Dilma: “Esse golpe foi feito para nos enquadrar”

A presidenta eleita Dilma Rousseff analisou o primeiro ano do Golpe que a tirou do poder em ato realizado nesta quinta (31) no rio de Janeiro.

Lula Marques/Agência PT

Dilma Rousseff

Há exatamente um ano, uma presidenta legítima, eleita com mais de 54 milhões de votos, foi tirada do poder em um processo de impeachment sem crime de responsabilidade. Nesta quinta-feira (31/08), diversos atos em todo o Brasil lembraram o golpe, os retrocessos, com perda de direitos sociais e soberania popular e aprofundamento da crise econômica.

No Rio de Janeiro, na sede da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), o ato organizado pelo mandato do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) com o jornal Brasil de Fato RJ teve a presença da presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff.

O auditório da ABI estava repleto e muita gente ficou de fora. As principais lideranças do PT Rio de Janeiro,  como o senador Lindbergh Farias, o presidente estadual do partido Washington Quaquá, e das forças progressistas, como a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), representantes de movimentos sociais como o MST e a Frente Brasil Popular, além do movimento “Volta Dima” pela anulação do impeachment, que busca reverter o Golpe no Supremo Tribunal Federal.

Damous: “Cunha recebeu e distribuiu dinheiro pela aprovação do impeachment”

O clima no ato era aguerrido, de resistência e determinação. Em diversos momentos, cantos espontâneos de “volta Dilma” e “fora Temer” ecoaram pelo auditório. A deputada Jandira Feghali foi muito aplaudida em seu discurso.

“Nós estávamos lá há um ano, naquele parlamento, que naquela sessão de 17 de abril mostrou o nível em que está a Câmara, e dia 31 estávamos com Dilma quando ela saiu do Planalto, e ela saiu de lá pela porta da frente, altiva, certa de que era inocente”, afirmou.

Lindbergh, em sua fala, se disse muito emocionado com tudo que tem acontecido nesses dias. “De onde a senhora tira tanta força, tanta garra, tanta disposição para o enfrentamento? Ela foi julgada duas vezes. A primeira, pela justiça militar, de cabeça erguida, e no Senado foi a mesma coisa”, disse.

Wadih Damous, se dirigindo a Dilma como “a presidenta constitucional deste país”, manifestou  repulsa à “quadrilha que dominou o país”. “Se o chefe da organização criminosa Michel Temer sair do Palácio, vai sair de lá de camburão”, disse. Damous também declarou seu repúdio as tendências autoritárias do Judiciário.

O deputado ainda afirmou que Eduardo Cunha recebeu e distribuiu dinheiro para a aprovação da abertura de processo de impeachment contra Dilma. “Se o Supremo não anular essa sessão, se equiparará ao STF que autorização a deportação de Olga Benário à Alemanha Nazista”, concluiu.

Dilma: “para nós, mulheres, sempre era um pouco mais difícil”

Dilma começou sua fala lembrando que esteve com Lula no Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, no projeto Lula Pelo Brasil, e pediu desculpas pela voz desgastada. “Pra mim é importante estar aqui no dia 31 de agosto de 2017, um ano depois da cerimônia que tirou a primeira mulher eleita presidente pelos votos de 54 milhões de brasileiros, a maior votação em termos absolutos e dados com muita honra a mim como mulher”.

Dilma enfatizou que o fato de ser uma mulher presidente não foi banal. “Honrar as mulheres era sobretudo reconhecer que para nós, mulheres, sempre era um pouco mais difícil. Tínhamos que mostrar que as mulheres não são frágeis, têm coragem e determinação no dia a dia para enfrentar a criação dos filhos e a relação com o mundo. Eu era a primeira mulher que podia sim assumir o maior cargo, e as meninas poderiam brincar de presidenta, pois antes não tinham nenhum referencial”.

Dilma afirmou também que seu governo também reafirmava um processo de combater a mais grave característica do Brasil, a herança de exclusão e privilégio fruto da escravidão. “Temos uma História, que passa necessariamente por como a escravidão ocorreu no Brasil, foi combatida  e, no surgimento da República, como os ex-escravos adentraram o novo regime”, lembrando da série de preconceitos que perpassam a realidade brasileira e muitas vezes são escondidos.

“Isso explica porque temos a mais egoísta, mais atrasada, mais irresponsável elite econômica”, afirmou. Dilma lembrou da dificuldade que historicamente houve no Brasil para processos simples de combate à exclusão. “Esse, que preside a Câmara, é de um partido que entrou na Justiça contra o Prouni”, lembrou, completando que a mesma elite também foi contra as cotas nas universidades e o Mais Médicos. “São Paulo tinha a maior carência de médicos, onde tinha a população pobre do estado”.

“Estamos vendo como é grave tirar o pobre do orçamento”

“Estamos vendo como é grave tirar o pobre do orçamento. Essa PEC que tirou o crescimento real do investimento público, que é a educação e a saúde, e fizeram isso por 20 anos, cinco eleições presidenciais, e tiraram do voto, pois na eleição a gente vota no orçamento, e há um conflito distributivo sobre esses recursos. É isso que o ‘pato amarelo’ na Avenida Paulista expressava. ‘Não vamos pagar o pato’. Numa crise, há um conflito distributivo entre os segmentos sociais”, analisou.

Dilma lembrou ainda que o Brasil não tributa os ganhos de capital. “Falam muito de reforma tributária, mas não precisamos de qualquer reforma, tem que tributar herança, lucros e dividendos”.  Ela também afirmou que a CPMF era um imposto progressivo, pois permitia ver onde está a evasão fiscal.

“O golpe é uma reação a algo que aconteceu no Brasil em 2003. Nós tínhamos suspendido a adoção do neoliberalismo no Brasil de forma descarada. Preservamos a Petrobras, a Eletrobras, a Caixa, o Banco do Brasil. Isso era o mínimo. Por quatro eleições consecutivas, derrotamos as tentativas de volta. Aí aplicaram algo muito antigo do neoliberalismo, que fizeram com o Pinochet, a tese do Milton Friedman: ‘se tem uma crise, aproveite e transforme o politicamente impossível no politicamente inevitável'”, afirmou.

A presidenta eleita também falou sobre o ceticismo infundado em relação à capacidade da Petrobras extrair o petróleo do Pré-Sal, e defendeu o legado da política externa dos governos do PT, como o estreitamento de laços com a América Latina e a África e a construção do bloco Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Dilma afirmou que vê com preocupação os movimentos das forças dos EUA próximo à Venezuela. “Creio que a situação vai chegar a uma guerra civil, e isso é gravíssimo em nossa região, que vive em paz há 140 anos. Eles fizeram isso no Oriente Médio. É uma irresponsabilidade, um absurdo”.

Golpistas: elite, mídia e judiciário

“Esse golpe foi feito para nos enquadrar. Os grandes golpistas são primeiro a elite do país que não se interessa que 100% do país se desenvolva, 20% basta. A mídia, que faz parte dessa elite, a Rede Globo é um oligopólio que transforma a liberdade de imprensa no Brasil numa ficção. Sempre que você não faz um controle econômico da mídia, tem homogeneidade de comunicação. A comunicação deve ser diversificada”.

Ela elencou como terceiro agente do golpe o uso político do Judiciário. “Em qualquer país do mundo, se alguém grava o presidente, a lei de segurança nacional coloca na cadeia. Aqui gravaram a presidenta sem autorização. Divulgaram, criaram a maior confusão do mundo e impediram que o Lula fosse ministro do meu governo. Pós golpe, nomearam um ministro para fugir das investigações, o nomeado ‘Gato Angorá”, e não aconteceu nada”.

Ela afirmou que percebeu com clareza em 2015 quando Eduardo Cunha começou o processo golpista. “Você tem um centro do Congresso, principalmente na Câmara, é só ver os que votaram, alguns até com convicção, mas a grande maioria que votou pela impunidade do Temer é a mesma que votou em Eduardo Cunha, e tem o PSDB, encantado com a hipótese de chegar à Presidência da República sem voto”.

Ela explicou que o golpe não foi um único momento, é constituído de atos. “O primeiro é o impeachment sem crime de resonsabilidade. O segundo é necessariamente impedir o Lula e eleger um deles”. Mas ela afirma que o governo golpista tem um dilema. Precisam lidar com um déficit fiscal imenso e entregar o que prometeram aos deputados.

Dilma disse que o governo corre o risco de se tornar irrelevante. “Eles acham que não precisam dar nenhuma importância ao voto direto e que não têm que prestar contas à população, mas isso é uma sandice, pois os nobres deputados e senadores que têm que se reeleger precisam prestar contas”.

A presidenta alertou ainda para o crescimento da extrema-direita. “É extremamente preocupante, e é um subproduto do golpe, com a destruição do centro-direita do PSDB”. Lembrou também do risco das alternativas com o discurso antipolítico de “gestores”.

“A frase mais bonita que ouvi do Lula foi: ‘solto ou preso, condenado ou absolvido, vivo ou morto, eu participo de 2018’. Mostra primeiro uma imensa indignação com a injustiça que sistematicamente se abateu sobre ele. Tem a ver com a morte da Marisa, aquela condução coercitiva, condená-lo pelas razões mais frágeis possíveis, colocar a pessoa numa situação-limite. Quando suas convicções são colocadas à prova e você tem que saber seu limite. Ao falar isso ele coloca sua compreensão sobre 2018: se o golpe se reproduz ou existem mecanismos de intervenção que o barrem. Por isso eu acho a caminhada do Lula tão importante. O que está em questão é o que fazemos depois. A única certeza é que só pode ser feita com a mais ampla participação do povo brasileiro”.

Segundo ato do Golpe: parlamentarismo, distritão e até suspensão das eleições

Ela completou que o segundo ato do golpe pode culminar no Parlamentarismo. “Eles tem uma convicção clara que nós não estamos no páreo se houver um outro regime chamado Parlamentarismo, pois os filtros midiáticos, financeiros e oligopólicos são muito ais frágeis numa eleição nacional. Por isso o presidencialismo sempre  foi complicado pras elites brasileiras”.

Lembrou que essa e outras propostas, como o distritão, tem o objetivo de tirar as forças mais progressistas da disputa eleitoral. “Estou alertando que esse segundo ato pode ser até a suspensão das eleições. O Brasil está caminhando para o agravamento de uma crise econômica, social, institucional, política. Tenho a impressão que vivemos uma calmaria antes do tsunami.

Dilma falou ainda sobre a privatização da Eletrobras, afirmando que resultará no aumento das tarifas de energia. Mas se mostrou cética sobre os potenciais compradores, pois todos os atos da atual legislatura podem ser revertidos em um novo governo. “Esse golpe criou uma precariedade jurídica sobre os contratos do país. Duvido que os chineses vejam isso e se arrisquem a investir aqui. Essa é a insegurança institucional que esse governo sem voto e sem legitimidade trouxe ao país”.

Ela disse que há uma cisão nos golpistas, mas há unidade em certos pontos: reforma da previdência, reforma trabalhista, entrega das terras férteis entre elas. “Hoje, acho que há muito pouca dúvida no Brasil que houve um golpe, e a História tem sido vingativa contra os golpistas. A liderança foi completamente desmoralizada e suas reais motivações deixadas claras”.

Mas ressaltou que temos que aprender com a pergunta: ‘como foi possível’? “Como um senhor assumiu o púlpito e disse que votava a favor da ditadura militar, da tortura e do torturador? Por que isso não seria possível na Argentina, no Chile, no Uruguai? Temos que compreender esse processo de transição da ditadura para a democracia. Houve um movimento massivo pelas Diretas, e nós perdemos, nos desmobilizamos, houve uma negociação de transição e anistia recíproca. É difícil julgar a posteriori, mas não foi julgada a tortura no Brasil”.

Assim, concluiu que deve haver cuidado nas transições, e terá que haver uma transição para voltarmos à democracia. “Acredito que só há como pelo voto, mas temos que ver as questões estruturais que coíbem a democracia no Brasil. Disseram que fizemos um governo de coalizão, mas eu digo: ‘e aí, cara pálida, com querm você governa?’ Temos que olhar pros deputados e senadores. Outra questão é a regulamentação da mídia”.

“É fundamental fazer política, resgatar a política. O Lula sempre diz uma frase muito boa: ‘aqueles que não querem fazer política são governados por aqueles que querem. Temos que saber quem são esses que querem. Um fortalecimento de partidos e candidatos, uma reforma que impeça esse esfacelamento partidário”.

Dilma encerrou sua fala de quase uma hora e meia agradecendo os presentes. “Quero agradecer nesta noite por vocês terem me dado tanto calor. Me comovi com a fala da Jandira, do Damous, do Lindbergh”, concluiu, sob muitos aplausos e gritos de “volta Dilma”.

Da Redação da Agência PT de notícias

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