Artigo: Políticas eficazes de combate à fome e a tragédia atual da fome

O Brasil demonstrou ao mundo que lutar contra a fome tem um significado econômico, lembra o professor, geógrafo e mestre em Políticas Públicas Milton Pomar

Há apenas dez anos, o ex-presidente Lula foi premiado pela norte-americana “World Food Prize Foundation”, entidade que homenageia personalidades que se destacam no combate à fome, por ele ter, enquanto presidente da República, “garantido que 93 por cento das crianças e 82 por cento dos adultos façam três refeições por dia”. A entidade também destacou, em seu informe, alguns dos programas sociais dos governos Lula, como o Fome Zero, Bolsa Família, Mais Alimentos, e o de Aquisição de Alimentos para a Merenda Escolar.

No ano anterior, Lula recebeu o título de “Campeão Mundial na Luta Contra a Fome”, do Programa Mundial de Alimentos da Organização das Nações Unidas (ONU). “Programas de combate à fome são um bom negócio, criam empregos e crescimento econômico. O Brasil demonstrou ao mundo que lutar contra a fome tem um significado econômico. O Fome Zero custa menos de 2% do orçamento nacional. Além disso, a luta contra a fome tem um sentido político positivo”, disse Josette Sheeram, diretora-executiva do Programa da ONU. Concebido como estratégia de governo, o “Fome Zero” foi tão ousado e bem-sucedido, que a FAO (Agência de Alimentação e Agricultura da ONU) concedeu a LULA a Medalha Agrícola – sua maior prova de reconhecimento aos que lutam contra a fome no mundo – em 2005, por sua atuação como presidente para acabar com a fome e a miséria no Brasil.

Difícil não se emocionar lembrando desses fatos, porque dizem respeito à alteração radical da realidade brasileira em 2002, de desemprego, pobreza, miséria e fome, para, sucessivamente, a redução da extrema pobreza (12% em 2003, para 4,8% em 2009); aumento real do salário mínimo (de 2002, quando comprava 1,4 cesta básica, para 2,2 cestas em 2014);pleno emprego em 2013; quase 50 milhões de pessoas beneficiadas pelo Bolsa-Família; queda da desnutrição infantil (62%, entre 2003 e 2009), graças principalmente à alimentação escolar; e finalmente a saída do Brasil do “Mapa da Fome” da FAO em 2014.

Sabe-se hoje que centenas de milhares de mortes poderiam ter sido evitadas, se o governo federal tivesse seguido as orientações cientificas para reduzir a contaminação pela Covid-19, e trabalhasse com rapidez e de maneira planejada. Da mesma forma, as omissões e ações deliberadas, da presidência da República e dos seus ministros, são as principais responsáveis pelo aumento assustador da quantidade de pessoas passando fome no Brasil. Porque não é por falta de alimentos que 20 milhões de pessoas passam fome no Brasil: arroz, algodão, feijão, milho e soja deverão somar 288,6 milhões de toneladas, segundo o 1º Levantamento da Safra de Grãos, divulgada dia 7/10, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), quantidade mais que suficiente para alimentar 1 bilhão de pessoas por um ano. Além desses grãos, o Brasil produz mais de 100 milhões de toneladas de mandioca, batatas, frutas, hortaliças, castanhas, amêndoas, pinhões, óleos comestíveis (girassol, palma, coco), palmitos etc., etc. Produz ainda 30 milhões de toneladas de carnes de frango e outras aves, suínos, bovinos, caprinos, ovinos, coelhos, peixes, camarões etc; 35 milhões de toneladas de leite; e mais de 56 bilhões de ovos.

Uma CPI sobre a Fome e a Pobreza no Brasil comprovará os impactos negativos das políticas econômicas e sociais em vigor, agravadas pela pandemia e a falta de ajuda emergencial esse ano: redução dos programas de complementação de renda para famílias pobres, e de crédito subsidiado para a agricultura familiar; inflação de alimentos próxima de 20%; desemprego elevadíssimo e persistente; e o empobrecimento generalizado da população, visualmente constatável em todas as capitais e principalmente na região central de São Paulo, “a cidade mais rica da América Latina” – a nível nacional, 220 mil pessoas pobres encontram-se “em situação de rua”, vivendo e dormindo nas calçadas e praças, segundo estimativa do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA).

Enquanto isso, o “Agro” fatura como nunca, apesar das chuvas insuficientes: espera-se um Valor Bruto de Produção Agropecuária (VBP) para 2021 da ordem de R$1,1 trilhão, 10% superior ao de 2020. Destaques em 2021, a soja, milho, cana-de-açúcar, carne bovina e carne de frango contribuíram com 72,4% do total faturado. Os recordes de valor, desde 1990, ocorreram em trigo (R$ 12,8 bilhões), algodão (R$ 29,8 bilhões), milho (R$ 121,6 bilhões) e soja (R$ 360,3 bilhões).

Exportando US 100 bilhões por ano, o “Agro” ambiciona passar dos atuais 7% para 10% do comércio agrícola mundial, o que requer aumentar em 40% a sua participação atual. Nesse caso, os empresários do “Agro” venderiam alimentos para mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo. Quanto mais exportam, mais caros ficam as carnes, óleo de soja, arroz, trigo etc.no mercado interno, o que significa que muito mais gente passará fome no Brasil.

Milton Pomar é professor, geógrafo, mestre em Políticas Públicas (Flacso/Brasil).

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