Pressionados, ruralistas não votam ‘Pacote do Veneno’

“É absurdo votar nessa celeridade projeto para facilitar uso e registro de veneno sem sequer ouvir os pareceres dos técnicos”, protesta Nilto Tatto

Lula Marques

O deputado Nilto Tatto

Com muita luta, argumentos técnicos e resistência, a Bancada do PT e os partidos progressistas contrários à flexibilização do uso de agrotóxicos no País evitaram, nesta quarta-feira (16), que o rolo compressor da bancada ruralista aprovasse o PL 6299/02 rotulado de “pacote do veneno”.

O projeto só voltará à pauta de votação da comissão especial que trata do tema no dia 29 de maio. “Foi uma grande vitória. Teremos pelo menos mais 11 dias para continuarmos denunciando os retrocessos e alertando para os riscos que esse projeto traz para a saúde pública, para o meio ambiente e para a nossa agricultura”, comemorou o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador do Núcleo Agrário do PT.

Nilto Tatto denunciou o atropelo na condução dos debates na comissão especial. “Tem acontecido atropelos regimentais e legislativos com frequência. Não foi seguido sequer o cronograma de trabalho aprovado pelo colegiado”. Ele se referiu às 19 audiências aprovadas, das quais somente oito foram realizadas, e em nenhuma delas se ouviu entidades e órgãos governamentais contrários ao projeto.

“É um absurdo querer votar nessa celeridade um projeto que vai facilitar o uso e o registro de veneno sem sequer ouvir os pareceres dos técnicos da saúde e do meio ambiente”, protestou o deputado. Ele defendeu mais debates e audiências públicas antes de votar o parecer do deputado Luiz Nishimori (PR-PR), favorável ao projeto.

O deputado Bohn Gass (PT-RS) propôs até mesmo a suspensão dos trabalhos do colegiado porque, segundo ele, o colegiado não cumpre dispositivos do Regimento da Câmara, que determina que a comissão especial seja composta por pelo menos um terço de integrantes titulares das comissões permanentes de mérito nas quais o PL teria que tramitar.

“Essa comissão é composta majoritariamente por integrantes da Comissão de Agricultura e da Frente Parlamentar da Agricultura, que são a favor de se colocar mais veneno nas nossas mesas. Portanto, diante dessa irregularidade podemos pedir a anulação do resultado que sair daqui”, alertou o deputado.

O deputado do PT gaúcho criticou também a nítida intenção do comando da comissão em não ouvir a opinião técnica da Anvisa, o Ministério Público Federal, da Fundação Oswaldo Cruz e do Ibama.

“Não se pode impedir o debate, as informações. A própria base do governo deve estar confusa porque há divergência dentro do governo entre os órgãos que são a favor do povo e da comida saudável e os que estão do lado do agronegócio, do uso indiscriminado de veneno”, ponderou.

Para o deputado João Daniel quem está interessado em aprovar logo e sem discussão a ampliação do uso de agrotóxico no Brasil são grandes multinacionais do setor farmacêutico.

“É uma legislação contra a agroecologia, contra o povo brasileiro, o nosso meio ambiente e até mesmo contra a nossa agricultura. Essas mudanças são para agradar seis multinacionais fabricantes de produtos farmacêuticos que são também as mesmas que fabricam os venenos”, acusou.

João Daniel entregou à presidente da comissão 10 notas técnicas de órgãos técnicos com pareceres contrários ao projeto. “São pareceres da Anvisa, Ministério Público do Trabalho, do Ibama, do Instituto do Coração, entre outros. Mas todos contrários à flexibilização e à maquiagem que se querem fazer para permitir o liberou geral dos venenos”.

Projeto mascara nocividade de agrotóxicos à saúde e ao ambiente

O PL 6299/02 é de autoria do então senador Blairo Maggi (sem partido) atual ministro da Agricultura. Entre os principais riscos, os deputados petistas destacam: os agrotóxicos passaram a se chamar “defensivos fitossanitários, mascarando a sua nocividade para a saúde e meio ambiente; a avaliação de novos agrotóxicos deixa de considerar os impactos à saúde e ao meio ambiente, a análise será exclusiva do Ministério da Agricultura; estados e municípios ficarão impedidos de ter uma legislação mais restritiva para o uso de agrotóxicos, o uso indiscriminado será favorecido com a venda de agrotóxicos sem receituário, entre outros.

A nova reunião da comissão especial para apreciação do PL 6299 foi convocada para o dia 29 de maio, às 10h. A Bancada do PT vai continuar na resistência e utilizando-se da obstrução regimental para impedir a aprovação do projeto.

“Queremos mais debate, queremos discutir um outro modelo de agricultura que não passa pela flexibilização do uso veneno. Defendemos a agricultura familiar, a agroecologia, a diversidade de produção, com alimentos saudáveis e o meio ambiente preservado”, reforçou o deputado Nilto Tatto.

Defensores do projeto tentaram manipular informações de nota técnica

 

Os defensores de mais venenos na agricultura e no prato até tentaram manipular informações a partir de uma nota técnica da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que defende, em certa medida, mudanças na lei.

Mas o texto também aponta diversos problemas, relacionados a regras para os registros – o que acabou virando “um tiro no pé”. Contra o Pacote, Alessandro Molon (PSB-RJ) passou a ler os pontos da nota que haviam sido ocultados, causando ainda mais mal estar.

O argumento de que o mundo depende do Brasil para produzir mais comida e que essa produção depende de mais agrotóxicos foi desconstruído por notas técnicas e manifestos de mais de 200 organizações, associações, fóruns e coletivos na área de saúde, meio ambiente, direitos humanos, trabalho e do consumidor entre outros. Inclusive de trabalhadores do Ministério da Agricultura. São essas informações que respaldam a atuação dos deputados contrários ao Pacote, que embora minoria, têm sido firmes na proposição de requerimentos que visam ampliar o debate.

O líder do Psol na Câmara, Chico Alencar (RJ), a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e os deputados do PT Bohn Gass (RS), Nilto Tatto (SP), Patrus Ananias (MG), Paulo Teixeira (SP), João Daniel (SE) e Padre João (MG), já haviam protocolado três textos alternativos ao substitutivo de Nishimori.

O Instituto Nacional do Câncer (Inca), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e Ministério Público Federal (MPF) e do Trabalho (MPT) têm pressionado os parlamentares, listando os problemas causados pelos agrotóxicos que devem se agravar com mudanças, para pior, na atual lei. E defendem medidas de redução do uso desses produtos até seu banimento, a exemplo de muitos países, e o incentivo à agroecologia.

Nesta segunda-feira (14), o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho se reuniu com o relator Nishimori. A 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Público do MPF já havia distribuído nota técnica em que aponta uma série de inconstitucionalidades no substitutivo relativas à saúde e meio ambiente.

Sem veneno

O argumento dos ruralistas, de que é impossível produzir em grande escala sem agrotóxicos é desmontado pelos produtores de arroz agroecológico do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Rio Grande do Sul.

Sem uma gota de agrotóxico, 501 famílias de 21 assentamentos, em 16 municípios gaúchos, produzem o alimento. Devem colher na safra 2017-2018 mais de 24 mil toneladas e vender por meio da marca Terra Livre. E por isso estão no topo da produção latino-americana de arroz orgânico segundo o Instituto Rio Grandense de Arroz (Irga).

Ontem, deputados, especialistas e ativistas contrários ao Pacote foram recebidos pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (MDB-RJ). O deputado, que havia engavetado a instalação de uma comissão especial para analisar o Projeto de Lei 6.670/2016, que estabelece a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pnara), se comprometeu a criar, o que deve ser publicado por esses dias no Diário Oficial.

 

Vitórias parciais

“A instalação da comissão e o adiamento da votação são duas vitórias parciais, mas muito importantes”, avalia o agrônomo Ruy Muricy, integrante dos fóruns baiano e nacional de combate aos impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.

Segundo ele, o adiamento força uma discussão sobre o tema que, até aqui, tem sido tratado de maneira autoritária pelos ruralistas que dominam a comissão especial. “Eles fogem do debate porque seus argumentos são frágeis, respaldados na propaganda da indústria que domina a política agrícola desde o final da Segunda Guerra, quando começou a chamada revolução verde. O discurso foi renovado com o advento dos transgênicos, que reduziriam o uso de agrotóxicos quando, na verdade, aumentaram e muito. Eu, como agrônomo, sinto vergonha alheia de deputados da comissão, também agrônomos, como o Valdir Colatto, que chega a dizer que agrotóxicos são como medicamentos”, disse.

Muricy destaca que as chamadas pragas da agricultura são, na verdade, a resposta da natureza desequilibrada pelo modelo de produção baseado na monocultura banhada em agroquímicos, que resiste. “Como disse a grande agrônoma Ana Primavesi, os agrotóxicos são os criadores de pragas”. Para o agrônomo, o momento agora é de trabalhar para ampliar esse tempo para aprofundar o debate com a sociedade nos estados.

Também integrante do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, o advogado Cleber Adriano Rodrigues Folgado entende que a sociedade civil está organizada. “Conseguir adiar a votação demonstra que a sociedade não vai aceitar que se coloque de goela abaixo o Pacote do Veneno. O desmonte da Lei de agrotóxicos afeta toda a sociedade, pois tais produtos são um enorme problema de saúde pública e socioambiental”.

Ele afirma que será grande a mobilização para barrar o Pacote e para pressionar o avanço da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, que representa o “Pacote Pela Alimentação Saudável e Pela Vida”.

“A mobilização da sociedade, até agora, foi o elemento fundamental, juntamente com a bancada dos deputados comprometidos contra o Pacote do Veneno, para barrar a aprovação do texto substitutivo. Porém é preciso que a sociedade, as organizações e pessoas comprometidas com a vida possam ampliar a mobilização e principalmente denunciar na sociedade o mal que representa o desmonte da legislação de agrotóxicos. Continuaremos firmes na luta pela Vida e contra os agrotóxicos”.

A deputada Tereza Cristina (PSB-MS), presidente da comissão especial e da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, marcou nova reunião para o próximo dia 29. O substitutivo, que volta a ser discutido dos deputados, poderá ser colocado em votação.

Do PT na Câmara e Rede Brasil Atual

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