Boaventura: “Desordem jurídica” do STF é uma perversão perigosa

Em entrevista ao Brasil de Fato, sociólogo português afirma que caos institucional instaurou no Brasil, em uma “guerra social e institucional”

Lu Sudré/Brasil de Fato

Para Boaventura, prisão de ex-presidente Lula é perseguição política

A legalidade da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, detido desde abril na Superintendência da Polícia Federal (PF) de Curitiba, voltou ao centro do cenário político brasileiro após o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinar a soltura de todos os presos com condenações após decisão em segunda instância nesta quarta-feira (19). Cinco horas depois, em resposta ao pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, o ministro plantonista Dias Toffoli derrubou a decisão.

A sobreposição de decisões é apenas mais uma no histórico recente do Supremo. Durante a campanha eleitoral, o ministro Ricardo Lewandowski autorizou Lula a dar entrevistas para a Folha de S. Paulo e para a Rede Minas de Televisão. No mesmo dia, o ministro Luiz Fux, em decisão monocrática, suspendeu os efeitos da decisão do colega, gerando uma crise dentro do STF.

Em entrevista ao Brasil de Fato,  Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, considera que a conjuntura política brasileira é delicada e é ainda mais prejudicada com os impasses e disputa de poder na instância máxima de Justiça do país.

“Isso é uma guerra. Uma guerra extremamente perigosa dentro do STF. A extrema direita hoje, nas redes sociais, está dizendo que acabou-se o Lula, o petismo, e que agora é preciso acabar com o STF. É uma guerra social e institucional”, declara Boaventura.

“O sistema judiciário tem que ser reformado, tem que ser obviamente reconstruído, mas não dessa forma, criando um caos institucional, que é o que está sendo criado nesse momento com os conflitos abertos dentro do STF”, argumenta.

O sociólogo conta que acompanha com muita preocupação os imbróglios jurídicos do Supremo. “O sistema jurídico e judicial criado para garantir a ordem jurídica é, nesse momento, um fator de desordem jurídico. É uma perversão perigosa”, alerta.

Boaventura também defende a presunção de inocência garantida pela Constituição Brasileira, pela qual uma pessoa condenada em segunda instância, por exemplo, pode aguardar em liberdade a decisão final dos tribunais superiores sem execução antecipada da pena.

Apesar do texto constitucional, o entendimento foi alterado pelo STF em 2016.  Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de Lula, 169 mil pessoas poderiam ser beneficiadas pela decisão de Marco Aurélio, caso não fosse revogada por Toffoli.

Para Boaventura, a prisão de Lula foi executada por motivos políticos. “A única maneira de eleger o Bolsonaro era manter o presidente Lula na prisão”, sustenta. O renomado professor da Universidade de Coimbra acredita que a direita brasileira tem como objetivo “apagar” da memória da população os avanços sociais dos governos Lula e Dilma.

“Querem apagar para que os brasileiros só tenham a ideia de que nesse período só houve corrupção e mais nada. Não houve ProUni, não houve Reuni, não houve Bolsa Família. Não houve nada além de corrupção”.

Ainda em relação à memória dos brasileiros, o sociólogo afirma que o esquecimento do que realmente foi a ditadura militar também é uma estratégia das forças políticas de direita no país.

“Na Argentina e no Chile, os militares não poderiam voltar para o poder por vias democráticas como aconteceu com Bolsonaro, seu vice-presidente e ministros, que afirmam uma superioridade moral em relação aos civis. [No Brasil] Os crimes de terrorismo de Estado na ditadura nunca foram analisados e nunca foram punidos, portanto, querem apagar essa memória”, conclui Boaventura.

Por Brasil de Fato

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