Mujica: Na política, os derrotados são os que deixam de lutar

Para o ex-presidente uruguaio, brasileiros precisam lutar para evitar colocar conquistas sociais e direitos trabalhistas em risco

Ex-Presidente do Uruguai Pepe Mujica

Ao comentar a crise política no Brasil e a tentativa de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente e senador do Uruguai José ‘Pepe’ Mujica afirmou, nesta quarta-feira (27), que “os únicos derrotados são os que deixam de lutar, porque a derrota é se sentir impotente”. Ele citou sua experiência pessoal, ao lembrar que foi perseguido e detido três vezes pela repressão em seu país: “É preciso ter coragem para recomeçar, sempre. Aprender com os erros. E perseverar”.

“Não posso dizer a vocês o que eu faria se estivesse no lugar da Dilma (…) Agora é tempo de lutar, não de delegar culpas“, enfatizou. Mujica conversou com jornalistas e blogueiros no Centro de Mídia Independente Barão de Itararé, no centro de São Paulo, e depois concedeu entrevista coletiva. Os assuntos que predominaram foram o golpe em curso no Brasil, a ascensão de governos conservadores na região e descriminalização do aborto e da maconha no Uruguai.

Ele lamentou que o mandato de Dilma seja avaliado por parlamentares que têm menções em casos de corrupção e comentou que a transmissão, no exterior, da votação na Câmara do dia 17 de abril “fez mal para o Brasil”. “Rebaixaram a categoria do Brasil no mundo”.

Pepe Mujica concede entrevista em São Paulo (Foto: Paulo Pinto/Agência PT)

Pepe Mujica concede entrevista em São Paulo (Foto: Paulo Pinto/Agência PT)

Ao ser questionado sobre o risco que correm as conquistas sociais com governos conservadores, Mujica falou da importância de os trabalhadores terem capacidade de resistir e uma frente comum de luta para defender seus direitos, principalmente os trabalhistas. “Há uma palavrinha que está no esquecimento: igualdade. Igualdade de direitos, de oportunidades. É isto que define a esquerda”.

Para Mujica, a política é um sistema que funciona em ciclos, com altos e baixos, e a corrupção é um patrimônio brasileiro, não um problema do Partido dos Trabalhadores (PT), como alguns setores da oposição costumam afirmar.

“Com a crise política, há muitas lições a aprender. Os partidos políticos progressistas devem ser mais democráticos, mais horizontalizados, menos piramidais. Os partidos políticos têm defeitos, mas são insubstituíveis (…) Reconhecendo todos defeitos, precisamos trabalhar pelos partidos políticos. Partido tem sentido coletivo, de semear, de humildade estratégica”, argumentou.

Sobre a ascensão de representantes conservadores, Mujica afirmou: “uma moeda tem duas caras, e as duas caras pertencem à moeda. O que quero dizer é que o devenir humano sempre teve uma cara conservadora, mas também uma face justiceira, igualitária, solidária”.

Citou que os efeitos da crise econômica internacional na América Latina servirá de campo para gerar inconformismos. Lamentou uma classe média que melhorou condições de vida, mas não reconhece o motivo. “As pessoas vivem melhor do que viviam, mesmo que não entendam o por que”. Ele ressaltou que a maioria dos progressos sociais estão consagrados nas constituições nacionais e são fruto da luta de agrupações de pessoas de esquerda.

Ex-Presidente do Uruguai em  entrevista no Barão de Itararé (Foto Paulo Pinto/Agencia PT)

Ex-Presidente do Uruguai em entrevista no Barão de Itararé (Foto Paulo Pinto/Agencia PT)

Mujica começou sua fala afirmando que os seres humanos não podem viver isoladamente, foram feitos para viver em sociedade, apesar das divergências existentes.

“Se fôssemos perfeitos, deuses, não precisaríamos da política. Precisamos da sociedade para viver. Mas somos conflitivos. Cada ser humano tem origem diversas, culturas diferentes (…) É preciso administrar os conflitos para conseguir viver. É isto que faz a política”.

“Se a política é a expressão da maioria, temos que ver como vive a maioria, e não a minoria (…) Não estou defendendo a implicância com os ricos. Não se trata disso”.

O ex-presidente do Uruguai disse que a América Latina enfrenta duros problemas por todos os lados e que a política não deve ser pelo interesse por dinheiro e lembrou que existem coisas que o dinheiro não compra. “Há coisas que não têm preço. Coisas que não se comprar. Assim que como você não pode ir ao supermercado e pedir ‘me dá mais cinco anos de vida'”.

Mujica ainda falou da importância da unidade no continente americano para fortalacer a soberania regional, citando o exemplo da União Europeia, integrada por países com características diversas, com idiomas diferentes. “Sou latino-americano antes de mais nada, depois sou uruguaio. Enquanto latino-americano, sou um cidadão frustrado. Não construímos uma nação. Portanto, venho aqui do ponto de vista estratégico. A grande causa dos latino-americanos é a integração”.

O ex-presidente também disse que a sociedade, nas próximas décadas, verá uma “invasão da inteligência robótica no campo do trabalho” que, como todo progresso tecnológico importante, terá seu lado positivo e negativo. Ter mais tempo para viver será um dos temas das futuras gerações, segundo Mujica.

“Nunca vencemos totalmente na vida. Não há um prêmio no final da vida, nem individual, nem coletivo. A formosura da vida é viver com sentimento, com compromisso”, afirmou.

Por Daniella Cambaúva da Agência PT de Notícias

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