Reforma agrária sofre com explosão de violência e privatização

Desde que assumiu, governo golpista antagoniza luta no campo com projetos de lei, medidas provisórias, cortes orçamentários e estímulo à violência

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Antônio Bento de Oliveira caminha em busca de castanheiras por área da reserva legal comunitária do assentamento Vale do Amanhecer.

A reforma agrária tem sido alvo da gestão do governo do usurpador Michel Temer (PMDB). Cortes orçamentários, medidas provisórias e projetos de lei têm atacado diretamente as políticas de distribuição de terra e incentivo à agricultura familiar. Além disso, há uma explosão de conflitos e a violência tem se acirrado, segundo o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Gilmar Mauro.

“O golpe abriu para os setores mais reacionários do país, os fazendeiros e a bancada ruralista, a possibilidade de fazer o que eles tinham vontade de fazer, que é propagar a violência contra os sem terra e os movimentos sociais. Há apelos à violência cotidianamente destacados por setores do governo golpista”, afirma ele.

Em abril, três episódios sinalizaram para o aumento da violência. Em Colniza, no Mato Grosso, nove assentados foram vítima de uma chacina. Em Minas Gerais, um camponês de 68 anos foi morto a tiros. E, na última semana, fazendeiros atacaram índios da etnia Gamela, no Maranhão. Treze ficaram feridos e dois deles tiveram as mãos amputadas.

“O negócio é dizimar o povo que se organiza para dar vez ao agronegócio”, afirma Zenália Santos, produtora rural e assentada do estado de Rondônia.

Débora Nunes, da coordenação nacional do movimento, também tem observado o aprofundamento da violência no campo. Segundo ela, isso reflete a liberação das forças conservadoras do latifúndio e do agronegócio, que se esforçam para barrar a luta pela terra e criminalizar os movimentos sociais.

Gilmar Mauro, coordenador do MST

Privatização da terra

No fim do ano passado, o governo editou uma medida provisória (MP 759) que pode favorecer a reconcentração de terras no país. A medida permite a venda de terras da reforma agrária, o que até então não era permitido. Essa mudança abre a possibilidade de que, por exemplo, grandes latifundiários comprem a terra de pequenos produtores fragilizados. Hoje, os trabalhadores podem usufruir da terra e concedê-las para seus filhos, mas não comercializá-las.

“Esse projeto pode fazer o Incra se tornar uma agência de vendas de terras, o que acabaria com a reforma agrária”, explica Mauro. Segundo ele, o MST defende que as terras são patrimônio da humanidade, e não mercadoria, e devem cumprir seu papel social.

Segundo Milton Fornazieri, também da coordenação do MST,  o projeto também anistia a grilagem – falsificação de documentos para apropriação ilegal de terras públicas -, inclusive na Amazônia Legal, o que pode impactar no aumento do desmatamento.

Para a assentada Adilma Fernandes, essa medida vai estimular a perda do vínculo do agricultor com a sua terra.

“A gente deixa de ter vínculo com a reforma agrária. Eu deixo de ser assentada, passo a ter um título, e posso fazer o que quiser. Isso é ruim. A gente quer que a terra que a gente conquistou com tanto sacrifício fique com os nosso filhos, com os filhos dos nossos filhos. Essa é a nossa maior luta: permanecer no campo, e com dignidade”, explica ela, assentada no assentamento Oziel Pereira, na Paraíba, há 18 anos.

A gente quer que a terra que a gente conquistou com tanto sacrifício fique com os nosso filhos, com os filhos dos nossos filhos. Essa é a nossa maior luta, permanecer no campo, e com dignidade

Cortes de programas e no orçamento

O governo golpista cortou verbas de todas as áreas destinadas à reforma agrária. Ao todo, a redução ultrapassa os 50%. Programas como o PAA (Prograna de Aquisição de Alimentos) e o PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) que destinavam verbas públicas para a aquisição de alimentos para a agricultura familiar sofreram grande impacto.

“Há também cortes e mudanças de políticas públicas, desde políticas de habitação, dificuldade de acesso ao crédito”, explica Nunes. “São condições necessárias para que as famílias possam produzir e permanecer nos assentamentos.”

“Desde quando Temer assumiu não temos mais o PAA”, afirma Adilma Fernandes. A assentada Zenália dos Santos, de Rondônia, confirma o corte do programa, e afirma que, agora, todos os produtos têm sido vendidos na feira livre.

A queda este ano foi de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões, o que levará a um encolhimento de 91,7 mil para 41,3 mil famílias atendidas, segundo dados da “Folha de S.Paulo”.

Já o montante previsto para a obtenção de terras para a reforma agrária caiu de R$ 425 milhões em 2016 para R$ 204 milhões em 2017, uma redução de 52%. O orçamento para a promoção de educação no campo caiu de R$ 27 milhões para R$ 11 milhões, queda de 59%.

Os recursos para a Assistência Técnica e Extensão Rural para Reforma Agrária também caíram 56%, de R$ 209.571.831 para R$ 92.470.000. Outro programa para o qual a previsão é de queda brutal é a concessão de crédito-instalação às famílias assentadas, que caiu 71% – de R$ 946 milhões para R$ 266 milhões. O Apoio à Organização Econômica e Promoção da Cidadania de Mulheres teve uma redução de 26%.

Renildo Gomes, assentado do estado do Alagoas, afirma que sentiu o impacto sobretudo na redução da assistência técnica. “Sem equipe técnica, a gente não consegue elaborar projetos e avançar”, explica. “Sem incentivo, a tendência é as pessoas irem para a cidade”, afirma Claudio Bogo, assentado de Santa Catarina.

Retrocesso e luta

Os assentados também afirmam que serão prejudicados pelas reformas em tramitação, como a reforma da Previdência, a trabalhista e a PEC do corte dos gastos, que já foi aprovada no ano passado pelo Congresso Nacional. “Imagina se aposentar aos 70 anos. Você está esgotado. E essa questão da saúde, e do corte de políticas públicas, também vai prejudicar muito”, diz Renildo Gomes.

“Está acontecendo uma barbaridade contra todos os trabalhadores. Nós estamos perdendo nossos direitos a cada dia que passa. Mas o nosso povo não tem ficado quieto”, afirma Zenália Santos. Segundo ela, Rondônia toda parou na greve geral do dia 28 de abril. E a resistência se intensifica.

Adilma Fernandes afirma que, em agosto, os trabalhadores rurais realizarão a Marcha Nacional da Reforma Agrária contra as medidas do golpista. “Vamos chegar em agosto e dizer a Temer que não estamos satisfeitos e queremos que ele saia”, diz.

Outro projeto que atinge em cheio o trabalhador do campo está em discussão na Câmara e pode instituir a remuneração não monetária ao camponês, institucionalizando práticas análogas à escravidão. O projeto também vai possibilitar jornadas intermitentes de até 18 horas diárias, além de permitir 18 dias de trabalho seguidos.

Por Clara Roman, da Agência PT de Notícias

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