Comissão Arns: sociedade civil vai monitorar abusos e violações

Após 50 dias de governo Bolsonaro, grupo inaugura articulação de entidades para enfrentar discursos e ações de ódio

João Paulo Brito/Conectas

Um grupo formado por intelectuais e ex-ministros inauguraram, nesta quarta-feira (20), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns.

O evento de lançamento lotou a Sala dos Estudantes, um auditório da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo (SP).

A comissão vai trabalhar em rede com outras entidades que recebem denúncias de violação aos direitos humanos, além de acompanhar e dar assistência aos casos.

Além disso, a articulação tem o objetivo de monitorar e coletar informações sobre violações aos direitos humanos e atos de intolerância e do discurso de ódio.

No evento, foram empossados os 20 membros-fundadores da Comissão, composta por nomes como o da cientista política Maria Hermínia de Almeida, o economista e ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira; o jurista Fábio Konder Comparato; a jornalista Laura Greenhalgh; o historiador Luiz Felipe de Alencastro, a filósofa Sueli Carneiro e a liderança indígena Ailton Krenak.

A instalação do colegiado ocorre 51 dias após o presidente de extrema direita, Jair Bolsonaro, tomar posse. O colegiado será presidido pelo ex-secretário de direitos humanos e membro da Comissão Nacional da Verdade Paulo Sérgio Pinheiro. A socióloga e ativista Margarida Genevois, de 96 anos, será presidenta honorária do conselho.

O economista André Singer, membro-fundador da Comissão Arns, destaca o caráter suprapartidário da articulação. Ele explica que a iniciativa acontece a partir da percepção que, em função do processo político de 2018, há graves ameaças aos direitos humanos pairando sob o país.

“Nós sabemos que a história dos direitos humanos no Brasil sempre foi difícil, mas achamos também que a Constituição de 1988 permitiu avanços importantes. E a comissão se reúne com a perspectiva de juntar uma diversidade grande de posições de pensamentos, posições e visões de mundo, mas que se unificam em torno dos direitos humanos”, afirma o economista.

“Achamos que, sem querer nenhum tipo de protagonismo, essa articulação pode nos ajudar a dar maior visibilidade e prosseguimento jurídico às violações de direitos humanos.”

Respostas da sociedade civil

Professora emérita da Universidade de São Paulo (USP), a filósofa Marilena Chauí acompanhou o evento de abertura do evento. Ela compara a criação da articulação às organizações e frente de luta pela democracia no fim da ditadura militar.

“E é porque fizemos esse grande caminho que, nesse momento em que um conjunto de medidas destrói direitos, nós vamos nos colocar’, diz a professora.

“Não em termos partidários e de uma luta com o foco vindo de um partido, mas com política com P maiúsculo e ética para impedir a destruição dessa conquista e essas medidas que podem desativar e repor o Brasil lá onde ele estava no começo dos anos 1980. Nós não podemos regredir dessa maneira”, completa.

Evento lotou Sala dos Estudantes na Faculdade de Direito da USP

O ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, enxerga a criação da Comissão Arns como uma tentativa da sociedade civil se reorganizar para evitar recuos e retrocessos. No evento, Haddad comentou as derrotas significativas sofridas pelo Bolsonaro nesta semana.

“O governo tentou criminalizar os movimentos sociais e não conseguiu; e ontem [dia 19 de janeiro] a Câmara derrubou o decreto que limitava o acesso à informação pública. Isso é muito significativo”, disse Haddad.

“É uma retomada, um despertar de consciência cívica sobre o que está em jogo, e a sociedade civil é forte o suficiente para barrar qualquer ato de arbítrio que o governo queira cometer, seja de direito social ou direito civis”, avalia o ex-prefeito de São Paulo.

Também estavam presentes representantes de órgãos públicos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e Procuradoria Geral da República, na figura da subprocuradora-geral Deborah Duprat. Em sua fala no auditório, Duprat caracterizou o momento como necropolítico, ou seja, “que se orienta em relação à morte como forma de organização da vida política”.

“A gente tem isso muito claro no decreto que arma as pessoas. Mas a gente tem isso também no decreto que superdimensiona o direito penal. Nós temos também o discurso de uma certa condescendência e leniência com a tortura, mas, principalmente, o discurso forte da autorização para matar. Matar quem? Matar a periferia — real e simbólica.”

Homenagem

A Comissão Arns recupera e homenageia o líder religioso no contexto em que membros do governo federal afirmaram querer “neutralizar” ações de entidades missionárias da Igreja Católica, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

André Singer afirma que a escolha do nome do chamado “cardeal do povo” se deu porque ele é figura inspiradora para as organizações que compõem a nova frente de atuação.

“Dom Paulo é uma figura simbólica de toda a resistência a favor dos direitos humanos. Durante o período da ditadura militar, ele foi a pessoa capaz de congregar todos os pontos de vista diferentes — religiosos, políticos e filosóficos — em favor dos direitos humanos”, pontua.

O arcebispo faleceu aos 95 anos no dia 14 de dezembro de 2016, por complicações renais. A ação política de Arns contra a repressão do regime ditatorial ganhou destaque em 1969, quando ele passou a defender seminaristas dominicanos presos por ajudarem militantes da luta armada, especialmente da Ação Libertadora Nacional (ALN).

Por Brasil de Fato

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