, normalmente as atenções se voltam ao governo estadual; afinal, é essa esfera de administração pública que gere as polícias e o sistema carcerário. Mas, para o candidato do PT a prefeito de Natal, Fernando Mineiro, é hora de avançar esse paradigma.

Ele defende que o poder público municipal pode e deve agir em diversos frontes para criar um ambiente propício à cultura de paz nas cidades, e inclusive fazer valer o Estatuto das Guarda Civis Municipais, em vigência há dois anos, para fazer da GCM um exemplo de reforço desmilitarizado para a segurança pública.

“Natal foi a capital onde mais cresceram os índices de violência no brasil. No Rio Grande do Norte, de 2003 a 2013, os homicídios de jovens cresceram mais de 500%. Natal foi uma cidade que explodiu em termos de violência”, explica o candidato.

“Então, mesmo que não seja atribuição legal do município, você também não pode ser culpado por omissão. Sem demagogia, sem achar que vamos resolver todo o problema sozinhos, mas temos de fazer este debate. Esse assunto tem de estar na arena da prefeitura e ser tema de um trabalho transversal do poder público”, completa.

Em entrevista à Agência PT, Mineiro falou ainda da necessidade de renovar as referências e lideranças da política local, que são as mesmas desde o período da redemocratização do país, e, nesse processo, modernizar as práticas de gestão pública em Natal.

O candidato petista ressaltou ainda a necessidade de que o poder público municipal seja mais integrado com os governos estadual e federal, embora o governo golpista de Michel Temer (PMDB) coloque em risco os investimentos para os municípios.

“as consequências desse golpe, se ele vier a se consolidar, serão devastadoras para as cidades. A política de teto de gastos públicos que eles querem implementar, por exemplo, terá um impacto terrível em áreas sociais como saúde e educação. São medidas mais duras, mais perversas sobre as cidades como um todo, do que Collor e FHC juntos.”

Leia, abaixo, a íntegra da entrevista:

Desde o início de sua trajetória política, após as lutas como sindicalista e os mandatos parlamentares, como evoluiu a política na cidade? Como é a disputa por ideias, hoje, em Natal?

O Rio Grande do Norte, se você analisar o conjunto dos estados brasileiros, é talvez o mais atrasado em termos de renovação na política. Aqui você tem a marca do “filhotismo” que é muito presente. É uma marca muito presente em toda a política brasileira, mas aqui no estado os grupos oligárquicos têm uma capacidade muito grande de renovação entre eles, familiar.

Eu brinco dizendo que o filho ou a filha que vai nascer na semana que vem em uma dessas famílias, certamente já chega pensando no cargo que vai ocupar daqui a 20 ou 30 anos. Não à toa, o Rio Grande do Norte é um dos poucos estados em que não aconteceram renovações nas referências políticas. Os personagens que dominam a cena política são os mesmos do início da redemocratização; é o Agripino, o Garibaldi, a Wilma… Sempre os mesmos.

De outro lado, mostra também um pouco a nossa própria fragilidade, a dificuldade que o PT teve para se expandir dos setores médios para os setores mais populares. Só mais recentemente estamos conseguindo, e foi uma construção lenta, dialogar com os setores populares e sair desse setor mais de classe média. Talvez até por influência das ações do governo federal.

O movimento social também é muito frágil no Estado. Você não tem base econômica forte, não tem um operariado, não tem indústria, tudo isso influi para prejudicar a mobilização dos trabalhadores. Do outro lado, há um empresariado muito dependente do Estado, que vive em um regime muito forte de favores cruzados e apropriação da renda pública. Não à toa, as famílias que dominam o poder econômico dominam o espaço político.

Isso influenciou a formatação física da cidade? Apesar de ser uma cidade pequena, com menos de 200 km², ela parece ser bastante segregada entre suas regiões.

Natal ainda é muito desarticulada entre as outras cidades da região e em suas regiões internas. As gestões nunca aplicaram uma política que tratasse a cidade como um todo. Quando fui vereador, eu dizia que Natal tem a arquitetura do despistamento: você anda pelos principais corredores da cidade e não vê a cidade real.

Vê uma parte da cidade, mas não a cidade toda. Não vê as favelas, as subabitações. Grande parte da cidade não tem esgotamento, drenagem e calçamento, mas isso é encoberto.

A beleza de Natal é tão grande, tem um brilho tão forte, que de certa forma encobre esses problemas. Mas é preciso lançar luz sobre essa outra cidade, como não fizeram as gestões municipais que tivemos até hoje, por serem conservadoras, atrasadas.

Como o poder municipal pode lidar com essa situação?

Primeiro, cuidando das políticas públicas, com um olhar mais atento para quem mais precisa da gestão. Você tem problemas graves na área da saúde, da segurança, déficit na educação infantil muito grande, então você precisa determinar que a administração existe para diminuir a distância entre os setores que mais têm e os que menos têm.

Mas esse esforço é capaz de criar uma cultura diferente para a cidade, mais fraterna e solidária, para além das medidas concretas de administração?

É necessário. Natal precisa ter identidade. Você tem que trabalhar a ideia de que as pessoas podem ter orgulho de morar aqui porque a cidade é bonita por natureza, mas também devem ter orgulho de morar em uma cidade que é administrada com inovação e diálogo. Para que as pessoas tenham o prazer de conviver na cidade e cuidar da cidade.

O problema é que hoje é cada um por si só. Como não tem um poder público que levante essa bandeira, que adote a visão de que é preciso gostar da cidade de maneira coletiva, a ideia que fica é o consumo individual da cidade.

As pessoas gostam de Natal para seu prazer, para seu consumo individual, e não como espaço coletivo para trocas de experiência, de olhares e culturas.

Então é isso que precisamos implementar. Qualidade de vida depende disso. Se a cidade não está ganha pela sua maioria, se não se preserva o espaço público como um bem coletivo, isso não se reflete na vida da cidade. Então acaba que o individualismo, a intolerância, até a grosseria, podem prevalecer.

Seu plano de governo dá uma grande ênfase para a segurança pública, que normalmente não está no centro das propostas de candidatos a prefeito. Por que essa prioridade? O que o poder municipal pode fazer sobre essa questão?

Primeiro, porque Natal foi a capital onde mais cresceram os índices de violência no brasil. No Rio Grande do Norte, de 2003 a 2013, os homicídios de jovens cresceram mais de 500%. Natal foi uma cidade que explodiu em termos de violência. Isso é um fato, uma constatação.

Por outro lado, tenho me dedicado a estudar e entender essa área, e não há nenhum lugar no mundo, sobretudo na América Latina, em que tenha ocorrido redução da violência sem colaboração entre todos os entes federados, ou seja, os governos federal, estadual e municipal.

Eu li agora um relatório muito interessante chamando a atenção para a mudança na segurança em 20 cidades na América Latina, e o que possibilitou a mudança foi a atuação do governo local. Não à toa, se você pega as manchas de maior violência em Natal, por exemplo, o bairro da Nossa Senhora da Apresentação, que tem quase 90 mil pessoas e onde há o maior índice de violência, é um dos bairros mais desassistido de serviços.

Não tem uma quadra pública, tem habitações precárias, não tem calçamento, drenagem. Isso não é coincidência.

Foto: Vlademir Alexandre

Foto: Vlademir Alexandre

O pessoal confunde segurança pública com policiamento, acha que é apenas questão das polícias civil e militar. E nós da esquerda também fazemos isso, porque não temos tradição de debater profundamente a segurança pública e deixamos esse tema para os reacionários.

Mas essa noção de que segurança é policiamento é senso comum. Segurança não é só ação do governo estadual, porque segurança envolve mais do que polícia. Mesmo que não seja atribuição legal do município, você também não pode ser culpado por omissão.

Está provado que se você limpa as áreas pública, cria espaços para prática de esporte, ilumina as áreas públicas, cria políticas culturais, urbaniza a cidade, você reduz a violência e incentiva uma cultura de paz.

Mas tem outro fato também que é o Estatuto das Guardas Municipais, aprovado há dois anos e válido nacionalmente. Mudou a atribuição da Guarda Civil Municipal, que não é mais apenas voltada à defesa do patrimônio público.

Esse debate é novo, e é novo dentro da esquerda. O PT precisa debater isso. Por isso, o nosso plano de governo tem um capítulo inteiro chamado “Segurança e Cidade”, que, do meu ponto de vista, é inovador para uma candidatura municipal.

Sem demagogia, sem achar que vamos resolver todo o problema sozinhos, mas temos de fazer este debate. Esse assunto tem de estar na arena da prefeitura e ser tema de um trabalho transversal do poder público.

O trânsito, por exemplo, é atribuição do município, e há episódios de violência ligados ao trânsito, especialmente às motos, às “cinquentinhas” que rodam por aí.

O município tem sistema público de câmeras para vigiar o trânsito, e não tem cabimento que esse sistema não esteja interligado com o governo estadual. São reflexões que tenho feito e que tivemos a ousadia de colocar no plano de governo para promover esse debate.

O senhor comenta sobre a falta de debate sobre segurança pública na esquerda, e uma das cobranças da militância é por um plano de desmilitarização das polícias. Uma Guarda Civil Municipal orientada a complementar o esforço pela cultura de paz pode ser uma experiência no sentido de uma força de segurança pública civil?

É uma experiência. Até pelo próprio Estatuto, você não pode transformar a GCM numa PM, não dá para achar que vai resolver tudo com mais armas. Mas há várias ações que podem ser feitas. Por exemplo, o combate e enfrentamento ao crack: a GCM pode ter um papel fundamental, educativo, nesse caso, desde que articulado com a saúde.

Então se você tem no município uma Guarda que trabalha ao lado dos servidores da saúde e da educação de forma didática com a juventude, um trabalho amparado pela assistência social e os Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS-AD), chamando a sociedade civil e articulando as organizações que trabalham com jovens, as igrejas, aí você cria um movimento. Você tem espaço para pensar outro tipo de política.

Em Natal, temos quase mil jovens entrando no sistema de socioeducativo por ano, o que é uma cifra estrondosa para uma cidade com 890 mil habitantes. É uma falência do sistema. Então é possível o município atuar nessa esfera.

O problema de falta de articulação entre serviços públicos incide sobre outras áreas da cidade, além da segurança?

Os serviços estão muito mal organizados. Natal não entrou no século 21 em termos de gestão. Natal é uma cidade muito moderna, “novidadeira”, como dizia Câmara Cascudo, mas não no que diz respeito em gestão pública. Nesse sentido, é como uma capitania hereditária, a despeito de você ter bons servidores, mas que não são chamados e incorporados em um trabalho horizontal.

É tudo fragmentado, cada um com uma cartilha. Uma secretaria não conversa com a outra, e nem dentro da secretaria os setores dialogam. Na saúde, não há uma articulação da rede de atenção básica com outros níveis da rede. Não atua de maneira articulada, as informações não circulam, os programas não são integrados.

Isso é desperdício de recursos, porque às vezes não fazem as coisas, ou fazem até repetidas. Por isso, nosso programa de governo tem como questão central a interssetorialidade, criar uma nova cultura da gestão.

Essas questões que você apresenta, no diálogo com a população, fazem eco? As pessoas sentem ou reconhecem essas falhas de administração?

As pessoas mais sentem do que compreendem. É muito difícil, porque entre o que as pessoas sentem no dia a dia e a compreensão das razões de cada situação há uma distância muito grande. A

s pessoas querem respostas, e nós estamos fazendo o esforço de transmitir essas respostas. Esse é nosso papel na política: traduzir o que você pensa, e traduzir o funcionamento da política, para as pessoas. Infelizmente, há um baixo envolvimento nas questões coletivas em Natal.

O senhor falou bastante sobre o trabalho conjunto das esferas de governo para beneficiar a cidade, mas há uma ruptura política e uma mudança radical de valores no governo federal em curso. Qual sua perspectiva de impacto do governo de Michel Temer (PMDB) para as cidades?

Olha, eu tenho refletido que as consequências desse golpe, se ele vier a se consolidar, serão devastadoras para as cidades. Eu tenho refletido sobre isso e acho que deveríamos aproveitar as campanhas para conversar sobre isso com a população. A política de teto de gastos públicos que eles querem implementar, por exemplo, terá um impacto terrível em áreas sociais como saúde e educação.

Eu tenho dito que mais do que atacar as conquistas da era Lula e Dilma, o golpe em curso ataca as conquistas que tivemos na Constituição de 1988. O que eles estão fazendo é implementar projetos e programas que nem Collor nem Fernando Henrique tiveram condições de implementar.

São medidas mais duras, mais perversas sobre as cidades como um todo, do que Collor e FHC juntos. Eles conseguiram uma maioria muito conservadora no Congresso, ao mesmo tempo em que a sociedade cobra por mais e melhores serviços públicos. Mas eles vão diminuir recursos para todas as áreas.

É um desenho que, repito, nem Collor e FHC puderam implementar, porque enfrentaram a resistência da sociedade. Haverá aí um choque inevitável, porque a sociedade quer uma coisa e os congressistas conservadores tomam decisões ao contrário.

Como levar esse debate a uma sociedade que está desacreditada da política?

É o desafio nosso nesta eleição, tentar mostrar às pessoas que é possível ter outro modelo de política e gestão. Estamos fazendo campanha em um contexto de muito descrédito. Temos de reconquistar uma faixa da militância e da população que sempre nos apoiou e tirar as bandeiras do armário. A criminalização da política e o desgaste da política nacional criam uma situação muito ruim para a própria população.

Por Diego Sartorato, da Agência PT de Notícias

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