Dirceu: “O establishment quer uma transição por cima”

Em entrevista a Mino Carta, o ex-ministro diz que é preciso fazer luta política, cultural, ideológica, para organizar o povo. E lembra: “Os que pedem frente democrática agora se recusaram a fazê-la em 2018”

O ex-ministro José Dirceu defende a formação de uma frente de esquerda para lutar contra o governo de Jair Bolsonaro e para ser a alternativa de poder no Brasil. Mas ele duvida das intenções de alguns antigos aliados do PT. “Você há de convir comigo que não é esta a posição do PDT, PSB, PCdoB”, afirma. “Fernando Henrique, Ciro Gomes, Marina e a Globo avançam para uma proposta de frente ampla e é evidente que vão trabalhar para uma transição por cima”. Ele lembra:“Já tivemos esta experiência no Brasil. Temos que trabalhar para uma ruptura e uma transição por baixo nas ruas, como se deu na campanha das Diretas Já”.

Ele diz que setores do campo democrático, que hoje levantam a bandeira pela construção de uma frente ampla, rejeitaram a mesma iniciativa durante o segundo turno das eleições gerais de 2018, quando o candidato Fernando Haddad (PT) era a alternativa ao então candidato Jair Bolsonaro, que se lançara pelo PSL e, na segunda rodada angariou o apoio do PDT de Ciro Gomes e do PSDB de Fernando Henrique Cardoso. Candidatos aos governos estaduais das duas legendas mostraram apoio a Bolsonaro.

Dirceu prega a retomada do fio da história da luta popular pelo destino da Nação. “O Brasil precisa, e digo em meu nome, já que, no caso, não posso falar em nome do PT, que nós precisamos retomar o fio da revolução brasileira inacabada, para fazer uma revolução social pelos caminhos da distribuição da propriedade, da renda e da riqueza”, destaca. “O Brasil não pode mudar se não retomar o projeto de desenvolvimento nacional para fazer uma revolução social, que é uma reforma radical tributária, uma reforma do sistema bancário, já que hoje a classe trabalhadora brasileira é expropriada nos juros e na estrutura tributária. É uma mudança radical na estrutura política do país”, aponta.

Organizar o povo

A avaliação de Dirceu foi dita ao jornalista Mino Carta, diretor de ‘Carta Capital’ e está na entrevista concedida pelo ex-ministro da Casa Civil do governo Lula está na edição da revista que começa a circular este final de semana. Dirceu diz que é chegada a hora de fazer a disputa política para a reconstrução de um novo ciclo de desenvolvimento para o Brasil. Mas ele também não deixa de fazer uma crítica à atuação política dos petistas e também das esquerdas. “É preciso fazer luta política, cultural, ideológica, para organizar o povo, e nós não organizamos. Por que não organizamos as mães do Bolsa Família? Por que não organizamos os filhos do ProUni? Nós subestimamos, ou acreditamos ingenuamente que a elite brasileira, o aparato do Estado, a Justiça, as Forças Armadas e o Ministério Público aceitariam”, diz.

Dirceu reconhece que a esquerda falhou. “Um dos principais erros nossos foi não mobilizar o povo, não confrontar o nosso contra o deles, classes médias conservadoras, que eles põem nas ruas como puseram contra Dilma”, destaca. E lembra que a força da esquerda e do PT não podem ser desprezadas porque o campo popular esteve presente nas disputa pelo comando do país e ganhou em quatro eleições seguidas, entre 2002 e 2014. E poderia ter ganho na eleição passada contra Bolsonaro.

“Mesmo depois de [Fernando] Collor e Fernando Henrique [Cardoso], o povo elegeu Lula duas vezes e Dilma também duas. E ia eleger a quinta vez depois do golpe, se tivéssemos uma eleição limpa, nós íamos ganhar a eleição de 2018”, avalia. “Então têm forças no Brasil, tem legado, tem memória, agora o problema é se nós estamos à altura destas forças. Parece que não. (…) Não estamos à altura deste povo, para organizá-lo, para mobilizá-lo, para conscientizá-lo. (…) Nós é que precisamos nos colocar à altura, sempre digo que a militância do PT é muito melhor que nós, os dirigentes, e estou me incluindo”.

Mobilização contra o arbítrio

Ele diz que o momento é de mobilização popular para deter o arbítrio. “Só detém o golpe a luta popular nas ruas, a resistência, o combate. Acordos, conchavos, conciliações, não funcionam, discursos não vão resolver. Tem de haver povo na rua”, aponta. “Quando [o General] Villas Bôas (ex-comandante do Exército] tuíta que não pode dar habeas corpus para Lula, quando o Estado-Maior do Exército se reúne no mesmo dia do STF, vemos que o poder está nas mãos dos militares”, aponta.

Dirceu também faz uma avaliação precisa sobre a situação do governo, que conta com amplo apoio por setores conservadores da sociedade e da elite econômica empresarial do país e é integrado por quadros egressos das Forças Armadas. “O governo Bolsonaro está militarizado. O [General Hamilton] Mourão militarizou a Comissão da Amazônia, o Ministério da Infraestrutura”, pondera.

O ex-ministro também vê com bons olhos o fato de o ex-presidente não se apresentar como candidato ao Palácio do Planalto. “Lula tem dito que não quer ser candidato, assim estou lendo”, diz. “Ele não quer, quer contribuir para a unidade da esquerda, é a leitura que eu faço. Fala de Flávio Dino [governador do Maranhão], de Rui Costa [governador da Bahia], como tem falado de Fernando Haddad, ainda que o Haddad seja o candidato, vamos dizer assim, natural do ex-presidente”.

Da Redação, com Carta Capital

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