Aloizio Mercadante: Temer dá golpe mortal no Ensino Médio

Ex-ministro da Educação do governo Dilma critica proposta do presidente ilegítimo de ceder 40% da carga horária dos alunos para ser feita a distância

Marcos Oliveira/Fotos Públicas

Aloizio Mercadante durante pronunciamento quando era ministro da Educação

O ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante criticou duramente a intenção do golpista Michel Temer de liberar até 40% da carga horária total do Ensino Médio para ser realizada a distância. Para a educação de jovens e adultos, a proposta é permitir que 100% do curso seja fora da escola.

A Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017, também abriu brecha ao ensino online — possibilidade vetada anteriormente. O golpe do governo federal vem logo depois de Temer cortar dinheiro para a Educação.

Confira abaixo a íntegra da entrevista concedida ao Brasil 247:

Brasil 247: Todos fomos surpreendidos coma informação, que está na manchete da Folha de S. Paulo desta terça-feira (20), de que o governo Temer pretende liberar até 40% do ensino médio a distância. Qual avaliação você faz dessa proposta?

Mercadante: Esta proposta vai contra tudo que vinha sendo construído para o fortalecimento e a recuperação do Ensino Médio. Também representa a entrega de 40% da parcela que é destinada ao ensino médio dentro do Fundeb, que tem projeção de R$ 140 bilhões, neste ano.

Entretanto, para entendermos todo o processo, primeiro precisamos pontuar que é consenso entre os educadores de que o Ensino Médio é o maior desafio da educação brasileira.

Com 87% das matrículas concentradas nas redes estaduais e com um currículo enciclopedista, que dialoga pouco com a diversidade de interesses dos estudantes, o ensino médio apresenta os piores resultados nos indicadores de qualidade na educação, como no caso Ideb.

Muitos desses problemas estão relacionados ao fato de o Ensino Médio não ter sido prioridade do próprio Ministério da Educação no passado. O antigo Fundef, por exemplo, apesar de ter sido um passo importante na questão do financiamento da educação, tinha um foco exclusivo no ensino fundamental.

O Fundef excluía a Educação Infantil e o Ensino Médio. Por isso, o governo Lula, em 2002, fez um imenso esforço para reverter esse cenário e para acabar com antigas e falsas oposições, como a entre o ensino fundamental e o ensino infantil e médio, entre o ensino técnico e ensino médio e entre ensino básico e ensino superior.

E como se deu esse processo?

Passamos a conceber a educação com uma perspectiva sistêmica, ou seja, englobando todas as etapas e modalidades, da creche à pós-graduação. Para avançar no resgate de educação excludente e tardia, desenvolvemos um novo padrão de financiamento da educação, criando o Fundeb, que substituiu o antigo Fundef.

A vantagem estratégica do Fundeb é que ele permitiu repasses de recursos federais para todos os níveis da educação básica, incluindo a educação infantil e o ensino médio, que não eram, até então, contemplados nos repasses de recursos federais do MEC.

Estruturamos, ainda, um novo padrão de financiamento da educação pública, pois além do Fundeb, revogamos a DRU, criada pelo governo FHC, que retirava 20% dos recursos vinculados constitucionalmente para a educação.

Com isso, em nossos governos, o orçamento para educação aumentou 206% em termos reais, ou seja, descontada a inflação do período de 2003 a 2015.

Em 2013, aprovamos, também, a vinculação de 75% dos royalties do petróleo e 50% do Fundo Social do Pré-sal para a educação e para a saúde. Com essa ação, criamos um passaporte para o futuro, que projetava, no momento da provação da lei, o repasse de R$ 112 bilhões, em dez anos, e R$ 324 bilhões, em trinta anos.

O orçamento do Mec que era de R$ 18 bi, em 2002, atingiu R$ 97,9 bi, em 2015.

Mas e o ensino médio?

Agimos fortemente na valorização da carreira docente. Por isso, aprovamos a Lei do piso salarial dos professores, que permitiu crescimento real do piso salarial de 49%, entre 2009 e 2015. Além disso, procuramos fortalecer a formação dos professores com a Universidade Aberta do Brasil, o Pibid e o Parfor, que foram esforços essenciais na formação inicial e continuada dos nossos professores, gerando um estímulo na carreira, que ainda está muito aquém do que deveria ser.

É fato que a atual estrutura curricular do ensino médio, com treze disciplinas, é extremamente rígida e não dialoga com a diversidade de interesses dos estudantes desse nível de ensino.

Foi por isso que nosso governo democrático abriu um amplo processo de discussões sobre uma nova Base Nacional Comum Curricular, que recebeu mais de 12 milhões de comentários e sugestões e que previa 70% do currículo com o mesmo direito de aprendizagem e 30% para itinerários formativos optativos.

A nossa proposta previa uma Comissão Nacional e representativa que acompanharia e definiria os parâmetros comuns para a implantação do novo currículo, incluindo os itinerários formativos optativos, fazendo os ajustes necessários.

Agora, com o golpe, a competência é exclusividade das redes, sem mediação e monitoramento, o que pode levar a distorções e desequilíbrios no interior das redes ou entre elas, porque as redes são muito heterogêneas e as escolas também.

Todo nosso esforço era implantar a escola em tempo integral, no sentido de aumentar o tempo dos alunos nas escolas. Por isso, criamos o Ensino Médio Inovador, que disponibilizava apoio técnico e financeiro a propostas curriculares criativas, possibilitando uma ampliação da jornada escolar para 07h diárias.

A proposta do governo Temer, de permitir 40% do ensino médio a distância, vai contra todas as iniciativas de fortalecer a escola de tempo integral. É um verdadeiro golpe mortal no ensino médio brasileiro.

E por que o senhor considera a medida tão desastrosa assim?

O modelo de excelência do ensino médio é oposto a estas imposições arbitrárias. São exatamente as escolas de tempo integral, como os Institutos Tecnológicos Federais, que no último exame do Pisa, Programa Internacional de Avaliação de Alunos, para jovens de 15 anos, implementado pela OCDE, em 2015, se fossem considerados um país, ficariam em 2º lugar em Linguagem, 11ª em ciências e 30º em matemática, entre os 70 países mais ricos do planeta.

Alunos da faixa etária do ensino médio devem aumentar a convivência escolar. A escola é um ambiente do conhecimento, do convívio com a diversidade, da cultura e da formação, tendo como complementação da formação o ensino das artes e educação física.

A escola, especialmente nesta faixa etária, deve preparar para a vida em um sentido amplo, familiar, social e profissional. Especialmente em um momento como este, com a violência e as drogas tão presentes nas periferias das grandes cidades, a exclusão da escola é um imenso e perigoso retrocesso.

Com essa proposta do governo Temer, o que estará vigente será o esvaziamento do ambiente escolar. Na prática, a jornada obrigatória do currículo, que é de 2,4 mil horas, será reduzida para 1,8 mil horas, um uma redução maior do que estava prevista na proposta anterior da Base Comum.

Além disso, as únicas disciplinas obrigatórias são o português e a matemática. A mudança proposta pelo governo Temer reduz os direitos de aprendizagem dos estudantes ao que couber nas 1,8 mil horas.

Não se trata, aqui, de ser contra a novas tecnologias digitais na educação, utilizadas na educação a distância. Até porque, nós também avançamos neste tema, com a ampliação da rede de laboratórios e de banda larga nas escolas, com a distribuição de tablets para os professores, disponibilização de conteúdos digitais e com o portal do professor, incluindo a plataforma Kehn Academy para biologia, matemática, física e química, como auxilio na preparação de aulas.

Acontece que essas novas tecnologias devem ser utilizadas como complemento das escolares, ou seja, para aprimorar a relação professor-aluno, a participação e enriquecer a jornada escolar, não para tirar os alunos da escola.

E o pioro na proposta de Temer é que tudo isso é proposto sem o devido controle de qualidade e com um forte processo de privatização da educação.

Como assim?

A visão neoliberal do estado mínimo e de privatização dos serviços públicos está sendo implantada, também no ensino médio, com estas medidas. Esse é o plano de fundo dessa proposta, que permitirá que os 40% do ensino médio a distância sejam oferecidas pela iniciativa privada.

Na educação superior, o Ministério da Educação do governo do golpe já flexibilizou o controle de qualidade da educação a distância, acabando, por exemplo, com a fiscalização e o controle de qualidade sobre os polos presenciais.

Com isso, estamos vendo à venda de diplomas de R$1,99, sem qualquer controle de qualidade, justamente para os estudantes de baixa renda, que não tem mais acesso ao Fies, que foi totalmente esvaziado por este governo.

A expansão da educação hibrida, que combina a presencial e a distância, vem ocorrendo em todo o mundo, mas com acompanhamento dos critérios de controle e de qualidade. No Brasil, a abertura de cursos a distância sem regulação e controle, no ensino superior, permitiu uma expansão de 1.222 cursos de graduação por EAD, em 2016, para 2.774 cursos, em 2017.

Essa mesma atitude, agora, pretende ser estendida ao ensino médio: é uma tragédia. Vai precarizar a formação dos estudantes sem qualquer critério, fragilizando ainda mais as escolas públicas de ensino médio. Isso porque, o que ninguém se deu conta ainda, é que, com essa medida, até 40% dos professores poderão ser colocados em disponibilidade ou demitidos.

Como não há qualquer controle de qualidade sobre as instituições e os conteúdos que serão oferecidos pela modalidade a distância, vivenciaremos uma segregação educacional selvagem, entre os alunos das escolas privadas e os alunos das escolas públicas, um verdadeiro apartheid educacional, que esteve muito presente na história do Brasil.

Por que essa diferença tende a aumentar?

Com a precarização do ensino médio público, os alunos das escolas privadas continuarão tendo acesso às melhores escolas, quenjá possuem uma jornada de 07h30 presenciais e mais o complemento dos recursos tecnológicos digitais.

Já os alunos das escolas públicas serão submetidos a um currículo com 40% da grade a distância, sem qualquer controle de qualidade. Sem falar no impacto dessa medida sobre os recursos do Fundeb.

Essa medida também impactará no Fundeb? Como?

É claro. Essa proposta vai permitir que a iniciativa privada se aproprie, sem qualquer medida prudencial ou controle de qualidade, de até 40% do Funded. Para dar uma ideia do montante que estamos tratando, para este ano, o orçamento do Fundeb tem o valor estimado de R$ 140 bilhões, o que significa que o a iniciativa privada poderia ter acesso a 40% da parcela que é destinada ao ensino médio.

Estamos falando da privatização do Fundeb. Recursos estratégicos que jamais foram repassados para iniciativa privada em nossos governos democráticos.

É a liberalização da EAD para privatização do ensino médio. Os cursos a distância para a formação técnica-profissionalizante, no parecer que está em discussão no MEC, não precisam estar sequer no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos.

Nos cursos de Educação de Jovens e Adultos, a modalidade de educação a distância pode ser de até 100% da carga horária.

Importante destacar que esse processo de entrega do Fundeb se dá em um contexto de estrangulamento financeiro da educação, a partir da PEC 95, que estabeleceu um teto de gastos primários pelos próximos 20 anos, uma medida de ortodoxia fiscal, que não existe em nenhum país do mundo.

A PEC 95 acabou com o piso constitucional de 18% das receitas da União para educação. O desmonte do ensino médio é parte desta narrativa neoliberal que estará presente no futuro da educação.

E quais as perspectivas?

O governo do golpe está desmanchando um ensino médio que tinha muitas deficiências, precisa sim ser reformado, mas jamais com estas medidas truculentas e privatizantes, que nunca foram discutidas e debatidas com transparência e que representam um golpe mortal no ensino médio público.

Precisamos retomar um projeto que volte a colocar a educação no centro estratégico das ações do Estado. Um governo que considere a educação como prioridade para que o país ingresse na sociedade do conhecimento. E isso só será possível com a eleição de um governo legítimo, em um processo eleitoral limpo.

O golpe e o afastamento da presidenta Dilma, sem crime de responsabilidade, a perseguição judicial contra Lula, com a presunção da culpa e não mais do princípio constitucional da inocência, são parte desta estratégia de um estado de exceção seletivo, que revoga os direitos trabalhistas, impõem uma ortodoxia fiscal permanente e que tenta abrir para os interesses privados os recursos públicos que eram aplicados nos serviços essenciais, como a educação.

O Brasil precisa de uma ampla unidade das esquerdas e dos movimentos sociais, elegendo um governo com legitimidade, força e respaldo popular para desfazer todos esses retrocessos impostos pelo governo Temer, que na educação, por exemplo, é um desastre completo. No ensino médio, este golpe representará um golpe mortal.

Do Brasil 247

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