Bolsonaro dá de ombros e vira as costas para a população, diz Channel 4

Maior telejornal da inglesa ‘BBC’ exibe reportagem especial sobre a crise do coronavírus no país e descreve omissão do presidente diante da pandemia. “Como Donald Trump, o presidente brasileiro está lutando para explicar por que seu país está rapidamente se tornando uma das piores vítimas do vírus”, aponta o canal britânico. ‘CNN’ traça linha do tempo do desastre nacional enquanto ‘Economist’ aponta que Bolsonaro causa mais danos ao Brasil do que Trump aos EUA

Foto: Mário Oliveira

“Afinal, por que alguém acharia que isso é uma piada?”, questiona Lindsey Hilsum, editora do ‘Channel 4 News, o principal telejornal da rede de TV homônima da renomada BBC. O canal exibiu na sexta-feira (29) reportagem especial sobre a crise brasileira, com foco no esmagador avanço do coronavírus pelo país. O Channel 4 é mais um das dezenas de veículos da imprensa internacional que vem cobrindo semanalmente a maior crise sanitária da história brasileira. Nas reportagens, a mídia estrangeira constata, horrorizada, o fracasso retumbante de Jair Bolsonaro à frente da Presidência da República e na condução do país diante da maior crise pandêmica de sua história.

“Essa é a impressão [de que é uma piada] que passa o presidente da República, Jair Bolsonaro. Covid-19? E daí? É apenas uma gripezinha”, diz a repórter, elencando as barbaridades ditas pelo chefe do Executivo nas últimas semanas. A reportagem do Channel 4 colheu depoimentos de doentes de Covid-19 em um hospital de campanha de São Paulo. Acamados, os pacientes falaram sobre suas experiências ao Channel 4: “uma gripezinha não mata a pessoa”, reage um enfermo. “Isso pode ser qualquer coisa menos uma gripezinha”.

“[O presidente fala que é gripezinha] porque ele não teve, o dia em que ele tiver, vai ver o quanto é duro”, opina a paciente Neura Molero, uma idosa que conseguiu alta após semanas de luta contra a doença. “Acho que ele não sabe o que fala”, diz. A reportagem anuncia a explosão de casos de Covid-19 no país, com o mais recente recorde de 26 mil novas infecções em 24 horas, o que coloca o Brasil na dianteira dos novos casos diários.

Vírus fora de controle

Os dados comprovam a velocidade extraordinária da propagação da doença e apontam para a necessidade urgente da aplicação de testes em massa. Lindsey informa que o país ainda não atingiu o pico da disseminação da pandemia e observa que, apesar do ambiente de organização nos hospitais de campanha, muitos ainda em construção, “lá o fora o vírus segue fora de controle”. O número de mortes segue em escalada, os hospitais em breve estarão superlotados, relata a editora, “enquanto o presidente brasileiro dá de ombros  e vira as costas”.

O Brasil caminha inexoravelmente para ter meio milhão de casos, constata Lindsey Hiulsun. “Mas nos últimos dois dias, o presidente Bolsonaro não falou nada sobre o vírus, ele está totalmente consumido por uma guerra política com o Supremo Tribunal Federal”, espanta-se. “E não há ministro da Saúde”, acrescenta. Ela lembra que os dois últimos ministros saíram do cargo “por discordarem da política, ou melhor da falta de política para a Covid-19”.

Lindsey ressalta que o combate à pandemia ficou a cargo de prefeitos e governadores. Ela pontua, no entanto, que considera difícil um achatamento da curva em São Paulo com a proposta de uma reabertura gradual em meio a um aumento de casos, programada para começar em junho. 

Trump abandona o “aliado”

No olho do furação, o clima de salve-se quem puder e de abandono do navio em meio ao naufrágio impregnou a atmosfera diplomática de Brasil e EUA. na sexta-feira (29), o presidente Donald Trump deixou mais do que claro que o “romance” com Bolsonaro azedou. Perguntado por uma correspondente brasileira sobre o fato de o Brasil ser o novo epicentro da doença, Trump saiu-se com essa: “o Brasil tomou um caminho diferente. Com certeza, eles estão passando por um momento difícil. Eu não quero criticar ninguém porque eu tenho muito respeito por ele. Eles foram atingidos como todo mundo, mas foram em uma rota diferente da nossa”.

O Channel 4 diz que talvez não exista admirador do presidente americano Donald Trump maior do que Bolsonaro. “Na verdade, ele é chamado de Trump dos trópicos”, compara o Channel 4 no texto que ilustra a reportagem de Lindsey. ”E, como Trump, o presidente brasileiro está lutando para explicar por que seu país está rapidamente se tornando uma das piores vítimas do vírus”, sugere o canal britânico.

Cemitério Nossa Senhora Aparecida, em Manaus (AM)

Linha do tempo do desastre

“Dizer que o Brasil viu os sinais de alerta seria um eufemismo dramático”, enuncia a reportagem da ‘CNN’, publicada no portal internacional da rede. A ampla cobertura, assinada pelos editores  Flora Charner, Shasta Darlington, Caitlin Hu e Taylor Barnes, traça uma linha do tempo, desde antes da chegada do vírus no país, entrelaçando casos e óbitos com a negligência e irresponsabilidade de Jair Bolsonaro.

“Enquanto o Covid-19 corria pela Europa, derrubava o Primeiro Ministro do Reino Unido e estrangulava a cidade de Nova York no início deste ano, o Brasil percebeu claramente que uma catástrofe estava a caminho”, descreve a reportagem. “Mas o perigo não foi abafado pelo megafone de seu presidente bombástico, Jair Bolsonaro, que repetidamente descartou o vírus como uma “gripezinha”?, indagam os jornalistas.

Mundialmente, prossegue a CNN, cidadãos questionam seus governos sobre como os surtos locais fugiram de controle. Mas no Brasil, onde o ministro interino da Saúde é um general sem formação na área e o presidente comparece a comícios contra o isolamento social, não está claro quem no governo federal pode dignar-se a responder a essa pergunta.”O que você quer que eu faça?”, perguntou  Bolsonao a repórteres no mês passado. “Sou messias mas não faço milagre.”

Seguindo a linha do tempo traçada pela CNN, em 10 de abril o país contabilizava mais de mil mortos. E Bolsonaro aparece desfazendo o trabalho do Ministério da Saúde. “Em 9 de abril, imagens mostraram o presidente descalço em uma padaria local, abraçando apoiadores e posando com pessoas desafiando os conselhos de distanciamento social”, relembra a reportagem.

“É a vida”

Pouco mais de duas semanas depois, em 29 de abril, 5 mil pessoas foram vitimadas pelo vírus. E Bolsonaro manteve a frieza. ”Sinto muito pela situação em que vivemos atualmente por causa do vírus. Expressamos nossa solidariedade àqueles que perderam entes queridos, muitos dos quais eram idosos. Mas é a vida, amanhã pode ser eu”, limitou-se a dizer o chefe do Executivo.

Em menos de um mês, o Brasil já tinha quatro vezes o número de mortos e havia ultrapassado a Rússia em número de infecções. Dia 21 de maio marcou a passagem dos mais de 20 mil mortos. Bolsonaro não se pronunciou. Decidiu comer um lanche em uma quadra de Brasilia. Naquela noite, quando Bolsonaro parou no carrinho de cachorro quente, sua comitiva atraiu uma mistura de apoiadores e manifestantes raivosos. “Assassino!”, gritou uma mulher.

Chegando ao presente, temos mais de 25 mil mortos. Bolsonaro agora chama a luta contra o vírus de “guerra”, relata a CNN. “Mas ele insiste que a estagnação econômica prejudicará mais o Brasil do que o próprio vírus”, observa a reportagem. “Como o total de casos conhecidos se aproxima de meio milhão, não está claro se algum número de sepulturas poderia reverter esse cálculo para ele””, fulminam os jornalistas.

Tragédia tropical

Na edição mais recente, publicada na sexta-feira (29), o respeitado semanário inglês ‘The Economist’ também se debruça sobre a catástrofe brasileira. Em reportagem intitulada “Tragédia tropical”, a ‘Economist’ observa que o país tinha algumas vantagens em função do atraso da chegada da pandemia no hemisfério Sul mas desperdiçou-as por causa de Bolsonaro. Para a publicação, o presidente populista zomba da medicina e de seus conselhos. “Sua atitude em relação ao Covid-19 se assemelha à do presidente Donald Trump: ambos  idolatram a hidroxicloroquina, um medicamento contra a malária que é inútil contra o Covid-19 e pode ser perigoso, de acordo com um novo estudo da ‘Lancet’”.

A atitude de Bolsonaro, no entanto, causa mais danos do que a de Trump. argumenta a ‘Economist’. “O sistema federal do Brasil é mais centrado no presidente do que o americano. Para funcionar bem em uma crise, todos os níveis do governo devem cooperar, municípios, estados e o governo federal. “O SUS é um animal de três pernas”, afirma o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. “Se você cortar uma das pernas, ele começa a andar em círculos”.

Nas regiões mais pobres do Brasil, a rede pública de saúde está se deteriorando, constata o semanário. “Quanto mais fraco o sistema de saúde, mais ele precisa da proteção de quarentenas rigorosas. Mas Bolsonaro fez disso uma questão de opinião. Ele aparece em protestos semanais contra quarentenas em Brasília, capital”, noticia a ‘Economist’, concluindo que o comportamento do presidente arruinou as medidas de isolamento social e transformou o país numa usina de contágio. 

Da Redação, com agências internacionais

Tópicos:

LEIA TAMBÉM:

Mais notícias

PT Cast