Milton Pomar: Espraiar os valores e realizações da Esquerda

Precisamos espraiar os valores e realizações da Esquerda no Brasil, mas fazer isso de maneira diferente da atual, de comparações numéricas entre as realizações do “antigo” (2003/2010), e não-realizações do…

Foto: Arquivo Pessoal

Precisamos espraiar os valores e realizações da Esquerda no Brasil, mas fazer isso de maneira diferente da atual, de comparações numéricas entre as realizações do “antigo” (2003/2010), e não-realizações do “mais antigo ainda” (1995/2002), seguindo o princípio de que contra os números não há argumentos, e em geral com uma agressividade que não nos ajuda a ganhar as pessoas. No máximo, ganha-se o debate de quem discorda de nós, e que continuará discordando, apesar dos argumentos consistentes que lhes apresentamos, sobre, por exemplo, a quantidade de escolas técnicas e universidades criadas por um e pelo outro, ou as dezenas de milhões de pessoas sendo atendidas por mais médicos e médicas, graças ao programa criado no governo Dilma.

Justamente porque as diferenças são muito grandes, ganhamos no conteúdo e perdemos na forma, porque as pessoas se sentem humilhadas ou irritadas pela maneira como é feito o debate. E há quem piore as coisas, debochando dos partidários dos outros candidatos, e/ou de quem é contra a Esquerda, ou, apenas desconhece os fatos. Desse jeito, estamos errando feio.

E o que é pior, contribuindo para a formação de uma “torcida adversária”, gente que por várias razões racionais deveria estar conosco, mas acaba no time dos anti-Esquerda.

Essa questão é muito importante, na disputa política e ideológica ora travada, “aquecimento” para a disputa eleitoral a partir de julho: costumamos enfrentar a retórica dos adversários com argumentos consistentes, racionais, frios. E retórica é paixão, é mentira, não se sustenta no debate. Sua lógica é a de palanque, de ganhar as pessoas com emoção, com jargões e frases de efeito. Mentem na cara dura, porque não têm compromisso com a verdade, o que importa é desqualificar a Esquerda, jogar lama na imagem das lideranças, destruir sua credibilidade.

É verdade que debater com direitistas é perda de tempo, são gente reacionária, se consideram prejudicados porque milhões de pessoas melhoraram de vida no Brasil, e recusam essa ascensão social das trabalhadoras e dos trabalhadores mais pobres do país via “ajuda do governo”. Mas… compensa investir em conversar a respeito dessas questões com a grande maioria da população, o universo diretamente beneficiado pelos governos Lula e Dilma. Atentando para o fato que muitas pessoas não se lembram como era a vida antes, em 1999, por exemplo, quando houve a “quebra” da economia brasileira e das finanças públicas pelo governo FHC. Mesmo nos anos 2000/2002, mais recentes, como foi um período muito ruim (desemprego, inflação alta, juros muito altos…), a tendência é esquecê-lo. Por isso, temos que saber avivar a memória do povo sobre os fatos daquela época: perguntar mais, ao invés de afirmar sempre; e ouvir, antes de falar.

Outro aspecto importante é a reafirmação dos valores da Esquerda, através da explicação e reforço das razões e significados das ações dos nossos governos estaduais e federal, e não apenas os números do que foi feito. Um bom exemplo disso é o programa “Luz para Todos”, fundamental para a vida de milhões de famílias no interior do Brasil, mas insignificante para quem vive nas grandes cidades, assim como o programa de construção de cisternas para as famílias, escolas e produção agropecuária das regiões do semiárido, beneficiando milhões de pessoas, mas igualmente indiferente para quem nasceu tendo água nas torneiras de casa.

Esse é o divisor de águas fundamental, que precisa ser transmitido: os governos populares conseguiram oferecer para essas populações o que até então elas nunca tinham tido, que é o básico para a existência humana com dignidade: água, alimentação, escola, atendimento médico, moradia e energia elétrica. Resultou desse conjunto de ações a melhoria da vida de dezenas de milhões de pessoas. Mais grande aumento do consumo de geladeiras, TVs, carros e outros bens, alimentos, roupas, serviços, e, também em decorrência disso, aumento de empregos. Só que explicar tudo isso toma tempo, requer preparação, didática, paciência…

É preciso reafirmar os valores da Esquerda, inclusive em questões de Economia Política (tributação, incentivos fiscais, juros, crédito, lucros, salários, produtividade do trabalho e do capital), em contraposição aos valores da Direita, porque, ao contrário do que afirmam agora, o Brasil continua interessantíssimo para capitalistas nacionais e estrangeiros. Cada vez maior produtor de petróleo e de vários outros minerais, e um dos cinco principais exportadores de alimentos, o Brasil é também um dos cinco maiores mercados consumidores do mundo de quase tudo, de aviões executivos a automóveis, de agrotóxicos a celulares, de produtos de luxo a cerveja. Parte das obras de infraestrutura de grande porte ora construídas no mundo são aqui, e os investimentos previstos para os próximos anos em ferrovias, hidrelétricas etc., colocou o país na mira das maiores empresas do mundo – e também dos trabalhadores, dos Estados Unidos e países da Europa, que estão buscando no Brasil a sobrevivência que não encontram mais lá.

Certamente é a disputa entre esses diferentes valores que explicam o clima estranho que há hoje no Brasil. Ainda que os acontecimentos, em vários estados, possam ser explicados como uma incrível somatória de coincidências, é melhor pensar no pior, para preparar-se de maneira adequada para ele: greves de motoristas de ônibus e de policiais militares, manifestações com vândalos barbarizando, e um furor inédito contra a Copa, sem qualquer comentário sobre suas semelhanças de estrutura e funcionamento com o Carnaval, do qual não se fala nada…

Mais o fato, também coincidentemente inédito, dos EUA baterem o recorde na obtenção de vistos de trabalho no Brasil em 2013, o que teria resultado no ingresso de nove mil norte-americanos no país para trabalharem, às vésperas da eleição presidencial e das eleições para governadores(as), deputados(as) estaduais e federais e senadores(as), e às vésperas também da votação do Marco Regulatório da Mineração e da licitação dos grandes campos de petróleo do Pré-Sal, capazes de produzir centenas de bilhões de dólares.

Há grandes valores em jogo, e parte deles são revelados através dos discursos de lideranças empresariais, secundados, de maneira articulada, por artigos e matérias em publicações especializadas. Como a questão da produtividade do trabalho, que seria muito baixa no Brasil, muitíssimo menor aqui do que nos EUA e em vários outros países. Essa “verdade” baseia-se em estudos de consultorias empresariais, que “comparam” a produtividade brasileira e a de outros países, totalizando centenas de milhões de trabalhadores, sem apresentarem as fontes dos dados e a metodologia utilizada (elas próprias são a fonte). Apesar disso, suas conclusões são apresentadas como “a” verdade, a partir da qual são elaboradas as reivindicações.

E o que os empresários querem obter, com esse discurso da baixíssima produtividade dos trabalhadores brasileiros? – A aceitação, pelas classes trabalhadoras, da volta do arrocho salarial, como a única forma do Brasil tornar-se competitivo a nível internacional. Não se discutem as margens de lucro das indústrias, o lucro abusivo do sistema financeiro, ou os enormes ganhos do agronegócio e da mineração; mas sim a redução do salário-mínimo – e do emprego! –, como as únicas saídas para a grave situação da indústria brasileira. Sim, querem também causar desemprego, para forçar quem está ganhando menos pior, a aceitar ganhar menos ainda…

Portanto, mais do que comparar quantos milhões de empregos foram gerados nos governos FHC e Lula/Dilma, é importante explicar o que realmente significa, para a vida da maioria do povo brasileiro, ter tanta gente empregada, ganhando mais, e o salário mínimo com um valor real muito maior do que era há 12 anos, empurrando para cima os demais salários. Porque o governo de Esquerda se esforça tanto para gerar empregos e reajustar o salário-mínimo, e o governo de Direita age na direção contrária. Quais as lógicas da política econômica de cada governo e quem perde e quem deixa de ganhar, o povo ou quem tem muito dinheiro.

Outra coisa importante é, mais do que não aceitar passivamente o que sai na imprensa, pesquisar sempre a respeito dos assuntos que são manchetes, porque elas são a propaganda das ideias que querem passar. Exemplo recente disso é a manchete que as importações da indústria aumentaram, resultando em déficit da balança comercial brasileira e em outros problemas. A leitura da matéria leva à conclusão de que “a culpa” dessa situação é do governo federal. Não é informado que esse aumento resulta de ação organizada e sistemática das próprias indústrias nacionais, que vão a feiras no Exterior, há muitos anos, em comitivas organizadas pelas federações de indústrias, para comprar bens de capital e matérias-primas. Traduzindo, são as próprias indústrias, e as suas entidades estaduais e nacional, as responsáveis diretas pelo aumento das importações industriais, visando modernizar-se, reduzir custos e aumentar os lucros. Detalhe: o presidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), recém reeleito, é de Minas Gerais, onde presidiu a federação estadual das indústrias (Fiemg).

Felizmente, temos muita coisa, muita mesmo, para mostrar para a população. Mas não temos jornal diário, revista semanal, rádios ou canais de tevês. E as redes sociais não chegam até o povão, que historicamente constitui-se na parcela de 60% de indecisos à pergunta sobre qual é o seu candidato (resposta espontânea) nas pesquisas de opinião nessa época do ano.

Entonces, o negócio é pesquisar, elaborar os argumentos, e intensificar as conversas, com colegas de escola e de trabalho, vizinhas (as “donas de casa” são o contingente de indecisos que permanece assim até o final de setembro), amigos, amigas, parentes… Espraiar os nossos valores e realizações e ganhar as pessoas para a Esquerda.

Milton Pomar é profissional de marketing e trabalha em campanhas eleitorais desde 1986.

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