Artigo: “O negacionismo mata”, por Pedro Hallal

O epidemiologista Pedro Hallal, com base em dados divulgados pelo jornal Valor Econômica, mostra que número de mortes na regiões bolsonaristas é maior

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Bolsonarismo expôs brasileiros à morte

Os dados trazidos a público pelo jornalista Ricardo Mendonça no Valor Econômico são estarrecedores. Todas as 5.570 cidades brasileiras foram divididas de acordo com o percentual de votos em Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Em 108 cidades, Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, em 833 cidades teve entre 10% e 20% dos votos, e assim sucessivamente, até chegar nas 214 cidades nas quais Bolsonaro teve entre 80% e 90% dos votos e na única cidade em que Bolsonaro teve 90% ou mais dos votos em 2018. Essas informações, aliás, são de domínio público e podem ser acessadas por qualquer um no Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral.

De posse dessas informações, o próximo passo foi analisar a quantidade de casos e de mortes por Covid-19 em cada uma das 5.570 cidades. Novamente, os dados são de livre acesso, tanto pelo Painel Coronavírus do Ministério da Saúde quanto pelo DataSUS. Nas 108 cidades em que Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, o número de casos é de 3.781 por 100.000 habitantes. A quantidade de casos sobe linearmente até atingir 10.477 casos por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve entre 80% e 90% dos votos e 11.477 casos por 100.000 habitantes na cidade em que Bolsonaro teve 90% ou mais dos votos.

Os dados para mortes são igualmente chocantes. A mortalidade varia de 70 mortes por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, até mais de 200 mortes por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve 50% dos votos ou mais. Na única cidade em que Bolsonaro fez 90% dos votos ou mais no segundo turno das eleições de 2018, a mortalidade é de 313 por 100.000 habitantes. Mais do que o resultado dessa cidade isoladamente, o que chama atenção é a escadinha observada nos gráficos.

Esses resultados mostram uma das facetas mais perversas da pandemia. O negacionismo, seja seu ou daqueles que estão ao seu redor, mata, e quanto maior o grau de negacionismo, maior o risco de morte por Covid-19. O morador de uma cidade na qual Bolsonaro venceu o segundo turno das eleições de 2018 tem três vezes mais risco de morte por Covid-19 do que o morador de uma cidade em que Bolsonaro foi derrotado com folga. Mesmo que a pessoa tenha votado contra o negacionismo, estando ela exposta a um ambiente negacionista, seu risco de morte é maior.

Não é a primeira vez que análises ecológicas desse tipo são produzidas. Nos Estados Unidos, pesquisadores mostraram que, entre março e dezembro de 2020, houve diferenças marcantes na mortalidade e nos casos de Covid-19 de acordo com o partido do governador de cada estado americano. Estados governados por republicanos, partido do ex-presidente Donald Trump, apresentaram, em média, 18% maior mortalidade por Covid-19 do que estados governados por democratas, partido do atual presidente Joe Biden. Embora essas diferenças sejam marcantes, elas sequer se comparam aos incríveis 177% de aumento nos casos que são observados comparando as 108 cidades brasileiras em que Bolsonaro fez menos de 10% dos votos com as 214 cidades brasileiras em que ele fez entre 80% e 90% dos votos.

Encerro expressando minha solidariedade às 450 mil famílias em luto pelas mortes por Covid-19, lembrando que mais de 300 mil dessas mortes poderiam ter sido evitadas caso o país tivesse optado por ouvir a ciência.

Pedro Hallal é epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo

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