Mídia influencia discurso a favor da criminalização da juventude

Apenas 0,1% dos adolescentes brasileiros se envolveram com atos infracionais que restringem a liberdade, mas a cobertura jornalística insiste em responsabilizar adolescentes pela violência no país

O número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de restrição de liberdade, aplicada para crimes mais graves, como homicídio, latrocínio e estupro, representa apenas 0,1% do total de brasileiros na mesma faixa etária. Entretanto, quase 90% da população é a favor da redução da idade penal. A explicação para essa distorção estaria, segundo especialistas, na maneira como os veículos de comunicação abordam o tema.

“A mídia produz, magnifica, coloca aquela notícia e ela vai se repetindo. E ficam martelando que é uma injustiça e que os mais velhos se valem dos mais jovens”, afirmou a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, para a “Agência Brasil”.

A jornalista e especialista em racismo, Maria Carolina Trevisan, concorda. “Em geral, a imprensa tem coberto a maioridade penal e a questão do adolescente em conflito com a lei com tendências ideológicas”, analisou, durante o seminário ANDI 21 anos: a mídia brasileira e os direitos humanos, realizado semana passada, em Brasília.

Em três anos, o índice de adolescentes brasileiros que cometeu homicídios caiu 6,09%. Em 2010, eles eram 14,9% do total de apreendidos. Em 2013, passaram para 8,81%. Em contrapartida, 90% dos crimes no Brasil são cometidos por pessoas com mais de 18 anos.

Análises de mídia produzida pela organização ANDI – Comunicação e Direitos, apontam que a opinião das especialistas não é infundada. Um estudo reuniu matérias produzidas sobre redução da idade penal por oito jornais, quatro revistas e um programa de televisão. Ao todo, foram analisadas 266 textos e cinco reportagens televisivas, entre abril e maio de 2013.

O levantamento apontou que os principais veículos de comunicação tendem a uniformizar o discurso. Uma cobertura reducionista, que “negligencia o debate sobre as potencialidades e desafios do sistema socioeducativo e catalisa o medo coletivo, não raro induzindo a população ao clamor pela redução da idade penal”, informa o documento.

Cerca de 80% da cobertura concentra-se em acontecimentos, como a morte do menino João Hélio, em 2007. De acordo com o estudo, quando a cobertura jornalística sobre regras de responsabilização fica excessivamente focada em crimes violentos, termina construindo a percepção na sociedade de que os adolescentes são os grandes responsáveis pela violência letal no país.

Uma hipótese refutada pelos fatos. Os atos infracionais mais cometidos são roubo, tráfico de drogas e furtos (69,9%), de acordo com o Levantamento Anual dos Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de 2013, o mais recente. Já os atos contra a pessoa (homicídio, latrocínio e estupro) são 12,67% do total.

Ao contrário do senso comum, os adolescentes são muito mais vítimas que algozes. Os homicídios são 36,5% das causas de morte, por fatores externos, da população entre 12 e 18 anos no Brasil. Entre a população total, o índice é de 4,8%.

“Um total de 8,6 mil crianças e adolescentes foram assassinados no Brasil em 2010, sem que o noticiário registrasse a indignação demonstrada em relação aos casos em foco”, avalia o estudo.

A negligência seletiva dos veículos de comunicação está relacionada ao perfil das vítimas de violência: são jovens do sexo masculino, negros, moradores de bairros periféricos e com baixa escolaridade.

Marco legal – O estudo aponta ainda que a maioria dos textos concentra-se em debater a eficácia das regras estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no que tange à punição de adolescentes. Ao todo, 59,8% das matérias trataram sobre a idade penal.

O Sistema de Garantia de Direitos e as políticas públicas de prevenção receberam atenção em apenas 0,8% do conteúdo analisado. Um desvio em relação a estudos que apontam investimentos em políticas sociais de redução das desigualdades e inclusão como medidas eficazes de prevenção à violência.

Como formadora de opinião e, muitas vezes, o único canal pelo qual a população tem acesso a algumas informações, a maneira como a imprensa aborda determinados assuntos ajuda a construir o imaginário social e influencia o debate público, alerta a publicação.

Em entrevista à “Agência Brasil”, o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Thiago Bottino, alertou que a redução da idade penal é uma medida populista que não vai diminuir os índices de violência. “A população, de modo geral, mostra-se mais favorável a essa redução sempre que é noticiado um crime envolvendo adolescentes”, afirmou.

Por Cristina Sena, da Agência PT de Notícias

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