Figuras históricas da Democracia Corintiana se unem contra o golpe

Evento na USP juntou Wladimir, Juca Kfouri, Adílson Monteiro Alves e outras figuras do movimento democrático corintiano para dizer não ao golpe

(fotos: Paulo Pinto / Agência PT)

O vão da História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) se pintou em preto e branco no começo da noite desta terça-feira (5). O debate aberto reuniu figuras históricas da Democracia Corintiana, movimento ocorrido entre jogadores e dirigentes do Corinthians no início da década de 1980, para conversar sobre a importância da luta pela democracia. Não somente do passado, mas, principalmente, de hoje, quando ocorre uma tentativa golpista contra a presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados e em parte do Judiciário.

Entre os participantes, os protagonistas do movimento libertário de três décadas atrás: o ex-lateral Wladimir Rodrigues dos Santos, o ex-diretor de futebol e sociólogo Adilson Monteiro Alves e o jornalista Juca Kfouri. Além deles, também participaram do debate o fundador da Gaviões da Fiel, o jornalista Chico Malfitani; o também jornalista Antônio Carlos Fon; a representante do Levante Popular da Juventude, a advogada Beatriz Lourenço; e o participante do coletivo Democracia Corinthians e do Núcleo de Estudos do Corinthians (NECO), o pesquisador e jornalista Walter Falceta.

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O público se apertou para ouvir as falas dos convidados. Não se via apenas camisas alvinegras. Havia também gente vestida com as cores do Palmeiras e do São Paulo. O estudante de geografia Matheus Penteado assistiu ao debate vestido com a camisa de um dos maiores rivais do Corinthians: “Sou são-paulino, mas admiro o movimento da Democracia Corintiana, que lutou por liberdade num momento complicado do País. É muito importante estar aqui para retomar essa história”.

Ousadia e democracia
O ex-diretor de futebol corintiano Adilson Monteiro Alves foi figura decisiva para criar a Democracia Corintiana entre o fim de 1982 e começo de 1983. Com apenas 34 anos e substituindo dirigentes mais conservadores, fez um pacto com o elenco de que, a partir de então, todas as decisões passariam a ser decididas pelo voto dos jogadores. E o voto do zagueiro mais grosso teria o mesmo peso da estrela do time.

“Não vai ter golpe”, começou sua fala, aos aplausos do público. Ele afirmou que o momento atual relembra a luta pela democracia de décadas atrás. “Eu estive ao lado de Sócrates, Casagrande, Wladimir, Juca Kfouri, Fon. A nossa tentativa na época era que o esporte marchasse ao lado do povo e contra a ditadura. Agora, estamos enfrentando um movimento que quer dar um golpe na nossa jovem democracia”.

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Depois, o microfone passou às mãos de Beatriz Lourenço, que destacou a importância de todos estarem atentos para agir contra o golpe. “Este evento resgata a importância de sermos ousados quando tentam nos reprimir. A Democracia Corintiana foi ousada”.

“Ao atacar o Corinthians e sua torcida, atacam a capacidade do povo de ser grande e organizado. A gente só consegue enfrentar as tentativas golpistas com organização e luta, seja na universidade, no bairro ou no clube. Nós não temos um governo perfeito, mas não vamos avançar com um golpe”, afirmou.

O time do povo
“O Corinthians é o time do povo e o povo que vai fazer o time”. A frase, dita por Miguel Bataglia em 1910, ao fundar o Corinthians, foi citada por Walter Falceta. Ele explicou que o clube foi criado por operários, carroceiros e pequenos comerciantes e sempre teve em sua identidade a luta pelas causas populares.

“O Corinthians é mais que uma agremiação esportiva, é algo que dá vez e voz ao povo. Claro que temos corintianos do outro lado, mas em momentos decisivos sempre tomamos a frente, como ocorreu na Democracia Corintiana. O Corinthians iluminou as mentes contra a ditadura militar. Sempre estivemos na vanguarda e estaremos na vanguarda agora. Este é o momento para isso novamente”, afirmou.

O jornalista Juca Kfouri exaltou a importância de personagens da Democracia Corintiana e criticou as tentativas golpistas em vigor no Brasil. “Estamos vendo quem perdeu não aceitar jogar o jogo democrático. Acha que o governo está fraco? Derrote-o nas urnas. Na democracia, pesquisa de verdade é nas urnas”.

“O sentido de estarmos aqui é maior que a Democracia Corintiana. É a democracia. Na plateia há não corintianos e vocês são muito bem-vindos. São todos bem-vindos, menos o golpe. Não vai ter golpe”, finalizou.

Máfia da Merenda
Chico Malfitani fundou a Gaviões da Fiel com um grupo de amigos para derrubar “o ditador Wadih Helu” da presidência do clube em 1969. Para ele, é muito estranha a perseguição da polícia contra a Gaviões justamente quando a organizada protesta contra a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a Rede Globo e, principalmente, contra a Máfia da Merenda do governo Geraldo Alckmin, em especial contra o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo(Alesp), o deputado estadual Fernando Capez.

“Nós protestamos contra o horário absurdo de jogos às 22h da Globo, é um horário completamente contra o trabalhador. Também protestamos contra um dos piores crimes que pode existir: roubar merenda de crianças. Pouca coisa pode ser pior. Sabíamos que, com os protestos, haveria represália. Dito e feito. No dia seguinte da manifestação na Alesp a polícia invadiu com cachorros a sede dos Gaviões”.

Sobre a violência de torcedores organizados, Malfitani explicou que a torcida é reflexo da sociedade em que vive. “Há violência entre as torcidas porque há violência no Brasil. Quando me perguntam por que os Gaviões eram menos violentos em 1969 do que agora, eu lembro que em 1969 morria uma pessoa de forma violenta em São Paulo num fim de semana. Hoje morrem 50. Se um dia a sociedade for mais pacífica, todas as organizadas, naturalmente, também serão. A organização do povo incomoda, e os Gaviões são o povo”.

O jornalista finalizou: “A PM comete chacinas e por isso todos vão achar que tem que acabar com a PM? Bem, por mim eu quero que acabe…”.

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O mais aplaudido da noite foi o ex-lateral Wladimir, o jogador que por mais vezes vestiu a camisa corintiana dentro de campo e figura decisiva do movimento democrático da década de 1980. Ele contou detalhes do movimento, como o fim da concentração obrigatória entre os jogadores, e disse, emocionado: “Eu sou uma pessoa antes e uma outra pessoa depois da Democracia Corintiana”.

A noite terminou com Katia Bagnarelli, viúva de Sócrates, principal mentor da Democracia Corintiana, que falou sobre a importância do craque para a vida esportiva e política do País. “Ele certamente estaria aqui”, afirmou. E todos da bancada balançaram a cabeça afirmativamente.

Por Bruno Hoffmann, da Agência PT de Notícias

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