Rodrigo Cesar: Sobre o balanço – parte 1

A esquerda brasileira se depara com sua maior derrota desde 1964, avalia historiador; fato altera não apenas o rumo de uma ou outra batalha, mas de toda a guerra

Tribuna de Debates do PT

Foto: Raphaella Bechepeche

A esquerda brasileira se depara com sua maior derrota desde 1964. Apesar de suas consequências concretas e imediatas já estarem em curso, seu significado histórico não está plenamente definido, pois também dependerá do que acontecerá a partir de agora.

De todo modo, é evidente que esta derrota tem dimensões estratégicas, pois altera não apenas o rumo de uma ou outra batalha, mas de toda a guerra. Neste sentido, para compreender melhor o que ocorreu é preciso evitar algumas posturas.

A primeira delas é deixar de fazer um balanço crítico, profundo e sincero e sobre o último período, sob dois argumentos principais: primeiro, porque não deveríamos nos ocupar de um debate interno na esquerda que prejudicaria a unidade necessária para conter a ofensiva conservadora; segundo, porque agora precisaríamos olhar para frente, não para trás.

Apesar de partir de uma premissa correta (unidade contra o inimigo), adeptos dessa posição tendem a subestimar a dimensão estratégica da derrota que sofremos e superestimar nossa capacidade de enfrentar a atual situação adotando a mesma estratégia que acaba de ser derrotada.

Portanto, ao invés de uma dicotomia entre passado e futuro, entre debate de balanço e unidade de ação, trata-se de refletir sobre a experiência vivida para orientar os próximos passos, de construir a unidade de ação a partir do debate sobre o que deve ser mantido e o que deve ser superado de nossa experiência recente.

A segunda postura a ser evitada é olhar apenas nossos êxitos, acertos e qualidades ao fazer um balanço. Eles certamente ajudam a explicar por que se armou contra o PT uma campanha de cerco e aniquilamento, mas não ajudam a explicar nossa derrota, nem a nos preparar para o novo cenário que se abriu.

Não podemos abrir mão de defender as realizações e o legado positivo deixado pelos governos Lula e Dilma para a melhoria da qualidade de vida da maioria do povo brasileiro, mas os desafios atuais e futuros exigem mais que disputar narrativas.

Afinal, a gravidade da atual situação decorre não apenas das movimentações dos inimigos, mas também dos problemas que vem tornando nossa resistência insuficiente.

Por fim, é preciso evitar fazer um balanço que tenha por objetivo maior identificar, denunciar e derrotar responsáveis, deixando em segundo plano o principal: analisar os motivos pelos quais cometemos os erros e os acertos que cometemos como ponto de partida para a elaboração de uma nova estratégia.

Se a discussão se atém sobre os responsáveis sem se aprofundar sobre a questão do caminho que, ao mesmo tempo, nos levou tão longe mas não nos permitiu ir além, não serão pequenas as chances de os críticos repetirem os erros dos criticados.

A disputa sobre a narrativa do último período e a estratégia que deve nos conduzir no próximo é legitima e necessária, pois somente das contradições aí observadas poderemos produzir novas sínteses capazes de nos defender dos ataques da direita, acumular forças e preparar a contraofensiva.

Outro caminho para discutir o balanço do último período talvez seja mais produtivo.

Comecemos perguntando: poderia ter sido diferente?

Certamente, poderia. Sempre pode ser diferente. Refletir sobre as diversas possibilidades colocadas antes de se consumar o impeachment, além de nos prevenir contra rígidos determinismos, nos ajuda a entender por que uma delas prevaleceu sobre as demais.

Poderíamos ter derrotado o golpe?

Como este cenário não se realizou, jamais saberemos suas reais chances, se ele estava inteiramente bloqueado ou se determinadas ações e iniciativas seriam suficientes para concretizá-lo.

Neste sentido, a pergunta a ser feita é outra: por que a direita golpista obteve êxito e vem conquistando seus objetivos? Mais especificamente: como a direita conseguiu alterar a correlação de forças a ponto de conseguir realizar um golpe?

Primeiro, é preciso observar os movimentos realizados do lado de lá, mas isso é assunto para o próximo texto desta Tribuna de Debates do 6º Congresso do PT.

Rodrigo Cesar, historiador, membro do conselho da Escola Nacional de Formação do PT e filiado no diretório municipal de São Paulo, para a Tribuna de Debates do VI Congresso. Saiba como participar.

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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