“Desfile” militar expõe FFAA, isola Bolsonaro e vira vexame mundial

Tentativa de intimidar o Congresso Nacional a aprovar o voto impresso é considerada uma pretensa demonstração de força que apenas expôs a fraqueza do governo

Seria cômico, não fosse uma “trágica coincidência”. A cada dia mais isolado, Jair Bolsonaro posou ao lado apenas de “seu” exército de ministros e parlamentares durante o desfile militar promovido na manhã desta terça-feira (10), algumas horas antes da votação destinada a encerrar de vez a tramitação da “Pec do voto impresso” no Plenário da Câmara dos Deputados.

Considerada pelo jornalista Tom Phillips, do jornal inglês The Guardian, uma ação “ao estilo república das bananas” do desgoverno Bolsonaro, a extemporânea manobra chamou a atenção mais pelas ausências do que pelas presenças no palanque montado pelos bolsonaristas no Palácio do Planalto.

Membros da linha sucessória em caso de afastamento ou impeachment do PR, o vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, recusaram o convite de Bolsonaro. Nesta segunda (9), Lira avaliou como “trágica coincidência” o desfile ocorrer no dia da votação.

Também recusaram o convite do Planalto os presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, do Tribunal de Contas da União (TCU), Ana Arraes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, e do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Maria Cristina Peduzzi.

Em frente ao Palácio do Planalto, reforçando o pelotão formado pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, com os chefes do Exército (Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira), da Aeronáutica (Carlos de Almeida Baptista Júnior) e da Marinha (Almir Garnier Santos), estavam os ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra Filho e do Tribunal de Contas da União (TCU) Jorge Oliveira.

Outros nove ministros do núcleo duro do Executivo também participaram do ato e depois seguiram para uma reunião ministerial com o chefe. Por fim, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), e o vice-líder do governo na Câmara Evair de Melo (PP-ES) representaram o Legislativo. Nenhum deles usou máscara.

Segundo Tom Phillips, a passagem do comboio com 45 veículos da Marinha, que durou menos de dez minutos, “foi amplamente vista como a tentativa desastrada de um presidente sitiado de projetar força”. O repórter lembrou que Bolsonaro em pessoa deu a ordem para a realização do desfile, sem precedentes desde 1984.

Naquele ano, nos estertores da ditadura, o general-ditador de plantão João Figueiredo ordenou que veículos e tropas militares ocupassem o entorno do Congresso Nacional antes da votação emenda da Diretas Já, que pedia o retorno do voto direto para a Presidência da República.

Desta vez, o desfile foi pretensamente destinado à entrega de um convite para Bolsonaro acompanhar manobras militares da Marinha em Formosa (GO). O exercício, que ocorre anualmente desde 1988, contará pela primeira vez com a participação de Exército e Aeronáutica. Também foi a primeira vez que um presidente recebeu o documento diante de um minúsculo desfile militar. O desfile militar ganhou as páginas dos principais jornais do mundo.

Em sua coluna no G1, o jornalista Octavio Guedes informou que a parada militar foi um fiasco nas redes sociais. Segundo o jornalista, 93% dos posts foram de chacota.

Lula: “Isso é o jeito de Bolsonaro dizer que é o presidente”

O evento foi transmitido pelas redes sociais de Bolsonaro e acompanhado por cerca de 100 simpatizantes que se postaram na praça dos Três Poderes, em frente ao Planalto. Enquanto prosseguia a grotesca e caricatural manifestação bolsonarista, Luiz Inácio Lula da Silva concedia entrevista à Rádio ABC de Porto Alegre, onde apontou que “isso é o jeito do Bolsonaro dizer que ele é o presidente desse país”.

“A cena patética de hoje de receber um convite para um pequeno desfile militar na frente do Palácio. Eu acho que nem Sarney, nem Fernando Henrique Cardoso, nem eu, Dilma, nem Temer, nunca precisamos disso. O cara quer entregar um convite, o cara pega um avião, desce em Brasília, vai no gabinete, entrega o convite e acabou”, ironizou.

Em outra resposta, transcrita em uma sequência de postagens no Twitter (), Lula afirmou que, como já havia sido chefe das Forças Armadas, confiava que os militares saberiam como se comportar: “Cuidando da nossa soberania, dentro da Constituição”.

Para a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), a manobra de Bolsonaro foi a pá de cal nas tentativas de colocar sob suspeita o sistema eleitoral. “Imagem patética dos tanques em Brasília vai rodar o mundo e mostrar um presidente fraco e desesperado. Tentativa de coação não vai funcionar, vamos derrubar hoje o voto impresso e fazer valer a democracia brasileira”, garantiu a deputada em postagem no Twitter.

No Senado, o presidente da CPI da Covid-19, Omar Aziz (PSD-AM), abriu a sessão lendo uma nota oficial em protesto contra o desfile, considerado pelos senadores uma “cena patética, ameaça de um fraco que sabe que perdeu”. Para eles, o ato não havia sido um teatro sem consequências, mas um “ataque frontal à democracia”.

“O papel das Forças Armadas é defender a democracia e não atacá-la. As Forças Armadas jamais podem ser usadas para intimidar a população”, destacou o documento. “Não haverá voto impresso, não haverá nenhum tipo de golpe à nossa democracia. A democracia tem instrumentos para defender a própria democracia.”

“O presidente, em uma clara tentativa de intimidar parlamentares e opositores, acredita com isso estar mostrando força, mas está evidenciando toda fraqueza de um presidente acuado pelas investigações de corrupção, inclusive dessa CPI, e pela incompetência administrativa que provoca mortes e desemprego em meio a uma pandemia sem controle”, finalizaram os senadores.

Integrante da CPU Humberto Costas (PT-PE) afirmou que ninguém tem o direito de intimidar o Parlamento. “E tem mais: o apreço do presidente a esse chamado voto impresso não é porque ele queira mais segurança na votação, é porque ele quer um pretexto para dizer que o sistema não é seguro, para desqualificar as urnas eletrônicas e, para o caso de ele perder a eleição, acusar a existência de fraude e tentar aplicar um autogolpe”, complementou o senador.

Da esquerda aos generais

Além das manifestações de senadores da CPI da Covid, nove partidos (PT, PCdoB, PDT, PSB, Rede, PSOL, PSTU, Solidariedade e Unidade Popular) divulgaram em conjunto nota de repúdio à exibição militar, classificando o ato como uma tentativa clara de constrangimento ao Congresso.

O povo não quer ver desfile de tanques de guerra, quer vacina no braço, respeito à democracia e instituições e governantes que trabalhem para gerar empregos e para acabar com a fome no país”, afirmam os representantes dos partidos no texto.

O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-secretário de Governo e atual desafeto de Jair Bolsonaro, considerou “completamente descabida” a realização do desfile no momento em que se desenrola uma disputa política normal, com votação sobre um tema polêmico. “Não é possível acreditar em tanta ingenuidade e incompetência de avaliação do Ministério da Defesa. Isso é um desrespeito ao Congresso, um desrespeito ao Brasil”, criticou.

A tentativa bolsonarista de transformar uma ação protocolar em ato político elevou a tensão até entre os generais quatro estrelas que compõem o Alto Comando do Exército. Segundo a colunista do Uol Thaís Oyama, os estrelados tentaram pressionar o comandante da Força, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, a não atender à convocação do ministro da Defesa, Braga Netto, para participar da cerimônia.

Alguns deles consideraram o desfile uma “pantomima” e uma instrumentalização da Força Naval por Bolsonaro. Outros se disseram “envergonhados” e “indignados” com a evidente tentativa de intimidação do Congresso e o consequente desgaste político dos militares, cuja reputação sofre queda livre entre a população.

A maior parte dos veículos e dos profissionais envolvidos no treinamento militar vieram do Rio de Janeiro, e a passagem por Brasília sequer consta do roteiro inicial do comboio. O trajeto mais curto entre o Rio e Formosa não inclui a capital federal.

A colunista Malu Gaspar, de O Globo, informou que a recusa a uma ordem do tipo no ano passado foi o principal motivo para a demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e dos três comandantes das Forças Armadas, no início de 2021.

“Na época, o então comandante do Exército, Edson Pujol, se negou a atender Bolsonaro – assim como o brigadeiro Azevedo e Silva, que não encampou a ideia do presidente de promover um voo rasante com os caças suecos Gripen pela Esplanada”, lembrou a repórter.

No Correio Braziliense, outra reportagem cita uma fonte ligada a militares que estão acampados em Formosa para informar que oficiais estariam tentando sufocar notícias sobre um surto de Covid-19 entre as tropas.

“Alguns militares mais velhos não tomaram vacina por negacionismo, porque Bolsonaro não tomou, e outros, mais novos, não estão na faixa etária em suas regiões. Isso está provocando um surto no campo de treino”, revelou o informante.

Um médico oficial contaminado pela doença que atendia outros militares, foi isolado em um centro de instrução da Marinha em Santa Maria (DF), em vez de ser levado para um hospital. A fonte relatou casos de militares mais jovens contaminados e destacou o risco de o número ser maior, se houver assintomáticos espalhando a doença. A Marinha não se manifestou.

Da Redação

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