Silvio Melgarejo: Lula e PT, não confiem na burguesia, na direita e no Estado burguês

“Não é mais possível acreditar que estamos num jogo com regras justas e adversários leais, quando na verdade há claramente uma guerra”, diz Melgarejo

Agência PT
Tribuna de Debates do PT

6º Congresso Nacional do PT

O julgamento do recurso de Lula à 2ª instância, no Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, em 24 de janeiro, foi mais uma importante experiência que Lula, os petistas e o conjunto da classe trabalhadora tiveram a oportunidade de fazer com o Estado comandado pela burguesia.

Depois do julgamento que assistimos, em que foi mantida a condenação sem provas do ex-presidente, não é mais possível haver dúvida quanto ao caráter essencialmente autoritário do poder judiciário brasileiro e a que e a quem este poder judiciário realmente serve.

Lula e a maioria da direção do PT, que não se cansam de expressar confiança nas instituições do Estado burguês, precisam reavaliar os seus conceitos e mudar radicalmente de atitude. Não é possível que os companheiros continuem alimentando ilusões, confiando cegamente em inimigos declarados e induzindo os trabalhadores a uma confiança igualmente cega e suicida em seus algozes.

Não é mais possível acreditar que estamos num jogo com regras justas e adversários leais, quando na verdade há claramente uma guerra em que enfrentamos inimigos ferozes, dispostos a tudo para nos banir da cena política.

Aos quase 38 anos de vida, já é tempo do PT deixar de lado a ingenuidade arrogante e pretensiosa que o trouxe às recentes derrotas. Alertas não faltaram e foram sempre ignorados por Lula e pelos dirigentes do PT de que era temerário confiar na burguesia, na direita e nas instituições do Estado burguês.

Lula e os dirigentes do PT precisam tomar consciência de que as disputas políticas e judiciais na institucionalidade capitalista são como jogos de cartas marcadas e roletas viciadas, que produzem resultados sempre acordes com a vontade dos bilionários burgueses.

O julgamento do mensalão, o impeachment de Dilma e o julgamento do recurso de Lula em Porto Alegre não foram apenas erros judiciais, foram fraudes evidentes com evidentes objetivos políticos. Nunca houve nestes casos intenção de se fazer justiça e sim de se banir da política o maior líder popular e o maior partido de esquerda do país.

E aí vem Lula nos dizer, no lançamento da sua candidatura, um dia após ser condenado, que é “um cidadão que acredita na Justiça”, que vai “recorrer naquilo que for possível recorrer, aonde for necessário recorrer” e que vai “batalhar até o final”. Ora, o “final”, o último recurso da defesa de Lula, será no Supremo. E foi exatamente o Supremo que inaugurou em 2005 a temporada de caça ao PT e aos petistas, quando subvertendo a ordem jurídica do país condenou sem provas Dirceu, Genoíno, Delúbio, João Paulo e Pizzolato, no julgamento fraudado do mensalão.

Foi exatamente o Supremo que autorizou e endossou a fraude do julgamento parlamentar que aprovou o impeachment de Dilma, sem provas de que ela tivesse cometido algum crime que o justificasse. E é exatamente o Supremo que tem autorizado e endossado todas as ações ilegais e inconstitucionais da Lava Jato.

Então em que se baseia esta confiança de Lula na Justiça brasileira? Em algum dogma? Em que se baseia afinal esta confiança do ex-presidente nas instituições do Estado burguês, se a experiência recomenda exatamente o contrário, que se desconfie destas instituições, que se denuncie a sua natureza essencialmente corrupta, autoritária e antidemocrática; se a experiência justifica inclusive que se defenda a destruição destas instituições viciadas e a criação de novas instituições, que sejam realmente democráticas, por meio de uma assembleia nacional constituinte?

O Supremo obedece à burguesia

A verdade é que nem a burguesia acredita no espírito democrático e legalista destas instituições que comanda à base de chantagem e propina. A classe trabalhadora desconfia profundamente e cada vez mais das instituições do Estado burguês e não se pode dizer que não tenha razões de sobra para desconfiar e que isto seja um retrocesso na sua consciência política.

Não é retrocesso, muito pelo contrário, é um avanço que precisa ser valorizado e estimulado. Porque o próprio PT nasceu desconfiando das instituições do Estado burguês. E se em dado momento da sua história o PT passou a confiar nestas instituições, então o que retrocedeu não foi a consciência política dos trabalhadores, foi a consciência política do PT, que encontra agora circunstâncias ideias para avançar, já que o Estado burguês tem se mostrado tal como realmente é em sua essência – corrupto, autoritário e antidemocrático -, não havendo margem mais para ilusões sobre o seu caráter.

Mas então, o que pretende Lula com estas recorrentes manifestações públicas de devoção às instituições do Estado burguês? Convencer a militância petista e os trabalhadores de que estas instituições merecem crédito e que é razoável alimentar a expectativa de que algum dia façam o que delas se espera? De que convém à militância petista e aos trabalhadores respeitar e preservar a integridade destes instrumentos de dominação com que a burguesia impõe a sua ordem, uma ordem injusta e desumana que penaliza enormemente a maior parte do povo?

Não há virtude nem conveniência em se prestar culto e obediência a instituições assim, ainda mais em circunstâncias como estas que vivemos. A virtude e a conveniência estão e estarão sempre no oposto disso, estão e estarão sempre em repudiar e desobedecer às instituições do Estado burguês, denunciando-as como ilegítimas para tomar decisões em nome do povo e afrontando e contestando firmemente as suas autoridades para impor qualquer norma de conduta à sociedade.

O que o TRF-4 fez em 24 de janeiro foi cumprir à risca a decisão da burguesia, anunciada mil vezes de modo inequívoco por seus arautos da Globo, de impedir a qualquer custo que Lula esteja na disputa eleitoral de outubro. Determinaram até a prisão do ex-presidente assim que esgotadas todas as possibilidades de recurso naquele tribunal. Foi uma declaração de guerra total à esquerda e aos trabalhadores. Porque o mundo todo já sabe em que resultarão estes recursos.

E quem pode acreditar que o Supremo decidirá de forma diversa, quando a ele se recorrer? A burguesia afirmou, através do TRF-4, que não quer mais conciliar, que não quer acordo nenhum, que não lhe interessa uma saída democrática para a crise política através de uma eleição sem fraude.

O que a burguesia quer e já deixou bastante claro é exterminar Lula e o PT da política, porque Lula e o PT são os maiores obstáculos ao avanço do assalto à nação iniciado com o golpe de Estado de 2016. E alguém acredita que, tendo sido até agora obediente, o Supremo vá deixar de sê-lo e recusar-se a cumprir o que lhe ordena a burguesia, exatamente em momento tão decisivo para os rumos da luta de classes?

Estado de direito não é democracia

Dizem que o regime político mudou depois do golpe e realmente mudou. Mas não mudou no essencial, não mudou porque mudou a classe dominante no Estado. Mudou porque a classe desde sempre dominante entendeu ser necessária uma nova forma de exercer sua dominação.

Na reunião ampliada de 25 de janeiro em que lançou a candidatura de Lula, a Comissão Executiva Nacional do PT aprovou uma resolução dizendo que “lutamos e lutaremos pela recuperação da democracia”. Ora, não se pode recuperar o que nunca se teve. Porque democrático o Brasil nunca foi.

O que vinhamos tendo no país desde o fim da ditadura militar, e que se costuma confundir com democracia, era um Estado de direito muitíssimo precário. Estado de direito é o governo segundo as leis e a Constituição. O Estado de direito é uma propriedade importante da democracia, mas não é a essência da democracia, aquilo que define o regime político democrático. A essência da democracia é o comando do Estado pela classe trabalhadora, que é a classe majoritária na sociedade.

Se o Estado é comandado pela burguesia, que constitui na sociedade minoria, então o regime político, mesmo na vigência plena do Estado de direito, é uma oligarquia, que é como se chama o governo de poucos. E como estes poucos são sempre muito ricos, pode-se dizer que é uma oligarquia dos ricos, uma plutocracia.

A plutocracia é o único regime político que existe no capitalismo. E pode assumir a forma de ditadura ou de Estado de direito, conforme as circunstâncias da luta de classes. Não existe democracia no capitalismo. E o Estado de direito só é democrático quando as leis e normas constitucionais realmente correspondem à vontade manifesta do povo.

De modo que é um equívoco do PT e de boa parte da esquerda brasileira tomarem por democracia apenas a vigência do Estado de direito. Compram gato por lebre dos ideólogos burgueses e ajudam a burguesia e a direita a venderem uma democracia falsa aos trabalhadores, que desaprovam evidentemente o que experimentam. “Somos um partido dos trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores”, diz o Manifesto de Fundação do PT, lançado em 1980.

Mas para não iludir os trabalhadores, seria necessário que o PT não caísse nas ilusões vendidas pela propaganda da burguesia. Infelizmente, muito cedo o PT caiu nessas ilusões e passou a alimentá-las e disseminá-las. Por isso não escapa do julgamento severo que os trabalhadores fazem dos partidos políticos e da desconfiança profunda que, por este julgamento que fazem, os trabalhadores têm dos partidos todos e da própria atividade política, de um modo geral.

Mas este Estado de direito que tínhamos no Brasil até o golpe, embora não fosse democracia e embora precário, como já dito, foi suficiente para permitir a existência do PT e a boa performance de Lula e do partido nas eleições, nos governos e nos parlamentos. Por isso passou a ser visto, cada vez mais, pela burguesia como um fator gerador de problemas e uma ameaça crescente ao seu total comando do Estado.

A reação conservadora não demorou e se deu já a partir do julgamento do mensalão, em 2005 e 2006, quando os réus petistas foram condenados sem provas num tribunal de exceção, que Lula e o PT não tiveram coragem de denunciar e afrontar.

Naquele momento, o Estado de direito que havia começava a ser fortemente minado, iniciando-se um processo de degeneração programada, que chega agora ao seu ápice, com a condenação sem provas de Lula em mais um tribunal de exceção, destinado a tirá-lo da disputa eleitoral de outubro e impedir que o povo brasileiro o faça presidente da república.

Uma intervenção assim, tão direta e tão flagrantemente indevida, no processo eleitoral do país, evidencia que ao Brasil se impôs uma ditadura do poder judiciário, comandada pela burguesia, como a ditadura militar que tivemos no passado. E o juiz Sérgio Moro é, obviamente, o delegado Fleury deste regime instalado.

Na ausência do Estado de direito, o desempenho do PT na luta política institucional fica comprometido e a própria existência do partido, como instituição, fica gravemente ameaçada. O que os acontecimentos da história recente demonstram é que a vigência ou não do Estado de direito no país depende fundamentalmente da vontade da classe que comanda o Estado.

Uma nova organização partidária para uma nova forma de combate político

Quando as leis e a Constituição deixam de ser seguidas pelos parlamentos e tribunais do Estado burguês, não há outra alternativa para os trabalhadores e seus partidos senão criarem os seus próprios parlamentos e tribunais nas ruas, para confrontar o Estado da burguesia e estabelecer uma nova ordem.

Se tentam asfixiar o PT no interior das instituições do Estado, com golpes e ações judiciais fraudulentas, deve o PT buscar oxigênio nas ruas e nas ruas construir junto com o povo as bases sólidas de uma real democracia.

O PT, que até hoje tem sido apenas uma legenda eleitoral e parlamentar, precisa se tornar o quanto antes uma verdadeira máquina de mobilizar multidões, uma organização realmente capaz de atuar como um eficaz agente indutor e condutor de mobilizações sociais de grande intensidade e magnitude, como a greve geral, para derrubar a ditadura que se instalou no país e convocar uma assembléia nacional constituinte, que democratize o Estado, submetendo-o ao controle e comando dos trabalhadores.

Preparar o PT para esta nova forma de combate político é o desafio maior dos dirigentes do partido e da sua militância.

Não nos iludamos com as imagens das mobilizações de Porto Alegre e outras regiões do país em 24 de janeiro. Elas não foram suficientemente amplas para impactarem o Estado, assim como não o foram as mobilizações de resistência ao golpe, ao avanço da pauta legislativa do governo ilegítimo e ao avanço da escalada autoritária do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Para derrubar o governo já ou garantir a realização em outubro de eleições sem fraude, com Lula candidato, abrindo caminho para a convocação de uma assembléia nacional constituinte, é preciso muito mais, é preciso que haja mobilizações muito maiores e potentes do que estas que até hoje tivemos. E o PT precisa reconhecer que ainda não está preparado, como organização, para cumprir o papel de indutor e condutor de mobilizações assim.

Mas só o PT e nenhuma outra organização de esquerda além dele tem condições de converter-se nessa liderança que as massas precisam para lutar, por ser o PT, na esquerda, o único partido de massas. E a diretriz fundamental para a transformação deste nosso partido de massas, que tem sido apenas eleitoral e parlamentar, num partido de mobilização social, foi dada ano passado pelo nosso 6º Congresso e hoje precisa ser lembrada com muita ênfase em todos os nossos fóruns de debates.

Diz a Resolução sobre Situação Nacional, aprovada pelo 6º Congresso Nacional do PT, de 2017, que: “A grandeza dos desafios (…) requer do PT firmeza e vigor na dinamização e fortalecimento de suas instâncias”. Companheiros do PT, precisamos pensar muito seriamente sobre o significado e sentido prático desta importante advertência e recomendação da nossa instância máxima deliberativa.

Saudações petistas.

Por Silvio Melgarejopara a Tribuna de Debates do PT

ATENÇÃO: ideias e opiniões emitidas nos artigos da Tribuna de Debates do PT são de exclusiva responsabilidade dos autores, não representando oficialmente a visão do Partido dos Trabalhadores

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