CPI aponta crime de Bolsonaro por falsificar documento de auditor do TCU

Dados falsos sobre supernotificação de mortes por Covid foram usados por Bolsonaro como se fossem do Tribunal. “O objetivo da fraude era dar aparência de documento oficial ao texto”, diz Humberto Costa

À medida que avançam as investigações, a CPI da Covid encontra novos indícios de mais um crime cometido por Jair Bolsonaro na pandemia. Nesta terça-feira (17), os senadores ouviram o servidor negacionista Alexandre Marques, auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pela elaboração de um documento usado por Bolsonaro para demonstrar, com dados falsos, que as mortes oficiais por Covid-19 no país em 2020 foram supernotificadas em pelo menos metade dos números. Um rascunho de relatório foi enviado pelo servidor ao pai, o coronel da reserva Ricardo Marques e amigo pessoal de Bolsonaro.

Na oitiva, o servidor não conseguiu convencer os senadores de que não sabia que o rascunho, divulgado por Bolsonaro como um relatório oficial do TCU, seria enviado ao presidente pelo coronel. Marques enviou ao pai um arquivo dos dados compilados por ele em formato Word no fim do dia 6, um domingo. Na manhã de segunda-feira (7), Bolsonaro apresentou o documento adulterado, como se fosse do TCU. Segundo o servidor, o documento enviado ao pai não continha menção que levasse à interpretação de que tratava-se de um relatório do TCU. Apesar disso, segundo seu relato, o pai considerou que era o caso e encaminhou a Bolsonaro. “Fui pego de surpresa”, disse Marques aos senadores.

Ele enviou o relatório ao pai mesmo depois de os auditores do tribunal chegarem à conclusão de que seria impossível um conluio nacional para manipular o número de óbitos por Covid-19. A ideia de Marques para a confecção de um relatório foi, portanto, descartada antes mesmo de chegar à fase de execução. Daí a dificuldade de os senadores acreditarem que o envio do documento ao pai ocorreu sem uma conversa sobre o conteúdo e o contexto de sua elaboração.

Marques seguiu a narrativa negacionista de Bolsonaro de que os números de mortes por Covid foram inflados para que estados e municípios pudessem receber mais recursos da União, obrigada a promover repasses maiores de acordo com o estado da crise em cada região.

O senador Humberto Costa (PT-PE) reforçou as suspeitas de que as alterações no documento original de Alexandre Marques foram feitas dentro do Palácio do Planalto, como a inclusão do selo do TCU. Para o senador, houve uma tentativa de colocar em dúvida o número de mortos por Covid-19 para alterar repasses de recursos da União a estados e municípios a partir de uma eventual redução das vítimas. “O objetivo era reforçar o discurso negacionista do presidente, que dizia “não está morrendo tanta gente assim””, sentenciou Costa.

Conflito interfederativo

O parlamentar lembrou que é obrigação dos servidores do TCU manter neutralidade no exercício profissional, sem apegos ideológicos ou partidários, assim como a manutenção de sigilo de relatórios, o que não foi o caso de Marques. Ele admitiu ser filiado ao DEM.  “Essa decisão impensada de Vossa Senhoria poderia ter gerado um conflito interfederativo grave, colocando prefeitos e governadores em conflito com o governo federal”, advertiu o senador.

“Além do conflito, essa informação [do relatório] poderia contribuir negativamente para o enfrentamento à pandemia. É um dos crimes do Código Penal: disseminação de pandemia, não adoção de medidas sanitárias em pandemia”, elencou.

“Vossa Senhoria não cumpriu adequadamente a sua responsabilidade, inclusive social. [Foi] estimulado por essa verdadeira loucura, especialmente propagada por esse cidadão que ocupa a Presidência”, afirmou. Para Humberto Costa, o episódio serve de alerta para a população saber “quem é o governante do país, que é capaz de mandar falsificar um documento para justificar suas posições. Isso é um crime, é um criminoso um governante que faz isso, não tem respeito pela população”.

Trechos em branco

O senador Rogério Carvalho (PT-SE) observou que o documento de Marques continha, estranhamente, trechos em branco, como se tivessem sido deixados de propósito para ser preenchidos. “Esse documento era uma forma de criar uma narrativa diversionista para a opinião pública, de que se estava supernotificando [os óbitos], como se alguém quisesse ver mais morto do que já havia, diante de uma pandemia tão massacrante para o povo brasileiro”, denunciou.

Carvalho também condenou a atuação criminosa de Bolsonaro por meio do emprego de duas medidas: “A primeira foi promover a ampliação, ao máximo, do contágio”, relatou o senador, lembrando de um discurso do presidente em Águas Lindas (GO) de que era preciso acelerar as contaminações para que a população adquirisse imunidade de rebanho. “Isso foi defendido pelo núcleo central do governo e pelo próprio Bolsonaro”.

“A segunda medida, que nos leva a essa marca de 569.581 mortos, foi promover o tratamento precoce para o Brasil inteiro”, lembrou. “Ele cometeu crime de propagação da pandemia, de charlatanismo, de curandeirismo”.

Subnotificações

Carvalho chamou atenção ainda para as subtonificações de óbitos por Covid-19 no país, ao contrário do que sugeriu o documento do auditor do TCU. “A ciência diz, com razão, que há uma subnotificação de pelo menos 12% dos óbitos. O número real já ultrapassa 600 mil mortos. É uma triste marca”.

Da Redação

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