A dor de 600 mil famílias ganha voz na CPI da Covid

Senadores ouviram parentes das vítimas nesta segunda (18). “Todos dias víamos a placa mostrando pessoas que perderam a vida. Hoje esses números ganharam face, rosto, história”, disse Humberto Costa (PT-PE)

A dor das famílias de mais de 600 mil brasileiros que perderam a vida por causa da Covid-19 ganhou voz nesta segunda-feira (18) na CPI. Os senadores ouviram o depoimento de sobreviventes e de parentes das vítimas em uma sessão repleta de indignação e sofrimento.

Compareceram à oitiva a enfermeira Mayra Pires Lima, de Manaus (AM), Katia Shirlene Castilhos dos Santos, que perdeu parentes para a doença, a viúva Rosane Brandão, Antonio Carlos Costa, da ONG Rio de Paz, Marco Antonio, outro sobrevivente, a órfã de 19 anos Giovanna da Silva e Arquivaldo Bites Leão Leite, que perdeu seis parentes e sofre sequelas da doença. Durante o depoimento, a ONG estendeu 600 lenços brancos na frente do Congresso em homenagem às vítimas.

Desta vez, o comportamento desumano de Jair Bolsonaro durante a tragédia sanitária foi exposto pela ótica das famílias enlutadas. Os depoentes condenaram o negacionismo de Bolsonaro e seus aliados e cobraram justiça para honrar a memória das vítimas. Estranhamente, a sessão não contou com a presença ou uma palavra solidária de nenhum senador da base governista.

“Incompetência, descaso e irresponsabilidade fizeram com que o Brasil se tornasse o segundo país do mundo em números absolutos de mortos pela pandemia e o sétimo em números absolutos de mortos”, declarou Antonio Costa, da ONG Rio de Paz.

“Agora, uma pergunta: o que esperar daquele que ocupa o mais alto posto da República num cenário assustador e angustiante como esse, no qual tantos doaram suas vidas para que o pior não acontecesse? O que vimos foi a antítese de tudo o que se esperava de um Presidente da República”, criticou Antonio Costa.

A órfã Giovanna da Silva, de 19 anos, perdeu os pais para a doença e agora tornou-se responsável pela guarda de irmã mais nova, de apenas 10 anos. “Eu, meus pais e minha irmã éramos muito unidos”, contou Silva. “Quando meus pais faleceram, a gente perdeu as pessoas que a gente mais amava. Eu vi que precisava da minha irmã e ela precisava de mim, eu me apoiava nela e ela se apoiava em mim. A partir dali, vi que eu não poderia ficar mais sem ela”, disse. O testemunho da jovem emocionou os senadores. O intérprete de libras também foi às lágrimas e precisou ser substituído.

Depoimentos de vítimas e parentes que perderam familiares. Foto: Agência Senado

Parente cobra de Bolsonaro pedido de desculpas 

O taxista Antonio da Silva ficou conhecido em todo o país em abril de 2020, quando enfrentou um grupo de bolsonaristas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. O grupo derrubava as cruzes que foram colocadas em um ato simbólico para homenagear os mortos da pandemia quando foi interpelado por Antonio.

Chocado com a falta de humanidade dos bolsonaristas, o taxista, que perdeu o filho de 25 anos e a irmã para a doença, recolocou as cruzes na areia. “Naquele dia, eles começaram a me agredir não pelas palavras, porque me chamaram de comunista, petista, etc. Quando descobriram que era apenas um pai que estava triste pelo seu filho, foi um constrangimento geral”, comentou o motorista.

“Nós merecíamos um pedido de desculpas da maior autoridade do país”, observou.  “Não é questão politica, se é de um partido ou de outro, nós estamos falando de vidas. A nossa dor não é “mimimi”, nós não somos palhaços. É real”, bradou.

Corpos empilhados

“Quando a gente vê um presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar, isso para nós é muito doloroso… Se ele tivesse ideia do mal que ele faz para a nação, além de todo o mal que ele fez, ele não faria isso”, declarou Katia dos Santos, em um dos mais forte relatos da sessão. Ela perdeu pai e mãe e narrou que a irmã precisou procurar pelo cadáver do pai no necrotério, tamanho era o volume de corpos empilhados.

“Naquele dia que meu pai faleceu chegou a quase 4 mil mortos. Foi o pico da segunda onda da pandemia. A minha irmã teve que ir na funerária, com o carro da funerária, e infelizmente ela passou por todos esses problemas. Porque, quando ela chegou lá no necrotério, não estavam encontrando o corpo do meu pai”, contou Santos.

Coordenação da CPI durante audiência que ouviu depoimentos de vítimas e parentes que perderam familiares na pandemia. Foto: Agência Senado

Audiência mais importante

O senador Humberto Costa (PT-PE) afirmou que os depoimentos transformaram a sessão na mais importante audiência da CPI. “Todos dias víamos a placa mostrando as pessoas que perderam a vida e hoje esses números ganharam face, rosto, história”, disse o senador, visivelmente emocionado após os ouvir os relatos.

“Ouvindo todos, a gente sente o tamanho dessa dor, o que fica para depois. Também é um momento importante para homenagear os profissionais de saúde, que todos fizeram questão de ressaltar, especialmente hoje que é dia do médico”, destacou.

Costa ressaltou a importância histórica do trabalho da CPI ao jogar luz sobre desmandos e crimes de Bolsonaro durante a pandemia. “Uma CPI que canalizou a atenção da população e todas as suas insatisfações. Por esse instrumento de investigação que atuou até agora, não temos direito de não dar ao Brasil uma resposta clara, contundente, fruto de um trabalho coletivo”, apontou.

O senador afirmou que o dia da apresentação do relatório, 26 de outubro, será histórico para o país. “Que dê uma resposta ao Márcio, à Katia, que eles possam ter justiça”.

“Quero me solidarizar com todas famílias que representam 603 mil brasileiros e brasileiras que morreram”, lamentou o senador Rogério Carvalho (PT-SE). “Sinto dizer que o governo não foi só negacionista. Ele agiu de forma intencional para ampliar o contágio, para que as pessoas se infectassem”, lembrou.

“Isso é muito mais grave, cruel, tenebroso, macabro. Expuseram 216 milhões de brasileiros a contrair uma doença que todos sabíamos que era perigosa”, ressaltou o senador.  “Bolsonaro cometeu crime doloso, contra a humanidade, ao criar comportamento de risco nas pessoas”.

“Só podemos esperar que o relatório produza efeitos, que haja justiça e que isso nunca mais volte a acontecer”, frisou. O relatório será apresentado no próximo dia 26.

Da Redação

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