Escola sem Partido é ‘escola medíocre’, diz especialista

Para tentar aprovar projeto, movimento acusa professores de fazerem doutrinação nas salas de aula e propõe proibição do debate político nas escolas

Com o argumento de acabar com o “abuso da liberdade de ensinar”, a iniciativa Escola sem Partido representa um retrocesso e um passo para tornar “medíocre” o ensino no Brasil.

“Com Escola Sem Partido, não tem possibilidade alguma de conseguir uma educação de qualidade porque vai estabelecer um tribunal pedagógico em todas as escolas e os professores não vão ter liberdade para lecionar”, alerta o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara.

Este debate veio à tona porque, atualmente, tramitam na Câmara dos Deputados, em Assembleias Legislativas e em Câmaras Municipais projetos de lei inspirados no movimento Escola sem Partido. Os textos se baseiam na acusação de que haveria uma doutrinação moral e ideológica de esquerda nas escolas e levarão à vigia e ao monitoramento dos professores. Não à toa foi apelidado de “lei da mordaça”.

Nas palavras de um dos defensores da ideia: “não é cerceamento à liberdade de expressão porque o professor não tem direito à liberdade de expressão na sala de aula”. O resultado seria uma escola sem voz, sem liberdade, sem divergências e sem cidadania, pondera Daniel Cara.

Em entrevista à Agência PT de Notícias, Cara, doutorando em educação (USP) e mestre em Ciência Política (USP), posicionou-se contra a proposta e avaliou quais seriam as consequências caso o projeto fosse aprovado. Para o pesquisador, é preocupante que este tipo de restrição – que não foi imposta nem pela ditadura – aconteça na educação.

Abaixo a entrevista completa:

Por que a possibilidade de implementar um programa como Escola Sem Partido representa um retrocesso para a sociedade brasileira?
É uma proposta completamente inconstitucional e antipedagógica. Com Escola Sem Partido, não tem possibilidade alguma de conseguir uma educação de qualidade porque ele vai estabelecer um tribunal pedagógico em todas as escolas e os professores não vão ter liberdade para lecionar. E mais do que tudo: não existe escola e projeto de educação sem expressão de ideologia. É um projeto que é completamente contrário ao bom senso pedagógico.

É inconstitucional porque fere a liberdade de expressão e a própria liberdade de cátedra, garantida no artigo 206, dos princípios da educação nacional. Entre os incisos, está a liberdade de cátedra, a liberdade pedagógica.

É um projeto que está tomando muito tempo do debate educacional. Enquanto isto, o governo interino tem feito propostas que ferem o interessa da educação nacional.

Como, por exemplo?
A PEC 241, uma PEC que vai limitar os investimentos federais na educação, de tal modo que a gente vai ter uma dificuldade enorme para garantir educação no Brasil.

Na sua opinião, o governo Temer coloca em risco a execução do Plano Nacional de Educação (PNE)?
A PEC 241 praticamente determina o fim do Plano. Vai dizer que os gastos da União, que tem mais responsabilidade porque é quem menos investe na educação, que os gastos da União vão ser ajustados não conforme a arrecadação, como é a tradição após a Constituição de 88, mas a partir de um reajuste inflacionário.

Ou seja, não vai ter ganho real. Com isto, não vai acontecer investimento em educação. Não vai melhorar o salário dos professores, escolas, universidades e escolas técnicas também não serão expandidas. O Brasil, na realidade, vai paralisar o Plano.

O Brasil não vai paralisar só na educação, mas em todas as áreas sociais, na possibilidade da garantia de direitos. Se o Temer for bem sucedido, daqui a dez anos, o Brasil vai ser muito pior do que é hoje, muito mais desigual, muito mais injusto, muito menos educado, com menos acesso à cultura

A que você atribui o fato de muitos pais apoiarem este projeto?
Eles estão mal informados porque não têm informações sobre o projeto pedagógico completo e acham que existe uma doutrinação de esquerda. Se, de fato, uma doutrinação de esquerda existisse, o Brasil não estaria como está, com a emergia da direita.

Não é só a escola que informa o aluno. É a mídia, a família, os lugares onde frequenta. Quando frequenta, as próprias igrejas. Na realidade, o fato de ter professores com posição política faz parte da vida. Assim como você tem pastores com posição política, padres com posição política. E os estudantes não são completamente alienados. Eles vão julgar o que vai ser passado para eles.

Existe uma supervalorização do processo educacional que não corresponde a uma lógica concreta da sociedade. A educação é muito importante, mas é preciso que tenha debate dentro da escola.

É muito pior porque o professor está sendo ameaçado sobre aquilo que ele vai ensinar. O pedido pelo debate é um pedido natural. O professor sofrer ameças pelo que ensina é completamente contrário a ele ser um bom professor.

Qual é a diferença entre a doutrinação e o debate político em sala de aula?
A doutrinação é algo mais raro de acontecer, porque partiria do pressuposto de que o professor em questão seria extremamente carismático e capaz de mobilizar os alunos para acreditar nas palavras dele como se fosse verdade. Isto não é o que acontece normalmente, são raríssimos os casos.

E a doutrinação não é só de esquerda, ela pode ser de direita, de esquerda. O professor doutrinador geralmente não é um bom professor, mas isso é uma ínfima minoria e que tem que ser discutida em cada escola. Não se pode estabelecer uma regra geral de punição.

No debate político, a ideia é que o professor apresente as diversas posições, dizer se concorda mais ou menos com cada uma delas. Mas estimula que os alunos tomem suas próprias decisões sobre aquilo que está sendo ensinado, sobre o que eles concordam mais ou menos.

Este projeto é contraproducente porque estas decisões tem que ser tomadas dentro da comunidade escolar, e não através de uma lei nacional e que coibe o debate em sala de aula.

É exagerado afirmar que uma eventual aprovação de um projeto como este tornaria a educação hoje no Brasil como a da ditadura?
Nem o regime militar conseguiu ser promovido um projeto como este. Claro que existia pressão e coerção política e ideológica dos professores. Este projeto é um dos ovos do fascismo hoje no Brasil.

É um projeto totalmente contrário ao interesse nacional. E, mais do que tudo, é um projeto medíocre, porque vai tornar a educação medíocre.

Por Daniella Cambaúva da Agência PT de Notícias

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