Luciano Coutinho: O BNDES e o Tesouro Nacional

Entre outros objetivos, a atuação do BNDES é crucial para viabilizar um patamar de investimentos mais alto do que ocorreria sem o banco

Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

A manchete da Folha do último dia 9 dizia que o custo fiscal dos empréstimos do Tesouro Nacional ao BNDES seria de R$ 184 bilhões nas próximas quatro décadas. O valor é relevante, embora em termos relativos corresponda a 0,1% do PIB do período. Mais importante, ainda que em tese correta, a estimativa é incompleta, pois desconsidera os benefícios, isto é, o retorno do banco e os impactos sobre o investimento e sobre a geração de tributos.

A projeção de R$ 184 bilhões se baseia nas estimativas do custo futuro da dívida pública, aproximado pela taxa Selic, e da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), referência dos financiamentos do BNDES. É relevante notar que, em 45 anos, pequenos desvios na diferença entre essas taxas provocam grandes impactos no resultado final.

Nesse sentido, é mais apropriado comparar a Selic com a TJLP acrescida da margem de lucro do BNDES. O ganho do banco se reverte ao Tesouro na forma de impostos e dividendos ou retenção de resultado de uma empresa integralmente da União. Por exemplo, de 2009 a 2014, o BNDES pagou cerca de R$ 100 bilhões entre dividendos e tributos, a valores atuais corrigidos pela Selic.

Além disso, os empréstimos de longo prazo do BNDES financiam investimentos que em boa medida não ocorreriam na ausência desse crédito. Isso origina venda de máquinas e insumos, que elevam a arrecadação. Esse efeito fiscal também precisa ser levado em conta.

Projetamos três cenários para avaliar os custos e os benefícios dos empréstimos do Tesouro ao banco. São estimativas conservadoras, pois não incluem os efeitos multiplicadores do investimento sobre a renda e sobre a receita tributária indireta associada. Tampouco consideram os efeitos de longo prazo sobre o potencial de crescimento da economia.

O cenário 1 baseou-se nas projeções do mercado financeiro para a Selic (boletim Focus), em que ela cairia do patamar atual de 14,25% ao ano até se estabilizar em 10% em 2018. É um cenário que carrega o pessimismo do momento. A TJLP seria de 7,5 % a partir de 2016.

O cenário 2 também segue o Focus, mas, numa perspectiva mais razoável, a Selic continuaria caindo suavemente a partir de janeiro de 2018 até se estabilizar em 8% em 2022. A TJLP cai para 6%. Em contraposição, tomou-se um cenário 3 ainda mais conservador que o primeiro. A Selic cairia lentamente do patamar atual para 11,8% em janeiro de 2020, continuando a decrescer nos dois anos seguintes até se estabilizar em 10%. A TJLP seria de 7,5%.

A margem bruta de intermediação financeira do BNDES, descontados seus custos operacionais, seria de 1,8%, semelhante à verificada de 2009 a 2014. No cenário 1, o custo estimado da diferença Selic-TJLP é de R$ 180,7 bilhões, próximo ao apresentado na Folha. Ao incorporar-se a margem do BNDES, porém, o custo cai para R$ 44,5 bilhões.

Somando-se ainda a receita tributária associada aos investimentos adicionados e descontando-se o custo das equalizações futuras do Programa de Sustentação do Investimento, o valor presente do benefício fiscal líquido é positivo em R$ 16,6 bilhões. No cenário 2, o efeito líquido é positivo em R$ 33 bilhões.

Apenas no cenário 3 haveria um custo líquido de R$ 12,8 bilhões, que ainda assim seria menos de um décimo da estimativa do jornal. Ao se considerar a geração de tributos e lucros, os custos fiscais esperados dos empréstimos do Tesouro ao BNDES passam a ser significativamente menores do que os divulgados. É bem possível que os benefícios sejam maiores que os custos.

Neste momento de instabilidade econômica, as perspectivas de juros mais altos elevam as estimativas dos custos, que mudarão quando os esforços de redução da inflação tiverem efeitos mais evidentes.

Por fim, é preciso destacar que os benefícios mais relevantes não se resumem às receitas fiscais. Entre outros objetivos, a atuação do BNDES é crucial para viabilizar um patamar de investimentos mais alto do que ocorreria em sua ausência, o que aumenta a capacidade produtiva e a produtividade e, assim, amplia o potencial de crescimento do país.

(Artigo inicialmente publicado no jornal “Folha de S. Paulo”, no dia 26 de agosto de 2015)

Luciano Coutinho é economista, professor da Unicamp e presidente do BNDES

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