Debate sobre a redução da maioridade é baseado em desinformação

Apenas 0,01% dos crimes de atentado à vida é cometido por menores de 18 anos

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93 ocupa lugar de destaque nos debates da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, desde 31 de março. O projeto que pretende reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos suscita debates acalorados, repletos de conservadorismo e desinformação.

A comissão tem ouvido diversos especialistas em infância e criminologia. Mesmo assim, há quem use argumentos há muito combatidos para defender a proposta.

Para a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), quem vende a ideia de uma sociedade pacífica e mais segura com mais jovens presos comete “estelionato”, visto que o sistema prisional nacional não recupera ninguém.

“Estão tentando comprar respaldo social vendendo produtos falsificados. A sociedade tem de ser informada para ter o discernimento necessário para identificar um estelionato. O número da PEC é do estelionato”, argumenta.

Segundo Kokay, em nada vai contribuir para a segurança da sociedade transferir jovens de um sistema de medidas socioeducativas onde 80% são reintegrados, para um sistema prisional de adultos, que reintegra apenas 25% dos apenados.

De acordo com a deputada, os jovens não são os que mais matam, mas os que mais morrem. Dados do Mapa do Encarceramento: Os Jovens do Brasil, da Secretaria-Geral da Presidência da República revelam que das 56.337 vítimas de homicídio em 2012, 52,63% eram jovens. Desses, 77% negros e 93,30% do sexo masculino. O índice homicídios cometidos por menores de idade, no entanto, é de 0,01%.

“Quem está preso no Brasil são os jovens negros. Quem está morrendo no Brasil são os jovens negros. Os crimes de atentado à vida são cometidos por menos de 1% dos jovens”, ressalta a deputada.

Importante defensor da proposta no Congresso, o senador Álvaro Dias (PSDB-PR) publicou em sua página no Facebook, no dia 30 de abril, uma lista de 16 países que adoraram idades abaixo dos 18 anos para a responsabilização penal de crianças e adolescentes. As idades variam de sete a 15 anos. Na postagem, o senador pergunta: “Somente o Brasil está correto e o mundo está errado?”

Álvaro Dias desinforma seus leitores ao não explicar que no Brasil a idade passível de responsabilização penal é a partir dos 12 anos, como está estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Portanto, dentro da média dos países apresentados pelo senador.

Entre os países listados pelo tucano estão Alemanha e Japão, ambos com penalidades previstas a partir dos 14 anos. Ocorre que a Alemanha e o Japão voltaram atrás em suas decisões. O alemães voltaram a adotar a maioridade voltou aos 18 anos e os japoneses criaram um sistema diferenciado com uma faixa entre 18 e 21 anos.

De acordo com uma pesquisa da Organização das Nações Unidas (ONU), 17% entre 57 países pesquisados adotam a maioridade penal abaixo dos 18 anos.

Fundamentalismo – A retomada do debate sobre a redução da maioridade penal pela comissão teve como argumento até trechos da Bíblia.

Responsável pela relatoria, o deputado Benedito Domingos (PP) usou uma passagem bíblica para justificar a análise da proposta. “A uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade penal. Não se cogita nem sequer a idade. ‘A alma que pecar, essa morrerá’ (Ez. 18), argumentou.

Para a deputada Erika Kokay, a PEC 171 interessa aos gestores do sistema carcerário que não querem assumir a “ineficiência” do setor e parlamentares que querem “vender soluções fáceis para manter o respaldo e o apoio popular”.

A petista defende aliar o aperfeiçoamento das medidas socioeducativas à ampliação e aprofundamento de políticas públicas de cultura, emprego e educação de qualidade. Para ela, é preciso instituir programas de prevenção ao uso de drogas e políticas culturais.

A deputada afirma ainda que colocar os jovens no sistema nacional prisional é um ato de vingança. “O Estado não pode se comportar a partir de uma lógica de vingança, porque ele rompe sua condição de ser democrático e de direito”, afirma.

A comissão foi criada, segundo Erika, para reafirmar a lógica fundamentalista e conservadora da maioria do parlamento. “A composição da comissão é de uma concepção fundamentalista encarceradora absolutamente determinada, que acha que os problemas da sociedade se resolvem com as botas, balas, baionetas e grades”, desabafa Erika.

Por Guilherme Ferreira, da Agência PT de Notícias

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