Regis Moraes: Não é um julgamento. É uma crucificação

No quinto artigo da Série Em Defesa de Lula, professor doutor em Ciência Política na Unicamp afirma: “Lula não está sendo crucificado por aquilo que é, mas por aquilo que não pode ser”

Ricardo Stuckert

Lula em Cruz das Almas

Quando se tem uma sentença firmada, investigação, julgamento, defesa, acusação, tudo isso é secundário. O importante é produzir espetáculo suficiente para tornar o veredito uma coisa que papagaios repitam e ouvidos predispostos aceitem.

A assim chamada Operação Lava-Jato nunca foi uma investigação. Cada “pista” é avaliada não pelo caminho que pode indicar. Na Lava Jato a “pista” é avaliada pelo efeito que pode ter no verdadeiro tribunal em andamento – aquele da marcha televisiva. A Lava Jato não é uma investigação, não é um processo legal. Como investigação e como processo legal ela é absolutamente ridícula. Não se sustenta. Mas como operação de marketing ela é orquestrada com cuidado.

Dizem que Lula está sendo transformado em um mártir e que em torno dele se constrói uma aura de santidade, de mito profético. Pode ser, mas são os julgadores – os de Curitiba e os da TV – que produzem esse resultado.

Comparar um ser humano com uma figura religiosa milenar pode parecer exagerado, mas é exatamente isso que o julgamento produz, quer a gente goste ou não. A imagem que vou usar é simples, uma estória que todo mundo conhece.

O resumo é o seguinte: Jesus foi perseguido e morto não por aquilo que ele era, mas por aquilo que não podia ser. Jesus foi crucificado entre dois ladrões, mas não era ladrão. Os judeus ricos venderam aos romanos a versão de que Cristo era subversivo, queria derrubar o imperador.

Cristo sempre disse que seu reino não era o da terra, a Deus o que é de Deus, a Cesar o que é de Cesar. Jesus não foi morto por aquilo que era, ou por aquilo que diziam que ele era. Jesus foi morto por aquilo que não podia ser. Jesus nasceu e cresceu dentro de uma sociedade judaica muito estratificada, muito hierárquica, dominada por famílias ricas. Os rabinos esperavam por um Messias, um redentor.

Ora, Cristo era filho de um carpinteiro e uma mulher do povo. Imigrante, nasceu no meio de uma fuga, em um estábulo. Cristo não podia ser o Messias anunciado pelos profetas. Em suma, repetindo: Cristo não foi crucificado por aquilo que era, mas por aquilo que não podia ser. Não tinha esse “direito”, por nascença.

Assistimos hoje uma nova escalada do Calvário. Uma nova perseguição. Longe de mim querer fazer discurso religioso e comparar Cristo a personagens terrenos. A Cristo o que é de Cristo, a Lula o que é de Lula. Mas, com o perdão do exagero e da eventual heresia, a comparação faz algum sentido.

Faz anos, Lula tem sua vida investigada e repassada. Não acham contas na Suíça, nem fazendas em Minas Gerais ou apartamentos em Paris, não está na lista de Furnas nem constrói aeroportos na fazenda que não tem. Em tempos em que malas se multiplicam mais do que os peixes da Bíblia, nenhuma dessas malas é de Lula. Inocentado pela vã tentativa de incriminá-lo, ele é agora julgado por ladrões.

Será que é culpado, então, do segundo pecado, o de tentar destronar o império? Ora, os grandes capitalistas foram despojados, espoliados? Os tostões destinados aos pobres foram muito para muitos – afinal, essas políticas tiraram milhões de pessoas da desgraça da fome e melhoraram a vida de outros milhões de trabalhadores pobres. Mas… custaram quase nada aos bolsos dos ricos. Muito pouco.

Não, Lula não está sendo crucificado por aquilo que é, mas por aquilo que não pode ser. Ou que NÓS não podemos ser.

Quem está sendo julgado e crucificado não é ele, são aqueles que, supostamente, não podem ser alguma coisa. A sociedade da Casa Grande, dos senhores de escravos, jamais admitiu que os habitantes da senzala fossem gente.

Quando o senhor da Casa Grande via que um branco, talvez até seu próprio filho, se condoía dos negros e se colocava ao lado deles, condenava os dois: o negro e o branco abolicionista. O pai chicoteava no negro e mandava o garoto rebelde para a capital ou para Coimbra, para estudar e ficar longe. Às vezes os amigos do pai faziam o serviço mais pesado: liquidavam o rapaz amigo dos negros.

O que os ricos não suportam, no Brasil, é ver os escravos saindo da senzala, pensando que são gente. Não, não são apenas os ricos que pensam assim. Também pensam assim os ajudantes dos ricos, aqueles que pensam que são mais brancos porque são serviçais dos brancos. Insuportável ver o filho do escravo entrando na mesma universidade do branco proprietário. Nos aeroportos. Até nos shopping centers agora eles inventam de fazer seus rolezinhos.

Aqueles que mataram Cristo não previram a ressurreição do cristianismo. Os carrascos de hoje pensam que podem nos matar. Pensam que arrancam flores, mas plantam sementes. A gente sempre volta.

São Paulo, 10 de setembro de 2017

*Esse é o quinto artigo da série Em Defesa de Lula. A cada dia, até o 13 de setembro, publicaremos artigo sobre Lula e a construção de um Brasil soberano e democrático.

Regis Moraes é Professor Doutor em Ciência Política na Unicamp

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