Feminicídio, mulheres negras e sobreposição de vulnerabilidades

Segundo Atlas da Violência 2018, taxa de homicídio de mulheres negras é 71% superior a de não negras

Lula Marques

Marcha das Mulheres Negras em Brasília (2015)

O Atlas da Violência de 2018 traz números alarmantes e preocupantes sobre a violência contra as mulheres no Brasil, que vitima sobretudo as negras. O estudo divulgado na terça-feira (5) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta um aumento de 15,4% na taxa de homicídio de mulheres negras entre 2006 e 2016, passando de 4,6 para 5,3. Entre as mulheres não negras, que inclui brancas, amarelas e indígenas, o crescimento foi de 8%.

Considerando apenas 2016, a taxa de homicídio de negras foi de 5,3, 71% maior do que a de não negras, que foi de 3,1. Os dados reafirmam um cenário de racismo já conhecido, em que as pessoas negras são as principais vítimas de violência no país.

A pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Cristina Neme, que é umas das autoras do estudo, aponta que os homicídios, na maioria das vezes, incide sobre um perfil específico, que contempla as pessoas mais vulneráveis na sociedade.

“Isso reflete uma sobreposição de vulnerabilidades às quais esta população está sujeita, e o homicídio vai aparecer como o efeito mais grave disso. A gente tem que entender essa evolução analisando indicadores sociais. Esse conjunto vai indicar vários outros prejuízos de uma população que não está incluída na cidadania”, avalia.

O estudo mostra que Goiás apresentou a maior taxa de homicídio de mulheres negras em 2016 no país, com 8,5 assassinatos para cada 100 mil habitantes. Já a maior taxa geral foi observada em Roraima, que em 2016 apresentou uma taxa de 10 homicídios por 100 mil mulheres.

Apesar do alto índice, o estado tem uma Casa da Mulher Brasileira inutilizada. O equipamento, idealizado pelo governo da presidenta Dilma Rousseff, é um espaço onde mulheres vítimas de agressão deveriam ter acesso gratuito a serviços como apoio psicossocial e jurídico.

A previsão de inauguração do equipamento era para o final de 2016. No entanto, a ruptura democrática provocada pelo golpe influenciou no andamento do projeto, segundo a secretária de mulheres do PT-RO, Antonia Predrosa Vieira.

“Com certeza, se tivesse dado continuidade ao governo democrático que tínhamos essa Casa já estaria em pleno funcionamento. Seria uma instituição que poderia estar contribuindo com a redução desses casos”, afirma.

Entre as mulheres não negras, Roraima também obteve a maior taxa, de 21,9. Desse total, em números absolutos, 14 mulheres indígenas foram mortas em 2016, e não foi contabilizada nenhum homicídio de mulher branca ou amarela, havendo um caso de cor ou raça ignorada.

Apesar da preocupação, a secretária de mulheres destaca que os indicadores, infelizmente, não surpreendem, uma vez que faltam políticas públicas no estado, onde a maior parte do território é indígena.

“A gente vê esse número com preocupação, porque nós percebemos um descaso do poder público com essas taxas altíssimas. Isso também nos faz refletir sobre a necessidade de realmente trabalharmos lideranças feministas, que possam lutar contra esse sistema que oprime e mata as mulheres.

No Brasil, 4.645 mulheres foram assassinadas somente em 2016, segundo o levantamento. O número é 15,3% maior do que o registrado em 2006, quando 4.030 assassinatos foram contabilizados.

A pesquisadora Cristina Mene também reforça a necessidade de ampliação de políticas públicas para prevenir e enfrentar essa realidade de violência contra mulheres, destacando a Lei Maria da Penha como um desses instrumentos.

“É muito importante que essas políticas sejam ampliadas, para reprimir e para evitar que essa violência aconteça, e não só ter que enfrentar na hora que ela está na sua ameaça mais grave, que é o crime contra a vida”, completa.

O relatório não faz o recorte de feminicídio, uma vez que são utilizados dados do Sistema de Informações Sobre Mortalidade, que não faz essa distinção. Mas, a pesquisadora Cristina Mene diz que é possível estimar, a partir de outros estudos, que o feminicídio representa um considerável índice nesses casos.

“Estudos anteriores de violência contra a mulher mostram que muitas delas são assassinadas por pessoas conhecidas: parentes, companheiros, ex-companheiros, diferente do perfil da vítima masculina. Portanto, nesse universo contemplado pelo Atlas, um percentual importante, que pode chegar a 50% ou até um pouco mais, deve corresponder a feminicídio, embora a gente não tenha essa informação dentro do registro da saúde”, explica.

Ao elencar assassinatos de mulheres com base em ocorrências policiais, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2017 mostrou que no Piauí o índice de casos classificados como feminicídio chegou a 57.4% no primeiro ano de vigência da lei.

A Lei do Feminicídio foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em 2015, como uma resposta ao alto índice de violência contra as mulheres. A prática passou a ser enquadrada como crime hediondo e homicídio qualificado, com pena mínima de 12 anos de reclusão.

Na contramão dos avanços promovidos pelo governo do PT nas gestões Lula e Dilma, o governo usurpador de Michel Temer fez corte de verbas em ações sociais e redução de investimentos em diversos programas voltados para as mulheres. É importante lembrar que assim que assumiu a presidência, Temer extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, que tinha status de ministério.

Geisa Marques, Comunicação Elas por Elas

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