Governo Temer é tolerante com a corrupção, afirma Berzoini

Em entrevista à Agência PT, ministro do governo Dilma também falou que arrecadação para as viagens da presidenta mostra mobilização da sociedade contra o golpe

ex-ministro da Previdência do governo Lula, Ricardo Berzoini Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

Ministro-chefe da Secretaria de Governo da presidenta eleita Dilma Rousseff, Ricardo Berzoini concedeu entrevista exclusiva à Agência PT de Notícias. Entre os assuntos abordados estão o relacionamento da presidenta com o Congresso Nacional, as características neoliberais do governo golpista de Michel Temer e a relação desse governo usurpador com a corrupção.

“Os áudios vazados em relação à investigação do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, mostram claramente que é um governo que tem na verdade um padrão de tolerância com a corrupção”, afirmou.

Responsável pela articulação política do governo Dilma com o Congresso, Berzoini destacou a operação liderada pelo então presidente da Câmara, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), “no sentido de criar um ambiente de paralisia, de passar a ideia ao País que o governo era incapaz de governar”. Na sua avaliação, isso está diretamente vinculado com o processo de impeachment da presidenta, “que foi evidentemente uma estratégia clara de Cunha e Temer para viabilizar o golpe”.

Sobre a campanha de arrecadação para ajudar a custear as viagens de Dilma, Berzoini afirmou que a sociedade começa a perceber que houve um golpe no Brasil e reprova a atitude de Temer de restringir o acesso da presidenta aos voos da FAB.

“É uma tentativa de impedi-la ou restringir a sua capacidade de viajar pelo País denunciando aquilo que ocorreu: um golpe contra a democracia. O Temer tem medo da Dilma, o Eduardo Cunha tem medo da Dilma. Todos têm medo do povo. E por isso querem impedir que ela viaje e possa mobilizar a opinião contra o golpe que foi constituído contra o mandato da presidenta Dilma”, disse.

Berzoini também acumula experiência nas áreas de Previdência Social e Trabalho, quando foi ministro das duas pastas no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse golpe é contra os direitos sociais do povo. Eles querem fazer mudanças drásticas na Previdência, no SUS, no sistema educacional, mudanças que remetem a década de 90, ao governo Fernando Henrique Cardoso. Aquele governo que tanto prejudicou o País e que causou o maior desemprego da história da nação brasileira”, apontou.

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Foto: Roberto Stuckert Filho/PR

Leia a entrevista completa com Ricardo Berzoini:

Muitos afirmam que a presidenta Dilma não tinha um bom relacionamento com o Congresso. Qual o problema que ocorria?
Na verdade desde 2015 houve uma resistência muito grande de vários partidos em relação a temas fundamentais para reorganizar a política econômica e a ação do Estado. E claramente isso está vinculado a um projeto de impedimento, de impedir Dilma de governar e isso acabou resultando em um impasse político. Muitas vezes aprovamos várias questões, mas outras deixaram de ser aprovadas e eu acho que isso demonstrou claramente que havia uma operação do Eduardo Cunha e de alguns líderes no sentido de criar um ambiente de paralisia, de passar a ideia ao País que o governo era incapaz de governar. E acabou resultando na autorização para abertura do processo de impeachment, que foi evidentemente uma estratégia clara de Cunha e Temer para viabilizar o golpe.

Quais os projetos que Dilma enviou e que não foram levados adiante pelo Congresso por conta desse projeto de impedir a presidenta de governar?
Várias questões no aspecto fiscal, por exemplo, para melhorar a arrecadação do Estado e para permitir que o governo tivesse recursos suficientes para enfrentar a crise econômica. Nós tivemos várias situações. Um projeto que estabelecia uma nova forma de cobrança de imposto de renda sobre as pessoas jurídicas foi derrubado pelo Congresso.

Outro projeto que instituía a progressividade do ganho de capital foi modificado de uma tal forma que acabou perdendo grande parte da sua importância. Então foram várias situações que o Congresso não deu o respaldo necessário para que o governo pudesse enfrentar a crise.

Isso acabou agravando ainda mais a crise?
Isso agrava a crise, porque evidentemente quando você tem uma situação de crise econômica, algumas medidas são essenciais para restabelecer a confiança dos investidores, a confiança do povo de que haverá uma saída para a crise.

Nesses momentos, normalmente o Legislativo mesmo não concordando com o Executivo, procura colaborar. Eu era deputado de oposição no governo de Fernando Henrique Cardoso e algumas vezes votamos favoráveis a algumas medidas que nós não tínhamos plena concordância para ajudar o País a sair da crise. E é isso que o povo espera do Legislativo, que mesmo tendo divergências, procure saídas e caminhos para enfrentar uma crise econômica que tem impacto sobre o emprego, sobre a renda e sobre a arrecadação do Estado.

Qual a sua opinião sobre a retirada, por Temer, da prioridade na tramitação do pacote anticorrupção, enviado por Dilma ao Congresso?
É lamentável, porque o Brasil vive hoje uma grande crise nesse assunto e é fundamental que o Congresso possa legislar para ampliar as garantias da sociedade civil, e aumentar a capacidade do Estado de perseguir aquilo que é necessário para recuperar o dinheiro desviado e para punir as pessoas que tenham tido culpa no processo.

Retirar a urgência significa jogar para as calendas a votação e não dar prioridade que a presidenta Dilma deu para esse tema. Esse tema não é para a gente deixar em segundo plano. É um tema central para reconstituir a autoridade política do Legislativo, do Executivo e também permitir que nós possamos fazer um processo de investigação mais profundo, que mostre as raízes efetivas do problema da corrupção no Brasil.

Então esse governo interino não veio para combater a corrupção?
Não veio. Isso está claro. A própria demonstração dos áudios vazados em relação à investigação do ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, mostra claramente que é um governo que tem na verdade um padrão de tolerância com a corrupção.

Nós acreditamos que a corrupção é um problema sério que atinge vários partidos, praticamente todos os partidos têm algum grau de problema com esse tema. Nós entendemos que o povo brasileiro, independentemente de posições políticas, quer um combate efetivo e firme à corrupção.

Para que isso ocorra, além das leis que já foram aprovadas no passado e que foram todas sob inspiração do presidente Lula e da presidenta Dilma, foram todas aprovadas entre 2003 e 2014, essas leis permitiram que muito do que está vindo à tona agora fosse investigado. E evidentemente se não houver um aperfeiçoamento ainda maior na legislação, nós teremos dificuldades para alcançar esse objetivo, que é combater com firmeza e com muita eficiência a corrupção no Brasil.

A “vaquinha” de arrecadação para as viagens da presidenta Dilma alcançou e passou da meta em menos de três dias. Isso mostra uma mobilização da militância petista?
Mostra uma mobilização da sociedade, porque uma boa parte das contribuições foi de pessoas que não têm filiação ao PT, não têm filiação a partido nenhum. São pessoas da sociedade que percebem, primeiro, que houve um golpe, que é preciso restabelecer a democracia, e segundo lugar, que a atitude de Michel Temer e de sua equipe de restringir o acesso da presidenta aos voos da FAB, estabelecendo que quando não for para Porto Alegre tem que ser ressarcido, evidentemente é uma tentativa de impedi-la ou restringir a sua capacidade de viajar pelo País denunciando aquilo que ocorreu: um golpe contra a democracia. O Temer tem medo da Dilma, o Eduardo Cunha tem medo da Dilma. Todos têm medo do povo. E por isso querem impedir que ela viaje e possa mobilizar a opinião contra o golpe que foi constituído contra o mandato da presidenta Dilma.

Dilma em ato em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência PT

Dilma em ato em São Paulo.
Foto: Paulo Pinto/Agência PT

E a arrecadação demonstra que nós temos apoio. Em uma semana, eram mais de 10 mil pessoas que contribuíram e quase 700 mil reais arrecadados. E a gente espera que as pessoas continuem contribuindo, porque na verdade essa meta inicial de 500 mil foi uma meta para testar a capacidade de mobilização.

Já comprovamos que há mobilização. Vamos contribuir mais, porque as despesas com viagens vão continuar, porque a presidenta Dilma está disposta a viajar por todo o Brasil defendendo a democracia e dizendo claramente que ela quer voltar para governar com o povo, governar com a sociedade civil para tirar o Brasil da crise.

Como está a mobilização para a volta da presidenta Dilma? O que é preciso fazer para que ela volte?
Primeiro é preciso que todos os militantes e não só do PT, mas de todos os partidos que têm compromisso com a democracia, as pessoas que são militantes do movimento social, a comunidade acadêmica, a comunidade jurídica, os estudantes, enfim, todos aqueles que têm compromisso com as liberdades democráticas, denunciem no dia a dia. Na família, no seu local de trabalho, na escola, na igreja. Em qualquer ambiente social, que nós possamos denunciar que está em curso um golpe contra a democracia e que isso é muito perigoso.

Segundo lugar, mostra que esse golpe é um golpe contra os direitos sociais do povo. Eles querem fazer mudanças drásticas na Previdência, no SUS, no sistema educacional, mudanças que remetem a década de 90, ao governo Fernando Henrique Cardoso. Aquele governo que tanto prejudicou o País e que causou o maior desemprego da história da nação brasileira.

Em terceiro, existe uma necessidade hoje que nós possamos pressionar de uma maneira democrática e respeitosa, mas pressionar os senadores que ainda estão indecisos e também aqueles que estão dizendo que vão votar pelo impeachment, para mostrar que terá consequência. Votar pelo golpe terá consequência negativa para os senadores, que é uma avaliação negativa por parte da opinião pública e dos eleitores. Essas pessoas vão disputar eleições e vão se submeter à apreciação popular. É preciso que eles saibam que votar a favor do golpe terá consequências eleitorais para esses senadores que estão hoje tentando consolidar uma situação antidemocrática no nosso País.

O senhor comparou o governo interino de Temer com a gestão tucana de FHC. O governo golpista de Temer tem características neoliberais?
O apoio que setores importantes do empresariado e da mídia deram ao golpe é justamente no sentido de aprovar o projeto da terceirização sem limites, mudanças na previdência e o enfraquecimento da proteção social prevista na Constituição de 1988.

A terceirização sem limites, como eles querem, é algo que vai prejudicar frontalmente os trabalhadores, os sindicatos que vão perder capacidade de negociação, e os direitos sociais de maneira geral.

Eles têm interesse também de aprovar mudanças profundas na Previdência Social. A previdência brasileira precisa de reforma, nós nunca negamos isso. Mas o que eles estão tentando aprovar é no sentido de impedir boa parte dos trabalhadores de chegar ao direito previdenciário, ou seja, à aposentadoria, pensão por morte e outros direitos.

E terceiro, o enfraquecimento da Constituição de 88, que estabeleceu um guarda-chuva de proteção social através do SUS, através do sistema educacional, da assistência social, regras que garantiram que o Brasil seja um país menos injusto ou um pouco mais justo. Nós precisamos avançar mais e eles estão buscando retroceder.

FHC, Temer e Sarney. Foto: José Cruz/Agência Senado

FHC, Temer e Sarney.
Foto: José Cruz/Agência Senado

E na economia, como o senhor avalia as medidas econômicas do governo Temer?
O Governo temer está levando o Brasil para um impasse econômico. Nós temos um problema fiscal grave e temos um problema de combater a inflação. Isso todos nós sabemos e todos nós buscamos encontrar uma saída para essas duas questões fundamentais.

Mas o governo Temer está sobrevalorizando a nossa moeda, o Real. O que pode parecer bom, por exemplo, para quem tem dívidas em dólar, ou para quem quer viajar para o exterior, mas é péssimo para a indústria brasileira. A indústria nacional precisa ter capacidade de exportar mais para gerar mais empregos e mais investimentos. E com o dólar barato, a indústria não consegue ter competitividade.

Então vários setores da indústria já estão manifestando a preocupação. E nós achamos que uma das formas de estabelecer um dólar que seja efetivamente competitivo para a indústria nacional é retomando a estratégia que a presidenta Dilma vinha levando a cabo antes de ser afastada, que é buscar um equilíbrio entre a questão cambial, a questão dos juros e a questão fiscal.

São três temas que têm que ser bem harmonizados para que o Brasil tenha inflação baixa, juros baixos e o dólar em um patamar que permita à indústria exportar e exportar muito, porque só isso leva a uma competitividade e geração de emprego, renda e atividade econômica.

Dilma voltando, como resolver o impasse com esse congresso?
Será uma articulação a partir da dinâmica política da sociedade. É bom lembrar que Executivo e Legislativo existem e são eleitos, mas que a sociedade está vigilante permanentemente para cobrar. Então se a presidenta Dilma volta à Presidência, evidentemente ela tem que dialogar com todos os partidos políticos para construir uma nova base.

Mas dialogar também com a sociedade, para mostrar que a governabilidade parlamentar é importante, mas não é mais importante do que a governabilidade social. Ou seja, o povo pressionando o Legislativo, pressionando o Executivo, para que os seus direitos e as suas aspirações sejam levados em consideração prioritariamente.

Acho que isso é que nós precisamos ter cada mais claro aqui no Brasil. Não adianta eleger deputados e senadores. É preciso vigiar, mobilizar, é preciso pressionar o Executivo e o Legislativo permanentemente. É assim que as grandes democracias do mundo se constituíram. E se o Brasil não caminhar para essa trilha, evidentemente a nossa democracia será sempre uma democracia de fachada. Você participa da eleição, mas depois o mundo político governa sem prestar contas para a sociedade.

Por Luana Spinillo, da Agência PT de Notícias

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