Bancos apostam em lucrar ainda mais com a pandemia

Enquanto a economia real já sente os efeitos da queda da atividade em função do coronavírus – com possibilidade de uma recessão de proporções épicas –, as instituições financeiras pretendem lucrar com as generosas medidas do governo Bolsonaro. Dinheiro não chega na ponta para empresas e pessoas físicas

( Daniel Isaia/Agência Brasil)

Com a economia real sob a ameaça extrema da pandemia do coronavírus, as instituições financeiras demonstram imenso apetite por lucros e profunda aversão a qualquer tipo de risco. Os bancos apostam em lucrar ainda mais, mesmo com generosas medidas adotadas pelo Banco Central desde fevereiro, que buscam aumentar a liquidez e facilitar a concessão de crédito. A maior parte das medidas só deve sair do papel em abril. Mesmo assim, não há garantia de que resultem em maior oferta crédito de crédito às empresas, profissionais autônomos e famílias endividadas.

Em 20 de fevereiro, o BC divulgou mudanças nas regras dos pagamentos compulsórios, com previsão de aumento de liquidez em R$ 135 bilhões, e anunciando a compra de títulos de dívida externa, colocando US$ 3 bilhões no mercado financeiro. Em 23 de março, outro pacote de medidas foi editado para aumentar a liquidez da economia brasileira. Foram colocados à disposição dos bancos mais R$ 1,2 trilhão. Entre os instrumentos disponíveis está a redução da taxa de depósitos compulsórios de 25% para 17%, liberando R$ 68 bilhões para os bancos. Além disso, está prevista uma linha temporária de empréstimos para os bancos, tendo como garantia debêntures – títulos emitidos por empresas, que pode ampliar mais R$ 91 bilhões para os bancos.

A maior parte do segundo pacote de bondades do ministro da Economia, Paulo Guedes, consiste em um empréstimo para os bancos tendo como lastro letras financeiras garantidas por operações de crédito. Essa operação pode chegar a R$ 650 bilhões. A iniciativa já foi autorizada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e só depende de circular do BC para começar a valer.

Não há setor econômico no país que traduza melhor a máxima chinesa de transformar crise em oportunidade quanto o bancário. Enquanto a economia despencava a partir de 2015, em meio a uma crise fabricada para fustigar o reeleito governo de Dilma Rousseff, o lucro anual dos quatro principais bancos do país listados na Bolsa de Valores (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander) cresceu 38,7% até 2019, passando de R$ 62,7 bilhões para R$ 87 bilhões até 2019.

Mas, se o governo ajudou os bancos em busca de garantir dinheiro para irrigar a combalida economia nesses tempos de coronavírus, na outra ponta, os clientes – pessoas físicas e jurídicas – não conseguem obter crédito e estão com dificuldades para renegociar dívidas. O que se vê são empréstimos represados, juros aumentados e prazos de pagamento reduzidos, mesmo após os grandes bancos lançarem uma ação conjunta com o objetivo de diminuir o impacto da pandemia do Covid-19.

 

Dinheiro represado e mais caro

O presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, declarou que as linhas para capital de giro ou rolagem de dívidas estão com juros maiores e prazos menores. As cinco entidades representantes do varejo enviaram documento ao Ministério da Economia em 30 de março com a mesma reclamação.

“Os bancos deveriam oxigenar a economia, mas em vez disso, estão asfixiando”, reclama Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Segundo ele, embora a percepção de risco tenha aumentado substancialmente na crise atual, o sistema financeiro precisa dar a sua contribuição.

Os cinco maiores bancos do país – Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú e Santander – já processaram mais de 2 milhões de pedidos de renegociação de dívidas desde fevereiro. O valor das negociações chega a R$ 200 bilhões, conforme levantamento parcial divulgado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Em nota, a Febraban diz que “os bancos estão totalmente sensibilizados com a necessidade de os recursos chegarem rapidamente na ponta e continuarão agindo com foco para que o crédito seja dado nas mãos das pessoas físicas e das empresas”.

Com incertezas sobre quando e se os bancos emprestariam os recursos liberados pelo BC, a autoridade monetária anunciou outra medida no fim de março: uma linha emergencial de R$ 40 bilhões para financiar dois meses de folha de pagamento das empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano. Nesse caso, o governo entrará com 85% dos recursos. Os bancos entram com 15%.

A questão do risco é vista como central pelos bancos, que não se sentem “confortáveis” emprestando diante da perspectiva de aumento da inadimplência. Os integrantes da equipe econômica – os chamados Chicago Boys –  pretendem resolver essa questão com dispositivos inseridos na PEC 10/2020, a do “Orçamento de Guerra”, em apreciação no Senado, que autoriza o BC a comprar diretamente créditos públicos e privados, cujo impacto ainda não foi estimado pelo Ministério da Economia.

 

Da Redação

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