Acusações e processos: o que falta para Bolsonaro ser cassado?

Incitação ao estupro, injúria, apologia a tortura, discriminação racial e agressão física a senador já sustentaram representações contra o deputado

Fabio Pozzebom

Jair Bolsonaro

Incitação ao estupro, injúria, apologia a tortura, discriminação racial e agressão física a um senador. Tal lista de condutas atípicas é ostentada por um mesmo parlamentar: o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).

A depender do tratamento que tem recebido de seus pares na Câmara dos Deputados, Bolsonaro não deve ter grandes preocupações. Nos últimos seis anos, foram quatro representações no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar contra ele com pedido de cassação de mandato. Nenhum outro parlamentar possui essa quantidade de representações. Até agora, contudo, todos os processos tiveram o mesmo resultado: o arquivamento.

Hoje, Bolsonaro é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) em dois processos relacionados às declarações ofensivas à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), quando disse em plenário, e depois em entrevista ao jornal “Zero Hora”, que ela não merecia ser estuprada porque “é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria”.

A declaração motivou os processos no STF contra Bolsonaro: uma ação penal por incitação ao estupro (inquérito 3932 proposto pelo Ministério Público Federal) e outra por injúria (petição 5243, apresentada pela própria Maria do Rosário).

“As palavras podem ser interpretadas com o sentido de que uma mulher não merece ser estuprada quando é feia ou não faz o gênero do estuprador”, escreveu o ministro do STF Luiz Fux, relator do caso na 1ª Turma do tribunal.

“Dá a entender que o homem estaria em posição de avaliar qual mulher poderia e mereceria ser estuprada. Em tese, a manifestação teve o potencial de incitar outros homens a expor as mulheres à fragilidade, à violência física e psicológica, à ridicularização, inclusive à prática de crimes contra a honra da vítima e das mulheres em geral”, completou o ministro Fux.

A Câmara teve a oportunidade de tratar da questão antes de o STF fazê-lo, afinal, o Código de Ética da Câmara dos Deputados traz vários artigos que revelam a quebra do decoro parlamentar por Bolsonaro. Como o Art. 5º, inciso III, que prevê infração ao decoro por parte de quem “praticar ofensas físicas ou morais nas dependências da Câmara dos Deputados ou desacatar, por atos ou palavras, outro parlamentar, a Mesa ou Comissão ou os respectivos Presidentes”.

Mas o conselho não agiu. A representação contra Bolsonaro no Conselho de Ética, pelos mesmos fatos que justificaram os processos no STF, datada de 10 de dezembro de 2014 e com relato dos fatos ocorridos no dia anterior, foi arquivada com fim da legislatura.

A abertura do processo contra ele no STF, todavia, tem o potencial de incidir sobre o atual mandato de Bolsonaro, já que ele foi reeleito. Isso porque, segundo o Art. 55 da Constituição do país, “perderá o mandato o Deputado ou Senador: VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”.


Apologia a tortura
Das representações contra Bolsonaro no Conselho de Ética, está em curso apenas a protocolada neste ano, em decorrência de suas declarações no momento em que votava pela continuidade do processo de impeachment contra a presidenta eleita, Dilma Rousseff.

No dia 17 de abril, Bolsonaro justificou seu voto pelo “sim” fazendo apologia ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.

“Parabéns presidente Eduardo Cunha. Perderam em 64, perderam agora em 2016”, declarou Bolsonaro no momento de proferir seu voto. “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff.”

Com a declaração, Bolsonaro desrespeitou o artigo 287 do Código Penal Brasileiro, que trata da apologia ao crime de tortura, entendimento que baseou a abertura de processo de cassação contra ele.

Ocorre que a simples abertura de processo não significa a continuidade das acusações. Em outras duas oportunidades, Bolsonaro saiu vitorioso no Conselho de Ética com relatórios que recomendaram o arquivamento das representações.

Em 24 de setembro de 2013, chegou ao colegiado um pedido de cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar pela agressão física contra o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

Naquele dia, o senador integrava uma visita da Comissão da Verdade do Senado e do Rio de Janeiro ao prédio do antigo DOI-Codi (zona norte do Rio). Bolsonaro não fazia parte da comitiva, mas compareceu ao local e começou a provocar os demais membros da comissão, além de forçar para acompanhar a visita.

Não tendo sido aceito para participar da visitação, Bolsonaro começou a empurrar e a ofender o senador Randolfe, até que deu um soco na altura da barriga do senador, golpe que foi desferido em meio ao tumulto provocado, como forma de ocultar a agressão. No entanto, câmeras de TV registraram toda a movimentação de Bolsonaro.

Pouco depois de um mês, em 30 de outubro de 2013, o relator do caso no Conselho de Ética, deputado federal Sergio Moraes (PTB-RS), votou pela admissibilidade do processo. Mas, no mesmo dia, Moraes decide complementar seu voto. Desta vez, recomenda o oposto: a inadmissibilidade do processo por “falta de justa causa”. Alegou não ter visto o soco nas imagens, mas “empurração” de braço para abrir passagem, ou seja, “nada que justifique uma abertura de processo por infração ao decoro parlamentar”.

Sergio Moraes é o deputado que se notabilizou pela declaração de que “se lixava” para a opinião pública quando questionado sobre o arquivamento de outro processo no Conselho de Ética: contra Edmar Moreira (PR-MG), conhecido como “o deputado do castelo” e acusado de usar verba indenizatória em suas empresas de segurança.

16-07-18 - Bolsonaro

Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

 

A lista de representações contra Bolsonaro começa em 18 de maio de 2011, em outro processo já arquivado no Conselho de Ética. O quadro “O Povo quer saber” do programa “CQC”, da TV Bandeirantes, que foi ao ar no dia 28 de março de 2011, trouxe Bolsonaro respondendo perguntas variadas. Entre elas, a da cantora Preta Gil: “Se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?”, questionou a artista.

Bolsonaro respondeu: “Ô Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. E meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”.

A frase se enquadra no crime de racismo, inafiançável e imprescritível, caracterizado pelo art. 20 da 7.716/1989. “Praticar ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

A pena prevista é reclusão de um a três anos e multa. Mas se o crime foi cometido “por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza”, a pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa (parágrafo segundo da lei).

O relator desse caso foi o deputado Sergio Brito (então PSC-BA), que, em 28 de junho de 2011, deu seguimento ao processo. Mas o plenário do Conselho de Ética rejeitou o relatório por 10 votos a 7. Assim, coube ao deputado federal Ônix Lorenzoni (DEM-RS) relatar o voto vencedor, que se baseou no Art. 53 da Constituição Federal, que diz que “deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

Essa interpretação de que ao parlamentar todas as declarações são permitidas, no entanto, não é acolhida pelo STF, guardião maior da Constituição brasileira. Em seu voto que recebe o processo contra Bolsonaro por incitação ao estupro, o ministro Luiz Fux indica os contornos constitucionais para a imunidade parlamentar.

“O conteúdo [das declarações de Bolsonaro sobre Maria do Rosário] não guarda qualquer relação com a função de deputado, portanto não incide a imunidade prevista na Constituição Federal”, entende o ministro.

Por Camilo Toscano, da Agência PT de Notícias

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