Silvana Batini: A estratégia sem consequências de Gilmar Mendes no TSE

De sua cadeira no TSE, o ministro Gilmar Mendes enviou dados das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff para a Polícia Federal e Ministério Público, cobrando providências. Um juiz eleitoral abrindo espaço para possíveis medidas criminais. “Quais as implicações deste ato”, questiona a professora de Direito

Procuradora eleitoral

De sua cadeira no TSE, o ministro Gilmar Mendes enviou dados das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff para a Polícia Federal e Ministério Público, cobrando providências. Um juiz eleitoral abrindo espaço para possíveis medidas criminais. Quais as implicações deste ato?

Em um primeiro nível de análise – o plano do direito eleitoral – a resposta parece ser: nenhuma. Gilmar Mendes foi o relator da prestação de contas de campanha da presidente Dilma, aprovadas com ressalvas em dezembro passado. O julgamento de contas de campanha é atividade jurisdicional, ou seja, uma decisão definitiva.  No caso, as “ressalvas” na aprovação não comprometem a regularidade das contas. A aprovação já transitou em julgado.

Como é possível, então, que dessas contas ainda possam surgir efeitos? A resposta está no labirinto intrincado e com frequência irracional em que se transformou a lei eleitoral brasileira.

Candidatos vencedores só podem ser diplomados e empossados depois do julgamento de suas contas, em prazo aproximado de quarenta dias após a eleição. Mas a exigência está no julgamento, e não na aprovação das contas. Candidatos que porventura tenham suas contas desaprovadas ou aprovadas com ressalvas podem sofrer algum grau de constrangimento público, mas daí não surge qualquer consequência legal. A implicação inevitável, e muito problemática para contextos de crise política, é que a aprovação das contas de campanha tampouco oferece ao vencedor um atestado fidedigno de legitimidade.

Nesse cenário, o julgamento de contas de campanhas pela justiça eleitoral é hoje um procedimento esvaziado de eficácia. Gilmar Mendes está operando com mecanismos que já não têm mais impacto possível na esfera eleitoral.

Para que ilícitos no financiamento de campanha levem à cassação de mandato é necessário que sejam apurados em procedimentos próprios, diversos da prestação de contas, e que devem ser abertos até quinze dias após a diplomação. A presidente Dilma responde a três destas ações, distribuídas a dois outros ministros do TSE –  não sendo mais possível uma nova ação com este mesmo objetivo. Todas as cartas já estão na mesa.

No âmbito da prestação de contas de campanha também não há mais nada a ser feito. A notícia de que propina do esquema do “petrolão” ingressou nas contas do partido pode reverter em uma devassa nas contas do PT, já que contas de partidos podem ser reviradas a qualquer tempo. Contudo, a consequência da comprovação de qualquer irregularidade se restringe a limites nos repasses do fundo partidário. Não interfere nos mandatos conquistados.

Aprovadas as contas, portanto, restou ao ministro Gilmar invocar o direito penal e reclamar pela apuração de lavagem de dinheiro e falsidade. As implicações disso poderão talvez ser sentidas em um plano institucional mais amplo, com um agente estatal chamando a atenção para o que considera como potenciais irregularidades. Juridicamente falando, porém,  a fala de Gilmar Mendes não muda o fato de que o direito eleitoral esgotou suas alternativas. E vai ser sempre assim até que a lei passe a tratar prestações das contas de campanha com mais seriedade e consequência.

Silvana Batini é professora de Direito da FGV e procuradora Regional Eleitoral do Rio de Janeiro

PT Cast