Milton Pomar: O financiamento empresarial e a compra de votos

Porque o financiamento empresarial é indispensável para os empresários (e a compra de votos) Tudo o que está sendo divulgado sobre valores recebidos por candidatos e candidatas, e as suas…

Foto: Arquivo Pessoal

Porque o financiamento empresarial é indispensável para os empresários (e a compra de votos)

Tudo o que está sendo divulgado sobre valores recebidos por candidatos e candidatas, e as suas respectivas prestações de contas oficiais ao Tribunal Eleitoral, portanto públicas, omite porque é inevitável grandes recursos empresariais em campanhas eleitorais: para comprar votos massivamente, e assim conseguir eleger quem represente as classes dominantes (“os donos de tudo”): latifundiários rurais e urbanos, banqueiros, industriais, comerciantes, empreiteiros etc.

Chega-se a essa conclusão através das despesas reais de uma campanha – por exemplo, para deputado federal, com propaganda, equipe, veículos etc., nos 90 dias de duração da atividade (5 de julho a 5 de outubro). Por mais que se gaste nesses itens, não passará de R$2 milhões. Quem gastou mais do que isso, gastou com o quê? – Comprando votos. O cálculo é direto: a R$50,00 por voto, 100 mil votos exigiram R$5 milhões. Que são gastos via “cabos eleitorais”, tradicional esquema capilar da compra de votos, de maneira direta (em dinheiro) ou indireta (produtos e serviços).

Quando houver interesse do Tribunal Superior Eleitoral em acabar com a compra de votos, ele poderá começar pelo básico: a conferência dos preços de mercado de despesas das prestações de contas oficiais. Constatará a enorme quantidade de dinheiro que “sobra”. A distância entre o mundo real e a ficção das prestações de contas é tão grande, que não deixa dúvida sobre o desinteresse do Judiciário em acabar com a compra de votos.

Isso explica inclusive porque o “caixa dois” continuará existindo – o que é realmente gasto nas campanhas, em decorrência da compra massiva de votos, não cabe nas prestações de contas fictícias, porque não há como justificar o gasto de tanto dinheiro somente em veículos, combustível, material de propaganda e pessoal.

Há indicadores indiretos que também comprovam a compra massiva de votos. Por exemplo, as grandes votações obtidas, por candidatas e candidatos desconhecidos, de partidos pelos quais o eleitorado não tem nenhuma preferência. Aliás, que nem sabe que eles existem. O aumento da quantidade de votos desses candidatos, de uma eleição para outra, e o aumento dos valores recebidos, declarados nas prestações de contas oficiais.

Há candidatos e candidatas com votações enormes, obtidas sem compra de votos, por se tratarem de fenômenos eleitorais, mais ou menos espontâneos, que ocorrem em todas as eleições. Esses poucos casos são as exceções à regra. Há também os que “suaram” muito para conseguir os votos e os recursos para as suas campanhas. Somados, não passam de 30% dos totais da Câmara de Deputados, assembleias legislativas e câmaras municipais. Todos os demais foram eleitos comprando votos, parcialmente ou na quase totalidade.

Essa é a razão pela qual o financiamento empresarial é indispensável, em primeiro lugar, aos próprios empresários. Eles investem em parlamentares e em executivos, nos três níveis, para obter, através deles, seus espaços no Estado, nas compras e prestações de serviços e em todo tipo de negócios (renúncias/incentivos fiscais, cessões de áreas e obras públicas, direcionamento do desenvolvimento urbano, subsídios diversos).

Há uma pequena parcela do empresariado, constituída por donos e executivos de grandes empresas, que faz política em tempo integral. Seja por meio das entidades tradicionais dos setores agrícola, industrial e comercial, e/ou por entidades de segmentos específicos, ou ainda por entidades de caráter ideológico, disfarçadas sob denominações patrióticas, como o “Movimento Brasil Competitivo”, e muitas outras do gênero.

Acontece que a maioria desses grandes empresários não tem o menor interesse em se expor, em ser figura pública, como por exemplo, os senadores Tasso Jereissati, do Ceará, e Blairo Maggi, do Mato Grosso. A maioria deles prefere o anonimato, possível graças à representação que obtém através dos seus “eleitos”.

Isso explica porque tantas empresas doam tanto dinheiro para alguns candidatos, que se elegem com votações expressivas, apesar de não serem líderes populares ou possuírem bases sociais amplas. Esse sistema só funciona, porque na sua base há a compra de votos.

Por isso o financiamento empresarial não pode acabar. Se ele acabar, como que o setor empresarial continuará tendo a gigantesca representação política, como a que tem hoje, inversamente proporcional às suas dimensões, com mais de dois terços do Congresso, das assembleias legislativas e câmaras municipais?

Quem não quiser acreditar nisso, ao menos se dê ao trabalho de checar os valores doados a candidatas e candidatos nas eleições de 1998 a 2014. Nesse período, a legislação eleitoral aumentou a exigência da declaração das receitas e despesas das campanhas eleitorais, levando a inevitável aumento da ficção nas prestações de contas. E, ao mesmo tempo, a um aparente “aumento extraordinário” das contribuições empresariais. Na verdade, as empresas se viram forçadas, por outros mecanismos de controle (COAF, por exemplo), a legalizarem parte do que doavam via “caixa dois” para as campanhas, que por sua vez tinha que ser contabilizado também como “caixa dois”. Ou seja, os valores não mudaram muito, o que mudou mais foi que parte deles passou a ser oficial, pública.

Outra coisa que mudou nesse período foi a política empresarial de doação. Antes restrita a candidatos(as) de seus partidos de preferência ideológica, a partir de 1998 começaram aos poucos a “distribuir os ovos em várias cestas”, mantendo a concentração nos que lhes são iguais, mas tomando o pragmático cuidado de agradar aos diferentes – em especial os do PT, quando foi ficando evidente o crescimento eleitoral do partido.

O que atrapalhou essa lógica dominante foram as políticas públicas dos governos federais do PT, a partir de 2003, e por isso a gritaria contra o Bolsa Família e outros programas, que reduziram a quantidade de pessoas tradicionalmente dispostas a vender o voto. Resultado: o aumento das bancadas do PT e de outros partidos de esquerda e centro-esquerda no Brasil, e a redução das bancadas dos partidos de direita e centro-direita. Os números sobre essas alterações, a partir das eleições de 2004, são públicos e notórios.

Essas mudanças todas resultaram em enorme inflação das campanhas eleitorais, o que praticamente inviabilizou, em 2014, a eleição de dezenas de candidatos e candidatas não-representantes do empresariado, ainda que alguns deles tivessem obtido recursos dos donos do dinheiro – migalhas, se comparadas às doações milionárias (declaradas, imagine-se o total real, “caixa dois” e oficiais) de algumas empresas para algumas campanhas para deputados. Estes fizeram sua parte, comprando votos para se eleger, deixando na poeira quem se elegia sem comprar votos, porque dessa vez “faltou voto livre no mercado”.

A compra de votos no Brasil nunca será objeto de CPI, evidentemente, a não ser que o objetivo da maioria que compra votos seja provar que não há compra de votos. Nem objeto de investigação da Polícia Federal, como não foi até hoje, sabe-se lá porque. Justamente por se beneficiar dela, o empresariado que tanto clama contra a corrupção dos políticos também não moverá uma palha para eliminar a compra de votos, base de todo o sistema que lhes beneficia, e em sim mesma extrema corrupção. Sobre o Judiciário, a prática dele revela de que lado está. Igualmente a Mídia, que tanto escândalo faz com tudo que lhe interessa, mas nunca se deu ao trabalho de investigar e denunciar a compra de votos.

Aos que pretendem eliminar a corrupção de milhões de pobres por centenas de ricos, resta-nos como única possibilidade a Reforma Política.

Milton Pomar é geógrafo, ex-integrante do GTE Nacional e ex-secretário de Comunicação do PT-SC

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