Emir Sader: A disputa internacional em torno do Brasil

O Brasil havia desaparecido da agenda mundial desde o fim da ditadura. Episodicamente reaparecia, como na campanha para a derrubada do Collor, na eleição – e a euforia correspondente –…

Michael Reynolds

Lula e Barack Obama

O Brasil havia desaparecido da agenda mundial desde o fim da ditadura. Episodicamente reaparecia, como na campanha para a derrubada do Collor, na eleição – e a euforia correspondente – de FHC como presidente, mas logo o Brasil voltou para a penumbra. Ressurgia quando havia privatizações, com os capitais abutres correndo comprar na liquidação a bom preco do patrimônio publico ou fugindo nas crises.

A eleição do ex-presidente Lula desconcertou os meios que formam a opinião pública mundial. Depois de superado o período histórico “populista, estatista”, nao se entendia bem como um ex-lider sindical, operário de um partido de esquerda, fosse eleito presidente do Brasil em pleno século XXI. No começo, o noticiário internacional era uma mistura de anúncios de “traição” do novo presidente e de supostas manifestações populares contra ele, com denuncias de corrupção. Mas tratavam o governo Lula como um fenômeno passageiro, ponto fora da curva, caso folclórico, quase um mal entendido, que logo seria superado pela realidade implacável da globalização.

De repente, a imagem de Lula e a do Brasil mudaram. Era o país que, em meio ao aumento da desigualdade e da pobreza no mundo, combatia a miséria e seu líder se tornava o líder da luta contra a fome e a exclusão social pelo mundo afora. Os lobbies midiáticos internacionais tiveram que se render, a contragosto, a esse novo fenômeno.

Wall Street Journal, Financial Times, The Economist, El Pais ou calavam ou não mencionavam a liderança do Lula em escala mundial. Pelo menos tiveram que reproduzir o Obama chamando-o de “the guy”.

Era um gol que a luta pelos direitos de todos, contra o neoliberalismo, fazia, em escala global. Lula era um intruso de sucesso nas reuniões internacionais, era convidado para dezenas de países, especialmente da África e de outras regiões que viviam problemas que o Brasil estava em vias de superar.

Até que chegaram as manifestações de junho de 2013 e começou um processo orquestrado de desconstrução da incômoda imagem do Brasil por esses meios formadores da agenda internacional da mídia. A eles se juntaram as vozes da ultra esquerda em órgãos da mídia, igualmente incômodos com o sucesso do Lula e do Brasil.

A imagem do Brasil foi rapidamente revertida, para o pais dos gastos milionários para a Copa, cujo governo era repudiado por milhões de jovens por todo o pais. A Copa não seria realizada ou, se fosse, o seria em meio a uma brutal repressão de imensas manifestações populares de repúdio.

Nada disso ocorreu, mas a desconstrução da imagem do Brasil do Lula teve continuidade na imagem de um país corrupto. Depois de breves lapsos de esperança de derrota do governo nas eleições – que seria coerente com a imagem de um governo repudiado transmitida internacionalmente – veio a onda do pais corrupto, a partir das denuncias sobre a Petrobras.

É como se todos os imensos avanços sociais tivessem sido abolidos, como se o Brasil do Lula tivesse disso uma ilusão passageira, que a brisa primeira levou. Como se se tratasse apenas de um pais violento, corrupto, com um governo repudiado pelo povo. Qualquer noticia de suposta corrupção que envolveria o governo é imediatamente reproduzida como se fosse uma realidade pelas agencias internacionais.

Paralelamente, se tentou levantar lideranças alternativas na America Latina, sem sucesso. O caso do México nao resistiu aos primeiros problemas do governo de Peña Nieto. Outros lideres de direita, como Piñera, Uribe, foram derrotados pelo povo dos seus próprios países, enquanto o PT triunfava pela quarta vez sucessiva. Dificilmente vao conseguir fazer da Argentina de Macri uma alternativa ao Brasil.

A disputa em torno do significado do Brasil hoje no mundo é a disputa na luta entre vias de superação do neoliberalismo e das desigualdades, de que o Brasil é uma referencia central, ou a rendição aos velhos esquemas do Consenso de Washington, que fracassam aqui e fracassam também na Europa e nos EUA – de onde esses órgãos da mídia provêm.

Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros

*Artigo publicado originalmente no portal “Brasil 247”

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