André Pereira: A Lei Kiss contra o jeitinho que mata

A nova legislação de prevenção e proteção contra incêndios do Rio Grande do Sul, apelidada de “Lei Kiss” para tentar não deixar a sociedade esquecer jamais aquela dolorosa madrugada de…

Foto: Arquivo Pessoal

A nova legislação de prevenção e proteção contra incêndios do Rio Grande do Sul, apelidada de “Lei Kiss” para tentar não deixar a sociedade esquecer jamais aquela dolorosa madrugada de 27 de janeiro de 2013, na boate de Santa Maria, é um antídoto contra o jeitinho, a frouxidão e a leniência que provocou 242 mortes, arrasou famílias, castigou sobreviventes, paralisou comunidades da região central do estado e chocou boa parte do Brasil.

Foi há apenas pouco mais de 15 meses mas aparentemente a memória da tragédia de imagens tão estarrecedoras, transmitidas em cadeias nacionais de TV, apaga-se diante de interesses camuflados nas criticas ao rigorismo excessivo da legislação 14.376/2013 que prioriza a vida humana sobre patrimônio material.

Elaborada por uma comissão especial de atualização do regramento legal no Parlamento gaúcho, presidida pelo deputado estadual do PT, Adão Villaverde, o Projeto de Lei Complementar (PLC) que o governador Tarso Genro transformou na lei 14.376/2013, com a sanção no dia 26 de dezembro, foi aprovado por unanimidade na Assembleia Legislativa riograndense, em função da evidente prevalência dos critérios técnicos acima dos interesse políticos e partidários e da construção permeada pelo diálogo com entidades e representações da sociedade envolvidas na questão.

As resistências rumorosas eram esperadas, porque se sabe que à severidade de um novo ordenamento coletivo sempre se contrapõe interesses econômicos, pessoais, institucionais, corporativos ou escusos. E logo se agrega a busca ao retrocesso do comodismo anterior, com seus beneficiários financeiros estabelecidos (notadamente nas áreas da construção civil e da especulação imobiliária, neste caso), inconformados com as novas exigências de prevenção e proteção que incluem desde projetos mais cuidadosos até mais equipamentos de prevenção de incêndios, aumentando a necessidade de investimentos financeiros em segurança.

A reação a favor desse “jeitinho que mata”, disfarçado até de apelo à agilização de procedimentos virtuais insuficientes (notabilizados nas causas do incêndio da boate Kiss) está envolvendo pessoas desinformadas que, manipuladas, promovem episódios absurdos, valorizando o aspecto econômico, acima do valor social.

A questão que mais preocupa nestas reivindicações açodadas – em que não se descartam suspeitas de pressões pertinentes à época pré eleitoral –  é que primeiro se critica, cedendo à tentação da versão espetaculosa, mesmo correndo o risco da irresponsabilidade.

Só depois se tenta averiguar, com a leitura atenta da íntegra da lei, se, de fato, a questão tem procedência técnica. E normalmente, quando se desmente a inconsistência, o estrago já está feito, muitas vezes de modo irreversível.

Rigorosa, clara e justa, em sua premissa essencial de salvar vidas, a Lei Kiss se imporá sobre seus detratores, será regulamentada, aprimorada e validada na aplicação cotidiana que, esperemos, acabe com os riscos de uma nova tragédia, como a que envergonha tanto, a todos nós, pela impunidade, pelo descaso e pelo esquecimento, mal passados 15 meses.

André Pereira é jornalista e assessor parlamentar na Assembleia Legislativa do RS

PT Cast