Dilma: “Frente só tem sentido se for para tirar o Bolsonaro” 

Em entrevista ao ‘El País’, a ex-presidenta rechaça o esforço do establishment de manter a agenda neoliberal de Paulo Guedes sem o líder da extrema-direita no Planalto. “Temos de estar juntos para tirar o Bolsonaro. E colocar algo no lugar. Então, a frente tem de ter um programinha mínimo”, defende

A ex-presidenta Dilma Rousseff disse que a luta política em defesa da democracia no Brasil passa pela retirada de Jair Bolsonaro e da sua agenda neoliberal e neofascista do poder. “Como é que eu defendo hoje a democracia, concretamente, com o Bolsonaro e este governo, exercitando o que eles exercitam?”, criticou, em entrevista ao ‘El País’, nesta quarta-feira, 10 de junho.

Ela disse que não condena esforços de setores da sociedade civil, indignados com as constantes ameaças do governo de uma ruptura institucional, mas lembrou que há aqueles agora que buscam se esquivar das responsabilidades do que fizeram no passado. “Eu acho que tirar o governo Bolsonaro sem evidenciar que ele tem essa aliança neoliberal e neofascista no Brasil sabe no que vai dar? Não vai dar em nada!”, declarou, lembrando da frente ampla tentada no pós-ditadura que “fez água”.

Durante a entrevista, Dilma advertiu que é preciso ter clareza na tarefa que se impõe ao país e às suas lideranças políticas. “Fazer uma frente para quê? Uma frente que não assumir que é para tirar o Bolsonaro, eu não sei para que ela deve ser feita”, advertiu. “Uma frente só pode ter sentido se é para Bolsonaro, Fora! País nenhum faz frente se não for em torno de um objetivo claro”.

Dilma disse que considera que manifestos estão sendo assinados por pessoas muito bem-intencionadas, mas que ainda precisa ter um desenho claro sobre o que querem para o país. “Acho que o ‘Juntos’, primeiro, não tem proposta. Juntos para quê? Eu quero saber para quê? Se não é para tirar o Bolsonaro, para quê que é? Para fazer o quê?”, questionou.

“O que estou dizendo é que a frente no Brasil, a Frente Democrática, tem que ser daqueles que sabem que o Bolsonaro tem que sair”, aponta. “No Brasil, houve um processo de deterioração das instituições, que começa em 2016, quando rompeu-se o processo democrático. Abriram a caixa de Pandora e todos os monstros saíram: o autoritarismo, os milicianos e a aplicação no Brasil de algo gravíssimo, que foi a pauta neoliberal”, lembrou a ex-presidenta.

Precarização do trabalho

Dilma disse que parte da elite política e econômica brasileira é parte do problema da atual situação em que o país está mergulhado. “Por que hoje nós temos essa quantidade de mortes no Brasil? Não só porque o Bolsonaro está se omitindo em todos os níveis – na saúde, na política social, no isolamento das pessoas, e também em relação às empresas… Mas, como disse – eu vou citar um conservador americano – o Larry Summers, o Covid não cria tendências. Ele simplesmente radicaliza as existentes. E uma das tendências radicalizadas no Brasil é o que foi aplicado no pós-2016, que é a precarização do trabalho”, lamenta.

“O fato é que foram desmontadas todas as políticas sociais. E isso leva a um grau de radicalização imenso”, lamentou. Ela lembrou que, desde a sua saída do governo, há um brutal ataque aos direitos do povo e a expansão da desigualdade no país. E que os que mais estão sentindo o desmonte das políticas sociais e do estado de bem-estar social são os pobres. Dilma afirma que as relações entre capital-trabalho no país retrocederam como em poucos períodos da história. “A precariedade de hoje implica numa relação de trabalho pré-capitalista. Voltamos ao quadro antes da Revolução Industrial”, afirma.

A agenda neoliberal

Ela ressaltou que o que sustenta o governo Bolsonaro não é apenas o seu caráter neofascista. “Teve uma porção de pessoas da elite – porque o povão tá fora dessa – que queria o Bolsonaro para quê? Para aplicar a agenda neoliberal”, destaca. “A precariedade instituída, logo depois que eu saí (do governo), é responsável direta pela quantidade de pessoas vivendo na informalidade no Brasil”, lembrou.

Dilma atacou o esforço do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de se reposicionar no tabuleiro político nacional. “O senhor Sérgio Moro jamais pode entrar nessa frente. Ele é diretamente responsável pelo governo Bolsonaro. Ele é figura central na chegada do Bolsonaro ao poder”, destacou. “O que a Lava Jato fez? A Lava Jato comprometeu aquela senhora que usa viseira, que tampa os olhos, e tem uma balança que mostra o equilíbrio e a neutralidade. O Sérgio Moro rompeu com a neutralidade, rompeu com o equilíbrio e atacou as instituições. Sem a Lava Jato, nós não teríamos o Bolsonaro. Sem o governo Temer, nós não teríamos Bolsonaro”.

A ex-presidenta declarou que dificilmente poderia assinar um manifesto como o do grupo “Juntos”, por conta da presença de algumas personalidades.  “Como alguém pode querer que eu seja a favor de um movimento que tem uma pessoa como o Miguel Reale (Júnior), que assinou junto com a Janaína Paschoal aquele impeachment fraudulento? E que originou esse golpe? Como é que pode isso? Isso leva ao quê? Essas pessoas estão tentando fazer o que os italianos chamam de aggiornamento”, disse. A citação da presidenta expressa o esforço de parte das lideranças políticas e empresas tentarem se desvencilhar do presidente, mas mantendo o pauta econômica das “reformas”.

Da Redação

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