Disputa por vaga no STF pode escalar avanço fundamentalista no país

Controvérsias sobre abertura ou não de cultos presenciais revelou a força dos ‘terrivelmente’ evangélicos; avanço afeta direitos das mulheres, principalmente sexuais e reprodutivos 

Ao longo de abril, a disputa pela abertura ou não de cultos presenciais por conta dos decretos dos governadores tomou o noticiário. O tema revelou a escalada da disputa política com repercussão nas  nas movimentações em torno da indicação do governo para a vaga no STF que se abrirá com a saída de Marco Aurélio Mello em julho. O procurador-geral da República, Augusto Aras, saiu em defesa da abertura; bem como André Mendonça, atual advogado-geral da União, que vem fortalecendo suas conexões com a ala evangélica. 

Depois de desapontar o setor evangélico indicando o ministro Kassio Nunes Marques, no lugar do nome cogitado de Sérgio Moro, o presidente Bolsonaro apontou que o próximo indicado para o STF seria “terrivelmente” evangélico. 

 

“Bolsonaro aparelha as instituições ao bel-prazer para impor sua visão fundamentalista e autoritária. Se o avanço no STF se concretizar, não tenham dúvidas de que os direitos das mulheres serão os primeiros a serem ainda mais atacados. Isso é muito preocupante, porque, apesar das limitações, o STF tem contido muitos abusos do presidente”, alerta Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT. 

Enquanto a CPI da Covid-19 acontece no Senado, as movimentações para ocupar o mais alto cargo do judiciário brasileiro seguem de todas as formas. Uma das principais alegações para manter os cultos presenciais é a queda da arrecadação das igrejas — que chegou a ser de 40% a 50%. No entanto, as lideranças evangélicas fundamentalistas lançam mão de toda sorte de justificativas para defender a abertura das igrejas, inclusive apelando para o “não cumprimento” da Constituição e a necessidade de refúgio espiritual das pessoas. O ministro do STF, Gilmar Mendes, criticou a posição de André Mendonça e Augusto Aras declarando que eles tomam o nome de Deus para sustentar o direito à morte. 

“Os conservadores confundem a população. Não se trata de ferir a liberdade religiosa, pelo contrário. Em um momento tão difícil, é importante que as pessoas busquem refúgio espiritual, não importa a sua crença. No entanto, é até contraditório que se exija o exercício da fé colocando em risco a vida das pessoas”, afirma Anne. 

Dialogar com o setor evangélico tem sido um desafio contemporâneo para a esquerda. No entanto, aliar movimentos sociais classistas e religião não é novidade: a própria fundação do Partido dos Trabalhadores se deu, entre tantos setores, a partir das comunidades eclesiais de base católica e nas pastorais da juventude, por exemplo. O avanço do setor evangélico no país nas últimas décadas, contudo, se deu de forma mais aliada ao setor de direita, conservador e ultra reacionário da política brasileira. 

A cientista política Esther Solano pontua algumas razões da classe trabalhadora estar imersa na fé e encontrar refúgio, mesmo se colocando em risco, em um momento tão difícil que o país está vivendo: “no momento em que a pandemia devora vidas e as periferias se sentem abandonadas, jogadas à própria sorte, o pastor está lá, o irmão e a irmã da igreja estão lá, onde a prefeitura não está, onde o governo não está, onde o partido de esquerda não está”, afirmou a pesquisadora para a revista Carta Capital.

Apesar desse cenário, a esquerda tem buscado pontes para dialogar com o setor evangélico, inclusive para além da questão eleitoral e também por conta dela — com diversos evangélicos que têm se colocado para a política institucional e a entrada desse tema em movimentos tradicionais, como o MST. A pauta das mulheres tem sido a liga para construir essa conexão. Em 2021, o Instituto Tricontinental publicou o Estudo das Mulheres Evangélicas do MST. Uma extensa reflexão que alia a fé, a luta pela terra e a posição das mulheres no mundo. 

“A luta pela terra é boa, por que Deus não deixou a terra para fazendeiro, para presidente, quando ele fez o mundo, ele deixou a terra para nós plantar e colher, então, não foi para eles tomarem conta, e deixar nós sem, então essa parte aí, nós estamos certo, as pessoas que estão lutando estão certas, eles estão errados por que se tomam conta das terras todas, como é que pobre vai trabalhar?” (Conceição MST-MA)

Ana Clara, Elas Por Elas

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