Golpe abre espaço para voto de desconfiança, avalia cientista

Em entrevista, professor José Paulo Martins Jr., da UFRJ, condena processo político. Para ele, a iniciativa pode causar turbulência institucional

Foto: Lula Marques/Agência PT

A atual condução do processo de impeachment para afastar do cargo a presidenta, Dilma Rousseff, introduz no Brasil um voto de desconfiança típico dos sistemas parlamentaristas. A avaliação é do professor José Paulo Martins Jr., da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ).

Segundo ele, o processo é “simplesmente político” e abre espaço para uma turbulência institucional no futuro. “Acabaram introduzindo um voto de desconfiança num regime presidencialista. Qual o problema de um presidente governar com apoio minoritário no Congresso? Isso acontece nos EUA, por exemplo”, lembra Martins Jr. “No Brasil, agora se abre a possibilidade de o presidente perder o apoio político, porque não fez uma condução política adequada, e sofrer um impeachment. Um impeachment simplesmente político.”

Foto: Arquivo PessoalMestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), José Paulo Martins Jr. concedeu entrevista à Agência PT de Notícias e avalia que o Senado só reverte a votação na Câmara dos Deputados se houver pressão popular. Ele também criticou o comportamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “Que força o STF tem para interferir?”, questiona. “Não é uma questão de força, é de interesse.”

O cientista político avalia que pode haver uma reaproximação das esquerdas no processo e diz que há parcialidade na adoção das pedaladas fiscais para justitificar o pedido de impeachment contra Dilma quando outros governantes adotaram as mesmas práticas. “O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), pedalou. Mas ele não vai sofrer um impeachment nunca na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Pode pedalar o quanto quiser, ele pedalou muito mais que a Dilma”, disse.


Leia a seguir a entrevista:

Qual a chance de barrar o impeachment no Senado?
Dependendo de como as coisas se desenrolarem, pode acontecer. São dois terços dos senadores, vai haver um espaço de defesa mais amplo, podem acontecer manifestações de rua e há um desgaste muito grande de imagem de Michel Temer e Eduardo Cunha. Esse contexto pode permitir que se reverta no Senado o impeachment. O que é complicado é o poder econômico, midiático e a postura do Judiciário. De certa forma, estão agindo em conluio, porque toda essa pressão sobre Dilma não vai acontecer sobre Temer ou Cunha de jeito nenhum. Não vai ser nem sombra da pressão sobre ela. 

A capacidade de mobilização das forças populares tem que ser muito grande. Na realidade, o governo da Dilma não foi um governo popular, com capacidade de mobilização de rua. A população em geral, mesmo reconhecendo os avanços dos governos do PT, está com a percepção de que não faz muita diferença, até porque os governos neoliberais do Fernando Henrique Cardoso já ficaram no passado, as pessoas não lembram como era. É muito mais evidente essa crise financeira de agora do que as crises do passado. Então, o tempo passa e a bola da vez é o PT. 

 

E o que se pode esperar disso?
Vai demorar para reconstruir o PT que conhecemos [depois desses ataques]. Pode haver uma rearticulação de forças de esquerda, talvez uma aproximação com o PSOL. Não sei se dá para confiar na possibilidade de um grupo importante de parlamentares do PT deixarem o partido, como foi noticiado e desmentido depois.

Numa avaliação sociopolítica do que está acontecendo na sociedade brasileira, em relação ao pacto social e às forças representadas no Congresso, com a derrocata da correlação de forças está que permitiu a eleição de Lula e os governos do PT, como o se. vê essa disputa no Parlamento e na sociedade?

Boa parte dos movimentos, que me incomoda chamar de sociais, como o Movimento Brasil Livre ou o Vem pra Rua, são de pessoas que se chamam de movimentos sociais, mas cuja principal bandeira está sendo conquistada, que é tirar o PT do poder. Entendo que vai haver um refluxo desses movimentos, e eles vão se recolher. Por outro lado, todo o ataque ao PT e à Dilma uniu os setores de esquerda que estavam dispersos. Pode haver uma rearticulação pela esquerda, uma volta às ruas. Há incentivo para ir às ruas. Não sabemos quais as forças que podersão fazer mobilizações de rua. Porque não haverá apoio da mídia.

A Globonews, por exemplo, não vai se mexer para pedir “fora, Temer” ou “fora, Cunha”. Pode esquecer isso. Há novos atores que estão na rua, que passam a mostrar a cara, que disputam as ruas. A esquerda e o PT, que sempre foram mais frágeis em relação ao poder econômico e ao poder midiático, continuam fragilizados e podem ficar sem o governo. Voltar para a oposição pode fazer retomarem o discurso crítico que haviam perdido, algo em que o PT sempre foi bom. Os setores da esquerda vão tentar manter alguma mobilização no processo do Senado. Mas o remédio amargo que está sendo proposto pelo PMDB vai levar à reação, porque vai haver mexida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O futuro é difícil de prever, especialmente o horizonte de 2018. Marina Silva, Ciro Gomes e Lula são nomes, e o PMDB não tem candidato. Temer não tem condições de ganhar, o PSDB se fragilizou, mesmo estando contra Dilma. Então, há uma situação política volátil.

 

O quanto haverá o avanço de uma pauta conservadora num Congresso que já mostrou essa tendência de restringir direitos dos trabalhadores?
Já está acontecendo, pode avançar mais ainda. Isso pode ser um combustível importante para mobilizar as forças de esquerda. Se começar um ataque muito frontal a direitos sociais, ataques à pauta de avanço nos direitos civis, com retrocesso na questão do conceito de família, esse tipo de coisa pode criar conflitos. E acontece algo muito grave: vários setores agiram por fora da democracia no sentido do voto. Os argumentos são de que a manifestação do Congresso também é democrática, que o impeachment está na Constituição, mas muitos setores sociais percebem como um golpe. Subverteram a ordem para chegar ao poder. Em virtude de terem sido derrotados nas eleições, encontraram um atalho para chegar ao poder. Isso certamente deslegitimou o poder político aos olhos dos setores mais amplos da população, piorando uma percepção que já era ruim antes. Os mais radicais podem pensar em medidas mais extremas. Há uma deslegitimação do poder político muito grave nesse processo. E é um problema para a democracia. Pode haver tumulto, desordem? Não descarto essa possibilidade, porque tem gente não tem nada a perder. Se começam uma pauta muito regressiva de direitos, como acabar com o Bolsa Família, com as cotas na universidade, com o Minha Casa, Minha Vida, esse tipo de coisa, pode haver um movimento mais violento sim.

 

Será possível acabar com esses avanços sociais dos governos do PT?
A princípio não dá para acabar. Com Temer, vão começar a propor algumas pautas de terceirização da CLT, desarmamento, mas conseguir desmontar, da noite para o dia, não vão conseguir, porque vai ter reação. Para isso, eles precisam ganhar as eleições em 2018. E está muito fragmentado o cenário.

 

Qual o papel do STF nesse processo ainda em curso? Acredita que pode intervir na decisão do Congresso Nacional?
Pelo que estamos vendo até agora, isso não acontece. Não sei se estão aguardando para tomar alguma medida, mas concordo com Lula nessa questão de que o Supremo está totalmente acovardado. Esse é um legado negativo do PT também, a composição de um STF que vai se manter com essa cara de paisagem pelos próximos tempos.


O nível de argumentação para o voto “sim” ao impeachment na Câmara dos Deputados demonstrou que o processo foi aberto por outras razões e não por conta das pedaladas. Quais as consequências disso?
O que o STF está dizendo até agora é que o Congresso é soberano para tomar essa decisão. Acabaram introduzindo um voto de desconfiança num regime presidencialista. Qual o problema de um presidente governar com apoio minoritário no Congresso? Isso acontece nos EUA, por exemplo, o presidente não tem maioria na Câmara e no Senado. Isso pode acontecer. No Brasil, agora se abre a possibilidade de o presidente perder o apoio político, porque não fez uma condução política adequada, e sofrer um impeachment. Um impeachment simplesmente político. Agora, em qualquer governo se pode encontrar um subterfúgio jurídico para fazer o impeachment. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, pedalou. Mas ele não vai sofrer um impeachment nunca na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Pode pedalar o quanto quiser, ele pedalou muito mais que a Dilma. Isso indica que é um movimento puramente político. Que força o STF tem para interferir nisso? Não é uma questão de força, é de interesse, porque não é possível o pedido do [procurador-geral da República Rodrigo] Janot estar lá e não terem apreciado. É matéria interna corporis? Então aprecia e diz: “é interna corporis”, não é problema nosso, o Congresso que resolva. Mas nem isso acontece.

Por Camilo Toscano, da Agência PT de Notícias

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