Ex-presidente da Funai fala que país corre risco de ditadura

Segundo Antônio Fernandes Toninho Costa, a Funai já vive uma ditadura, que não permite que o órgão execute as políticas previstas na Constituição

Marcelo Camargo/Agência Brasil

O ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Costa, durante entrevista coletiva sobre a sua exoneração

Exonerado do cargo de presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Antônio Fernandes Toninho Costa afirmou, em coletiva de imprensa realizada em frente à autarquia federal nesta manhã (5), em Brasília, que o Ministério da Justiça, pasta na qual a Funai está alojada, opera em descumprimento à Constituição Federal, e que tal caminho levaria o país a um regime de exceção. “Está prestes a instalar-se uma ditadura neste país, uma ditadura que a Funai já esta vivendo. Uma ditadura que não permite ao presidente da Funai executar as políticas constitucionais. (…) O governo brasileiro não cumpre o que a Constituição Federal determina”, enfatizou.

Assinada pelo chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha (PMDB), a exoneração foi publicada no Diário Oficial da União da edição desta sexta-feira. Ainda que houvesse especulações de possível exoneração nos últimos quinze dias, foi por meio da publicação que o ex-presidente soube da demissão do cargo.

Sem citar nomes ao contexto de pressão realizada pelo líder do governo, André Moura (PSC-SP) para que nomeasse 25 aliados políticos do governo para cargos estratégicos e de gestão na Funai, como denunciou a Carta Capital, Costa disse que sofreu “ingerências políticas” na sua gestão iniciada em janeiro. “A Funai é composta por cargos técnicos e concursados. Jamais poderia deixar entrar na instituição pessoas que não têm nenhum compromisso com as causas indígenas. São ingerências que partem do líder do governo. [As 25 pessoas a serem nomeadas] Nunca vieram na instituição, não conhecem a política indígena. Quem está na Funai, está por amor à causa”, problematiza.

Orientado por um conjunto de normativas e pela Constituição Federal, o quadro institucional do órgão e a União devem atuar de forma a demarcar as terras indígenas, protegê-las e fazer respeitar todos os seus bens. A não indicação de nome para ocupar a presidência após a demissão, evidencia, na avaliação de Costa, o descompromisso do Ministério da Justiça com a política pública para estas populações.

No comunicado enviado à imprensa, o ministro da Justiça Osmar Serraglio (PMDB-PR) aponta que a exoneração decorreu porque frente à “(…) extrema importância que o governo dá à questão indígena, o órgão necessita de uma atuação mais ágil e eficiente, o que não vinha acontecendo”, aponta o texto. De acordo com Serraglio, a gestão necessitava de uma “melhora”, e Costa demonstrou “ofensa ao princípio hierárquico”, ao não responder a supostas demandas do ministro.

O comunicado foi rebatido por Costa durante a coletiva. “Com certeza vou sofrer retaliações, como já estou sofrendo por este governo que diz que saio por incompetência. É desse governo que quebrou o país, que faz cortes de 44% do orçamento [da Funai] porque não teve competência para arrecadar recursos, que não convoca os 220 concursados, faz cortes de funcionários e servidores na instituição… é este governo que tem que responder por incompetência”, rebate Costa.

As declarações do ex-presidente da Funai ressoaram entre os servidores e técnicos da instituição. “Ele [Costa] afirmou que o Brasil está perto da ditadura que é o que acontece quando você rompe com a Constituição na medida em que estes cargos que estavam sendo trocados através de barganha política no Congresso e sem atender à tecnicidade que um órgão como a Funai exige. É um órgão específico, que tem a demarcação como objeto do seu trabalho, o conhecimentos do modos de vida dos povos. Essa barganha política é para acabar com essa tecnicidade,” afirma o assistente técnico da Funai, Gustavo Cruz.

Ele ainda aponta que a lógica que tentam incutir à autarquia segue em direção oposta à defesa dos indígenas e seus territórios. “Eles dizem que existem muitos vícios ideológicos, mas na verdade, a ideologia a ser cumprida pela Funai é da Constituição Federal. É contra a República que eles [os governistas] estão trabalhando, com a ideologia do maior lucro”, diz em referência ao forte interesse da bancada ruralista nas áreas de comando do executivo e legislativo.

Domínio ruralista

Na atual legislatura, a bancada ruralista tem forte presença. Como aponta a agência A Pública, do total de 513 deputados federais, 207 são da bancada ruralista. No Senado o contexto é semelhante, dos 81 senadores, cerca de 32 possuem estreitos vínculos com interesses do agronegócio. Cargos de comando também são ocupados por ruralistas. O próprio Serraglio, empossado em no dia 7 de março, sendo um nome de confiança de Michel Temer (PMDB), é coordenador jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), espaço de articulação dos expoentes do agronegócio para incidência parlamentar.

O ministro, em total dissonância com as pautas reivindicadas pelos povos indígenas, foi relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere do Executivo para Legislativo a responsabilidade pelas demarcações de terras indígenas. Sujeito à análise pela Câmara de Deputados a qualquer momento, os povos indígenas e organizações sociais demonstram preocupação pelo fato dos avalistas da PEC serem os grandes interessados nas terras indígenas.

“O ministro Serraglio não está sendo ministro da Justiça, mas de uma causa que ele defende no parlamento. Isso é muito ruim para políticas brasileiras, principalmente para minorias. Os povos indígenas precisam de um ministro que faça justiça e não que venha a pender para um lado”, diz Costa. Ele afirma ainda que a exoneração do cargo também é resultado da não adesão ao projeto político de Serraglio. “Talvez tenha contrariado o modelo que vivemos, perverso, que prioriza questões políticas em detrimento do ser humano”, diz.

Para o assistente técnico Gustavo Cruz, Serraglio atua como um “militante dos ruralistas que se manifesta a todo o momento, como se os indígenas fossem empecilho ao lucro do agronegócio”, diz. A análise dialoga com a declaração do ministro feita três dias após assumir a pasta, na qual era preciso “parar com a discussão de terras”, relativizando o papel do Estado na demarcação de terras, luta prioritária dos indígenas.

A mesma bancada ruralista é o bloco majoritário na composição da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Realizada em duas edições sem fato determinado, ou seja,que justificasse a existência da CPI, o colegiado é, na avaliação das organizações de defesa dos povos indígenas, mais um recurso institucional utilizado pelos ruralistas em causa própria.

“Consideramos que a CPI Funai-Incra é um ato preparatório da bancada ruralista para criar em clima político com o objetivo de colocar em pauta a PEC 215 e outros instrumentos legislativos que afetam os direitos fundiários e povos indígenas no Brasil. Essa CPI se estende desde 2015 e não há qualquer elemento por parte da bancada que justifique essa ação, que busca criminalizar as organizações e lideranças. A bancada ruralista tem uma série de medidas para facilitar a ação de grupos econômicos multinacionais, de titulação do território nacional”, revela o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cléber Buzatto.

Para o ex-presidente da Funai, o relatório final da CPI, documento que deve ser votado pelos membros na sessão do dia 9 de maio, revela interesses do grupo dominante. “Quem fez esse relatório não tem conhecimento das políticas indígenas. Ele atende os interesses de um segmento que é dominante na Câmara dos Deputados”. O documento sugere, por exemplo, o indiciamento de lideranças de organizações de defesa dos direitos dos povos indígenas, antropólogos e ex-procuradores da República, entre outros, por ações como improbidade administrativa e elaboração de laudos antropológicos.

A mesa diretora da CPI, que conduz os trabalhos no colegiado, é composta exclusivamente por parlamentares vinculados à FPA: Alceu Moreira (PMDB-RS), Luis Carlos Heinze (PP-RS), Mandetta (DEM-MS) e Nelson Marquezelli (PTB-SP), presidente, 1º, 2º e 3º vice-presidência, respectivamente, assim como o relator da comissão, o deputado Nilson Leitão (PSDB-MT).

Adesão popular à causa indígena

O desmonte do órgão responsável pela política indígena, a redução do orçamento no último ano e a fragilidade dos quadros institucionais, vulneráveis a interesses privados, devem aumentar os conflitos nas terras indígenas e reforçar a impunidade e injustiça social.

Até o fechamento desta matéria não foi realizada perícia no local onde foram atacados os indígenas da etnia Gamela, no Povoado de Bahias, município maranhense de Viana. A ação movida por pistoleiros locais e com conhecimento da Polícia Civil de Viana, conforme denuncia o Cimi, vitimou pelo menos 13 indígenas. O fato ocorreu no último domingo (30).

“É possível que este contexto governamental leve ao aumento dos ataques, considerando a total impunidade no Brasil e o sentimento de proteção e segurança que o agronegócio, histórico agressor, vive”, diz Cléber. No entanto, ele pontua um aumento da mobilização popular em torno da causa. “Está havendo um crescimento da mobilização da população pela causa, isso poderá constituir em pressão a esse governo”, completa.

“Se não houver um despertar da população brasileira diante do momento político que passamos, esse país vai passar por momentos difíceis, porque os indígenas jamais arredarão de reivindicar seus direitos”, finaliza Costa.

Do MST

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