Roberto Monteiro: Algumas reflexões sobre a ofensiva conservadora na América Latina

“As crises trazem também a oportunidade para a renovação”. Esta frase é um clichê, um lugar comum, mas não deixa de ter algum sentido

Ex presidente Lula, durante Seminário Internacional “Integração e Convergência na América Latina” | Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula

Arrisco aqui alguns palpites que divido com os companheiros e companheiras. Fica claro em primeiro lugar que a ofensiva continental da direita utiliza, em linhas gerais, os mesmos métodos, seja no Equador, na Bolívia, no Brasil, no Paraguai, na Argentina, etc. São eles:

1) Mídia empresarial atuando de forma coordenada, uníssona e em alguns casos sendo a principal força de oposição.

2) Judicialização da política dando suporte a tentativas de golpes parlamentares e buscando criminalizar lideranças e organizações de esquerda. No caso do Paraguai o golpe foi bem sucedido, com o senado paraguaio afastando em 2012, em um processo relâmpago que durou apenas 24 horas, o presidente eleito Fernando Lugo. No caso do Brasil o golpe midiático/judicial/parlamentar está em fase muito avançada. No Paraguai em 2012 assumiu a presidência o então vice-presidente Federico Franco, do centrista Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), que apoiou Lugo em 2008 e depois tramou o golpe. Na Argentina a ex-presidenta Cristina Kirchner é levada a depor em um processo sem qualquer base legal, enquanto a mídia silenciava sobre o fato dos “Panamá Papers” revelarem que o atual presidente, Maurício Macri é ligado a três empresas de lavagem de dinheiro em paraísos fiscais. A deputada do Parlasul e líder comunitária Milagro Sala foi presa ilegalmente no início do governo Macri, mesmo tendo imunidade parlamentar. No Brasil, sabemos o que está em curso contra o ex-presidente Lula. Juízes e procuradores que se posicionaram pela democracia e contra o golpe estão respondendo a representações e sofrem ameaças. Um cidadão que divulgou as postagens dos integrantes da Lava à Jato no Facebook (portanto, declarações públicas) a favor de Aécio Neves foi indiciado por “conspiração”.

3) Denúncias “contra a corrupção” sempre e apenas contra a esquerda.

4) Aliança do centro e da direita “tradicional” com forças neofacistas.

5) Instrumentalização do discurso religioso neopentecostal.

6) Forte trabalho profissional da direita nas redes sociais. Na Bolívia, em fevereiro, depois da derrota no referendo que permitira a Evo Morales concorrer a mais um mandato, o presidente boliviano citou a “guerra suja” nas redes sociais como um dos fatores da derrota. A existência de um filho fora do casamento foi tema de grande agitação da direita nas redes e em plena campanha para o referendo a ex-namorada de Morales foi presa acusada de “tráfico de influência”.

7) Financiamento milionário de instituições controladas pela direita estadunidense aos congêneres da América Latina.
Da parte do campo popular, nos cabe reconhecer e combater a ilusão de classe, que cegou muitos experientes companheiros e companheiras, que alimentaram a esperança de uma “conciliação por cima”, afastando-se das bases e ignorando o reacionarismo atávico das elites dos nossos países.

Em minha opinião houve também um distanciamento no cultivo aos valores tradicionais da esquerda, o que redundou em um afrouxamento da vigilância em relação a sinais de corrupção – inadmissíveis como práticas do campo popular – e a um exacerbado pragmatismo eleitoral, que admitiu nas fileiras de partidos do campo popular, figuras notoriamente oportunistas, carreiristas e sem qualquer compromisso com a luta social.

Outro fator que devemos levar em conta é que nas experiências da esquerda nos últimos anos raramente levamos à frente reformas estruturais e no aparelho do Estado. Alguns países avançaram no que diz respeito à democratização da mídia, mas mesmo nestes o grosso da comunicação continua ligado à direita e repercutindo suas pautas e no caso do Brasil nada foi feito neste campo. O aparelho estatal continuou infestado de herdeiros políticos e ideológicos das ditaduras.

A similitude nos traços gerais, tanto da ofensiva da direita quanto em relação às insuficiências da esquerda, nos mostra a importância da articulação cada vez mais próxima do campo popular latino-americano em espaços como o Foro de São Paulo e o Encontro Latino Americano Progressista (Elap).

No Brasil, não tenho dúvidas que devemos forjar uma unidade ampla das forças de esquerda que vá além do embate eleitoral, mas que também sirva a este. Uma experiência que devemos estudar é o da Frente Ampla do Uruguai, aliança de várias organizações da esquerda uruguaia, que reúne desde o Partido Comunista do Uruguai até o Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, do ex-presidente José Mujica, coalizão que está no poder desde 1994. No Rio de Janeiro, a experiência exitosa da Frente Brasil Popular e a aglutinação da esquerda carioca na luta contra o golpe deve, necessariamente, fortalecer esta luta, tendo consequência na batalha eleitoral municipal.

Amigos e amigas, estas são apenas reflexões iniciais, no sentido de estimular o debate, esforço que considero fundamental para que possamos articular uma contraofensiva em defesa das inúmeras conquistas que, apesar dos erros e insuficiências, alcançamos nos últimos anos como o nível inédito de integração da América Latina e o fato de termos tirado da miséria milhões de homens e mulheres que devemos mobilizar em defesa da democracia e dos direitos sociais ameaçados pela ofensiva conservadora.

Roberto Monteiro é advogado, conselheiro da OAB e ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro

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