Censura e abandono simbolizam projeto autoritário de Bolsonaro

“A política do bolsonarismo é incompatível com a valorização da diversidade e da diferença”, diz Márcio Tavares, secretário nacional de Cultura do PT.

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Em pouco mais de dois anos de governo Jair Bolsonaro, cujo presidente e vários de seus colaboradores e apoiadores são defensores declarados da ditadura militar, um dos instrumentos utilizados por aquele regime autoritário sempre tenta se firmar, mesmo que seja disfarçadamente: a censura à produção artístico-cultural brasileira. Responsável por silenciar, adulterar, cortar e impedir obras musicais, cênicas, literárias e visuais, a censura foi uma das armas mais violentas usadas pelo regime militar, ao lado da tortura e dos assassinatos cometidos em duas décadas de autoritarismo.

Como bem destaca o secretário nacional de Cultura do PT, o curador Márcio Tavares, – uma das várias vozes que tem alertado sobre a tentativa de retorno da censura ao país – são duas as formas de censura no Brasil, a truculenta do passado, e a que tenta ser imposta no presente.

Durante a ditadura militar a censura era explícita, inclusive com um órgão governamental para esse fim que perseguiu muitos artistas e produções culturais. No governo Bolsonaro, as intenções são similares, mas as formas distintas. A censura é velada. Feita por meio de subterfúgios como o cancelamento de editais, o corte de financiamento, declarações intimidatórias. O dano à liberdade artística e de expressão é gigantesco com imenso prejuízo para a democracia”, afirma Márcio Tavares..

Temática LGBT e diversidade cultural

Dentro da tentativa velada de censura fica clara a intenção do governo conservador de Bolsonaro, sempre intolerante com a diversidade sexual e cultural, de impedir ou, ao menos, boicotar a produção de obras artísticas que tenham a temática LGBT, principalmente no caso da publicação de editais para a produção de espetáculos a partir de 2019.

Boa parte dos editais censurados tinham temática LGBT e de valorização da diversidade cultural. O governo Bolsonaro rejeita a valorização das diferenças e não aceita que o preconceito étnico-racial, de sexualidade e gênero apareçam em produções culturais. Pretendem interditar os avanços que esses segmentos conquistaram nas últimas décadas e impor uma visão limitada a respeito do que é família, amor, sexualidade e identidade. A censura torna-se instrumental nesse projeto autoritário e reacionário. Calar vozes dissidentes, corpos dissidentes é um objetivo central do bolsonarismo”, explica Tavares.

O secretário de Cultura do PT também cita a censura explícita a exposições de arte no país, sendo a mais emblemática de todas elas, que foi a do Queermuseu, com curadoria de Gaudência Fidelis, e que contou também com a sua colaboração.

Foi uma exposição fechada arbitrariamente e que deu visão para as novas formas de censura que surgiam por meio das milícias digitais da extrema-direita. Foi uma luta para reabrí-la no Rio de Janeiro em uma reação contra a censura que envolveu boa parte da comunidade política e cultural progressista. Evidentemente, era uma exposição que abordava a temática LGBT na arte e isso, como vimos, incomoda o reacionarismo. Outras manifestações de vulto censuradas foram a performance “La Bête” de Wagner Schwarz, no MAM-SP, brutalmente atacada nas redes, a exposição do MASP Histórias da Sexualidade e a do Museu da República de Brasília, Não Matarás. Em todas essas exposições temas a respeito da sexualidade estavam em debate e geraram a reação censória do bolsonarismo e da extrema-direita”.

Guerra cultural

Toda essa obsessão do presidente da República e de seus assessores mais ligados à chamada ala ideológica por censurar e atacar, principalmente pelas redes sociais, todas as manifestações que dizem respeito à sexualidade, questões de gênero e ideologias é definida por Márcio Tavares como parte de uma “guerra cultural”.

A chamada “guerra cultural” é um elemento estruturante do bolsonarismo” – define ele. “A perseguição de artistas e intelectuais é sistemática e funcional para que o projeto autoritário seja implementado. Como disse anteriormente, tudo o que é considerado desviante dos padrões de gênero, raça, sexualidade e ideologia defendidos pela extrema-direita é visto como elementos a serem eliminados, exterminados. É uma percepção autoritária e preconceituosa do mundo que busca ser imposta à força do acosso nas redes sociais e dos instrumentos governamentais disponíveis. A política do bolsonarismo é incompatível com a valorização da diversidade e da diferença”.

Outro fator considerado grave que contribui para o advento de algum tipo de censura às obras culturais é o fato de que parte da sociedade também apoia a pauta de costumes do governo e às vezes age como “fiscal” das produções artístico-culturais que apresentam temas que contrariam a sua visão religiosa e moral.

Eles alguns se arrogam essa função de censores” – alega Tavares. “Usam formas de constrangimento como registros de vídeo, fotografias, textos nas redes sociais e outras formas de acosso para perseguir artistas. Algumas vezes tiveram sucesso e conseguiram cancelar eventos, patrocínios e, pior, engendram o medo que produz a autocensura. O ambiente é tóxico para a produção cultural livre. Muitas vezes, a religião é usada como um subterfúgio e o significado de obras são deliberadamente deturpados com o fim de interditar determinada iniciativa que esses grupos não concordam”, afirma.

O secretário lembra a cumplicidade de Jair Bolsonaro com esses posicionamentos violentos. “É, aliás, algo estimulado pelo próprio presidente que reiteradamente afirma que recursos públicos não vão ser usados para financiar tal e qual obra de arte, sendo que normalmente ele mesmo distorce o conteúdo das obras para atingir seus fins políticos. Isso é um movimento estratégico e sem ele o bolsonarismo não resiste: é preciso constantemente criar fantasmas para alimentar um público consumido pelo ressentimento”.

Márcio Tavares, historiador, curador de arte e Secretário Nacional de Cultura do PT. Foto: Divulgação

Abandono da lei de incentivo

Além da “censura econômica” ter sido utilizada de maneira ostensiva pelos órgãos governamentais para prejudicar a produção cultural no país, o governo federal também praticamente jogou às traças a lei Rouanet, agora renomeada Lei Federal de Incentivo à Cultura.

O governo federal não investe recursos na lei Rouanet desde que Mário Frias assumiu a cadeira de secretário. No fundo do audiovisual temos 2 bilhões de reais não usados e todos os dias novos subterfúgios são usados para inviabilizar que esse recurso chegue nas mãos dos realizadores. No audiovisual, suspensão de editais aconteceram. Tudo isso busca a asfixia da produção e notadamente são modos velados de censurar a arte e a cultura”, diz Márcio.

Ele lembra o papel correto que deveria ser exercido pela Secretaria Especial de Cultura que, em tese, deveria ser a de promotora e articuladora das políticas culturais. “Contudo, efetivamente o papel dessa secretaria tem sido a de inviabilizar as políticas culturais e perseguir artistas e fazedores. Aliás, é preciso salientar que a extinção do MinC e o esfacelamento do órgão é um objetivo perseguido por Bolsonaro desde a eleição”, lembra ele.

Márcio Tavares afirma que a comunidade cultural não está paralisada e que tem reagido às manifestações de censura e do abandono da cultpor parte do governo

A comunidade cultural tem reagido. Protestos foram organizados, ações judiciais e iniciativas políticas tomadas, grupos de apoio existem. A grande mídia, em sua maioria, tem mostrado os casos de censura que ganharam maior visibilidade. No entanto, falta um acompanhamento desse tema na importância democrática que ele tem. Mas, a presença institucional do bolsonarismo é muito forte e é preciso muito apoio dos movimentos sociais. Nós, do PT, tomamos muitas iniciativas contra a censura e seguiremos tomando, temos compromisso com a liberdade artística”, finaliza.

Da Redação

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