Artigo: Sobre as alianças e sua inevitabilidade, por Vladimir de Paula Brito

“A vida das pessoas está acontecendo agora, de muitas findando-se em meio a uma pandemia descontrolada, a de outros sendo privada de um mínimo de alimentação, de acesso a saúde, de perspectiva de futuro. Setores da economia estão sendo entregues ou liquidados. Para grande parte da sociedade brasileira a retomada desta via democrática e nacionalista é muito mais uma questão se sobrevivência do que de opinião”, afirma Vladimir de Paula Brito em artigo

Divulgação MST

Manifestação no Congresso Nacional

Em países como o Brasil é muito difícil a esquerda ou a direita obterem maioria político-parlamentar suficiente para conseguir governar de forma autônoma. Um exemplo relativamente recente deste fenômeno se deu com a primeira eleição de Lula (2002), em que o PT se sagrou campeão de votos, mas elegeu somente 96 deputados, em um universo de 513. Somando todos os partidos de esquerda não se chegava a 200 parlamentares a época, não se conformando sequer maioria simples para aprovar questões cotidianas. No senado o cenário era ainda pior.

De fato, o país é diverso, continental, possuindo múltiplos olhares e explicações da realidade, para além de um sistema eleitoral que “incentiva” uma ampla gama de partidos. Por conseguinte, qualquer organização política que chegue a Presidência da República, necessariamente, deverá fazer alianças políticas, ou não governará.

Sob este contexto, no tocante ao projeto político-eleitoral da esquerda, ao considerar-se o papel definidor da classe média brasileira, ainda existe um agravante. Nos países em que os setores médios são relativamente reduzidos tendem a votar com a direita, uma vez que se permitem acreditar viável sua inserção na elite econômica. Este fenômeno ajuda a entender porque é tão comum encontrarmos no país funcionários públicos neoliberais, operários de montadoras defendendo reforma trabalhista, ou até mesmo militares implementando políticas com a finalidade prática de acabar coma indústria de defesa.

Assim posto, torna-se claro para qualquer setor da esquerda que acredita ser possível construir uma agenda para o país lastreada pelo combate a desigualdade, ampliação de acesso ao ensino e saúde, com a proteção e desenvolvimento de uma indústria nacional pujante, bem como a ampliação das capacidades de defesa nacional que garantam a autonomia do país, que alianças são inevitáveis. E mais, que estas alianças serão feitas com partidos que possuem diversas diferenças programáticas para com as posições de centro-esquerda.

Claro que existem panoramas políticos em que a sociedade está mais radicalizada e as composições podem ser menores, por outro lado, em alguns momentos como o atual, em que a sociedade está mais a direita, a necessidade de composição tende a ser mais ampla. Em algumas situações, caso o posicionamento social esteja tão a direita que seja impossível implementar uma agenda progressista, pode ser preferível não fazer alianças e disputar fazendo propaganda do programa, plantando para o futuro.

No entanto, existem conjunturas em que mais do que implementar um amplo programa, é necessário impedir um curso de ação catastrófica para a nação. Por exemplo, na Alemanha de 1938 uma aliança com o centro católico e o Partido Socialdemocrata poderia ter detido o nacional socialismo. O problema é que o modelo mental de todos os envolvidos ainda estava no contexto democrático, enquanto a realidade estava migrando a todo o vapor para a barbárie. Então os ódios antigos primaram sobre a análise da conjuntura, e suas constantes mudanças que tanto incomodam nossas certezas.

Voltando ao caso brasileiro, o Partido dos Trabalhadores terá um papel fundamental na construção de um conjunto de alianças de centro-esquerda que permita a eleição de um governo humanista e democrático, sob viés nacional desenvolvimentista. Vez que se chegue ao segundo-turno terá que conduzir uma nova rodada de alianças, mesmo que informais, para se tornar viável. De diferentes maneiras, os eleitores que atualmente votam nos partidos de centro ou centro-direita, que no presente contexto são muitos, deverão ser convencidos que encontrarão representatividade no novo governo, ou não se deslocarão do lugar, ou ainda pior, votarão no atual presidente. Nas eleições presidenciais de 2018 aliás, foi justamente o que aconteceu. Apavorados pelas décadas de campanhas de desinformação contra a esquerda, a maioria destes eleitores optou por votar na extrema direita. A miragem da economia liberal conseguiu ser vendida como fantasia para as práticas pouco democráticas que adviriam.

Claro que as alianças podem sim ser absolutamente pontuais, voltadas simplesmente para impedir o mal maior. Um exemplo foram as recentes eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, em que a esquerda votou maciçamente para evitar a barbárie, e não para escolher o programa político de sua preferência. Este será o contexto da disputa presidencial de 2022. Em uma inversão de papeis, caso a esquerda chegue ao segundo turno para enfrentar o atual governo, precisará necessariamente dos votos do centro democrático.

Neste sentido vale observar que nenhum ser humano gosta de ser humilhado, desconsiderado ou, o que é pior em uma democracia, ter sua posição política apresentada como espúria. Existem sim brasileiros sinceros que equivocadamente querem privatizar a maioria das estatais, inserir o país como um escravo tecnológico ou acabar com a nossa capacidade de defesa nacional.

Estão enganados e devemos discutir exaustivamente com estes seguimentos em convencê-los de seus equívocos. O problema é quando não permitimos a divergência de opinião e criminalizamos a diferença, e, por conseguinte a sua representação política. Para iniciar um debate profícuo é necessário reconhecer no outro um interlocutor legitimo, ou se torna impossível qualquer tipo de convencimento.

Dificilmente alguém que não é considerado um ator digno do processo político se permitirá ouvir, e muito menos considerará mudar de posição. Mas, quando se está em um contexto cujas posições que se defende ainda são minoritárias é justamente do que se precisa para romper o quadro que imobiliza o país. Então, dialogar com os partidos de centro e sua base, exercitar a troca de opiniões, debater nossa agenda política é primordial não somente para a plena restauração de um ambiente democrático, como também para enfrentar os riscos a própria democracia.

Sim, é um fato histórico o de que infelizmente grande parte destes seguimentos políticos costuma flertar perigosamente com alternativas pouco democráticas. O que ocorreu no Brasil de 2016 com Dilma não é propriamente uma novidade. Foram os mesmos setores que deram o rosto civil para o início do regime militar e para o suicídio de Getúlio. Aliás, a superestimação do centro e da direita liberal em sua capacidade de “domar” a extrema direita é recorrente em escala mundial. Hitler foi colocado no poder pelos partidos da direita clássica, que avaliavam como tarefa fácil sua contenção. Fenômeno análogo se deu em 2016 com o Partido Republicano sob Trump.

Todavia, em que pese este comportamento errático não existe opção pelas vias democráticas, que não passe pelo diálogo amistoso. Como nos ensinou Nelson Mandela, “o ressentimento é como beber veneno e esperar que isso mate seus inimigos”, ou seja, as mágoas não constroem um futuro para a nação. Ainda seguindo as orientações do líder sul-africano: “se você quer fazer as pazes com seu inimigo, você tem que trabalhar com ele. Em seguida, ele irá tornar-se seu parceiro”.

Em se recompondo a plena normalidade democrática existirão muitos anos para maturar erros e acertos, todavia as mudanças têm que acontecer agora.

Considerando-se este “preambulo”, torna-se evidente que a aliança para a disputa da mesa diretora no congresso nacional não somente é fundamental para assegurar um lastro mínimo nesta instância para a democracia brasileira, como também desempenha um papel fundamental para o futuro. Quando se reconhece o papel do adversário democrático se cumpre um rito fundamental na alternância de poder, pois se estimula que este tenha o mesmo comportamento. É necessário aprender a ser minoria para que seja construída a legitimidade necessária ao exercício da posição majoritária.

Colocar o governo federal sob a perspectiva democrático-popular novamente não é um mero exercício de orgulho ou satisfação pessoal pela retomada de uma posição injustamente perdida. A vida das pessoas está acontecendo agora, de muitas findando-se em meio a uma pandemia descontrolada, a de outros sendo privada de um mínimo de alimentação, de acesso a saúde, de perspectiva de futuro. Setores da economia estão sendo entregues ou liquidados. Para grande parte da sociedade brasileira a retomada desta via democrática e nacionalista é muito mais uma questão se sobrevivência do que de opinião.

 

Claro que todos desejamos um país desenvolvido, com justiça social e independência nacional, mas para construí-lo temos que partir da interpretação da realidade como ela é, e não somente do desejo. Pregar uma agenda purista aos convertidos não mudará o quadro político do país, e soará novamente como estelionato eleitoral no caso de uma vitória eleitoral. É necessário explicar de maneira honesta que as alianças são necessárias, mas que mesmo fazendo-as nunca perderemos o foco nos interesses estratégicos da classe trabalhadora e dos setores nacionalistas.

Muitos caminhos podem não dar certo em relação a tarefa posta para 2022, não existe completa certeza na política. Todavia, alguns caminhos necessariamente não darão certo, e um destes é não tratar apropriadamente os setores da população que se consideram como centro político.

Vladimir de Paula Brito é Doutor em Ciência da Informação pela UFMG e militante do NAPP Segurança Pública.

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast