Com Bolsonaro, liberação de armas forma um ‘exército’ fora do controle do Estado

Dados do sistema administrado pela Polícia Federal apontam para mais 180 mil armamentos de vários tipos circulando no país no ano passado. Em agosto passado, a corporação afrouxou as normas para obtenção de licenças e dobrou de dois para quatro o total de armas permitidas por usuário

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Bolsonaro facilita liberação de armas

Deus, família e armamento”. Ou “eu quero todo mundo armado, que povo armado jamais será escravizado”. As múltiplas palavras de ordem convergem em um ponto: o presidente Jair Bolsonaro está produzindo uma multidão de pessoas armadas e bem municiadas, com cada vez menos controle do Estado. O oposto do preconizado no Estatuto do Desarmamento promulgado pelo Governo Lula, em obediência à decisão democrática de 63,68% dos eleitores no plebiscito realizado em 23 de outubro de 2005.

Um dos resultados da demolição dos marcos legais que instituíram o controle de armamento e munições no Brasil a partir da vigência do Estatuto foi exposto em reportagem da ‘BBC News Brasil’ de sexta (8). Quase 180 mil novas armas de fogo foram registradas na Polícia Federal (PF) em 2020, engrossando estatísticas crescentes desde tentativas de afrouxamento promovidas ainda sob o usurpador Michel Temer.

A linha do tempo começa em 2009, quando a PF passou a informar os números sobre aquisição de armamentos. O boom ocorreu dez anos depois, quando 94.064 armas foram registradas no banco de dados da corporação – alta de 84% em relação a 2018. Em 2020, mais 179.771 armas ingressaram nos registros da PF. Recorde histórico da escalada armamentista promovida pelo desgoverno Bolsonaro.

Ele (Bolsonaro) não é só o presidente dos adoradores de armas. Quando fala abertamente sobre armar a população, ele dá o tom. Não é só aquela discussão de legítima defesa, que é uma falácia. É muito preocupante, não só o impacto para segurança pública, mas para a democracia

Melina Risso, diretora de Programas do Instituto Igarapé,

A PF também divulgou que o total de registros em 2020 ficou em 252.517 (alta de 30%). É a soma das novas armas com a renovação de registros vencidos no ano passado. O saldo desses dois anos de desmonte do arcabouço legal pró-desarmamento – que começou já em 1º de janeiro de 2019, dia da posse – é o crescimento de 183% dos novos registros de armas de fogo em comparação a 2018 e 2017 (96.512).

E isso apenas no sistema administrado pela PF, que seguia normas bem mais rígidas que as do controlado pelo Exército Brasileiro. Este permite a inclusão da categoria caçadores, atiradores esportivos e colecionadores (CACs), apoiadores de primeira hora premiados com normas cada vez mais permissivas do homem que quer armar o Brasil.

No sistema da PF, a categoria cidadão é que apresentou o maior número de registros: 122.378 (70% do total). Mais 51.955 armas foram homologadas por órgãos públicos como guardas municipais e portuárias, e servidores públicos do Judiciário e Ministério Público. Armamentos comprados por forças de segurança, como as polícias, são registrados no sistema do Exército.

“Agora é muito mais fácil para qualquer um ter o registro. Não precisa mais provar efetiva necessidade (de ter a arma). Basta a palavra do cidadão dizendo que tem efetiva necessidade. Ou seja, acabou a restrição que existia antes de a PF fazer uma análise para enxergar se havia uma efetiva necessidade”, afirmou o especialista em segurança pública Daniel Cerqueira, presidente do Instituto Jones dos Santos Neves, à ‘BBC News’.

“Isso significa que qualquer pessoa que tenha dinheiro para pagar um registro e comprar arma pode ter uma arma. Então foi um liberou geral da arma de fogo que vai contra o Estatuto do Desarmamento”, concluiu.

Neves referiu-se à instrução normativa da PF publicada em 20 de agosto passado, que autorizou cada pessoa a registrar até quatro armas em seu nome, contra duas da norma anterior, e aliviou as restrições legais do processo, até então muito mais rígidas que os procedimentos encaminhados pelo Exército para os CACs. A permissão havia sido estabelecida em decreto de Bolsonaro publicado ainda em janeiro de 2019.

O presidente e seu clã, que finalmente conseguiram dobrar a corporação, ainda obtiveram na instrução normativa a facilitação da obtenção do porte de arma. Ao contrário da posse, que autoriza o dono da arma a mantê-la somente dentro de casa, o porte permite que ele ande com a arma pelas ruas.

Em 2020, o total de novos portes de arma obtidos no país ficou em 10.437, alta de 12,6% frente a 2019. São, evidentemente, os maiores números desde 2009. O aumento do porte foi puxado pelas licenças concedidas para defesa pessoal, que somaram 4.824 em 2020 (alta de 64%). O porte funcional (para servidores públicos e autoridades com direito a ter arma) caiu 12%, para 5.888. O porte para outras categorias ficou em 446.

Liberação de armas reforça milícias. Imagem: Site do PT

Bolsonaro tentou liberar a importação

Em dezembro passado, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), subordinada ao Ministério da Economia do ministro-banqueiro Paulo Guedes, publicou no ‘Diário Oficial da União’ portaria zerando a alíquota de 20% do imposto de importação de revólveres e pistolas. A medida teria entrado em vigor em 1º de janeiro, se o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), não a tivesse embargado. A decisão final ficou para o plenário da Corte, neste ano.

Nas redes sociais, Bolsonaro chegou a comemorar a medida. Abaixo da própria imagem em um stand de tiro, comentou: “A Camex editou resolução zerando a Alíquota do Imposto de Importação de Armas (revólveres e pistolas)”. Também postou a informação de que o governo havia zerado impostos de importação de 509 produtos, entre insumos do combate à Covid-19 e alimentos como arroz, soja e milho.

Na ocasião, o Instituto Sou da Paz considerou descabida a comparação. “A flexibilização ao acesso a armas de fogo é apenas uma prioridade e um compromisso pessoal do presidente que em nada contribui para o enfrentamento da crise sanitária”, afirmou a ONG por nota. Levantamento do instituto apontou que desde janeiro de 2019 haviam sido publicados dez decretos e 13 portarias do governo ligados ao armamentismo.

“Ele não é só o presidente dos adoradores de armas. Quando fala abertamente sobre armar a população, ele dá o tom. Não é só aquela discussão de legítima defesa, que é uma falácia. É muito preocupante, não só o impacto para segurança pública, mas para a democracia”, reforçou então a diretora de Programas do Instituto Igarapé, Melina Risso.

E assim segue o faroeste caboclo bolsonarista. Até quando esperar?

Da Redação

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